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D I R E I T O    &    D E F E S A    D O    C O N S U M I D O R
16 / AGOSTO / 2007

REPRESENTAÇÃO E CHEQUE
Por Gladston Mamede (*)

            Sebastião moveu uma execução contra Agropecuária Buriti da Cachoeira Ltda, desejando ver-se pago nos cheques de número 00458 e 850020, devolvidos pelo banco por falta de provisão de fundos. Títulos que recebera pela venda de gado. A executada opôs embargos à execução, alegando que um ex-empregado, tido como honesto, que anteriormente possuía procuração para agir em nome da embargante, emitira os cheques, em claro golpe contra a empresa, uma vez que o mesmo assinou e efetuou transações comerciais após rescisão contratual e vencimento da procuração que lhe conferia tais poderes. Para tanto, se valeu da posse ilegal de talonários de cheques da embargante e da confiabilidade que mantinha na praça. Sebastião impugnou os embargos argumentando que a embargante fora omissa ao permitir que um empregado de longa data e grande confiabilidade na praça continuasse a praticar atos em seu nome, mesmo após a rescisão de seu contrato. Disse mais: não houve qualquer notificação acerca da extinção da procuração de outorga de poderes especiais do preposto, sendo de inteira responsabilidade da empresa os atos por ele praticados cobertos pela aparência da continuidade de representação. O juiz de primeira instância julgou improcedentes os embargos, determinando que a Agropecuária Buriti da Cachoeira Ltda pagasse pelos cheques. Diante do manejo de apelação, o Tribunal de Alçada de Minas Gerais manteve esse entendimento; eis a ementa do acórdão: “(1) O cheque juntado pelo autor, formalmente perfeito, com assinatura do devedor e indicação do valor da dívida, vale por sua literalidade e autonomia que concedem ao credor verdadeira presunção legal de liquidez, certeza e exigibilidade, cabendo ao embargante comprovar satisfatoriamente a ilegalidade de sua causa. (2) Reconhece-se como válido, perante terceiro de boa-fé, o cheque assinado por preposto que, habitualmente, no exercício de poderes de administração na empresa, assinou a cambial sem argüir sua falta de poderes específicos para o ato, ante a necessidade de se reconhecer a eficácia de situações aparentes que se apresentam como verdadeiras, em atendimento ao princípio geral de proteção à boa-fé e à estabilidade das relações jurídico-comerciais.

            No corpo do acórdão, lê-se: “a sentença não merece reforma. Primeiro, porque os cheques estão formalmente perfeitos. Segundo, porque quem os emitiu, era ainda, de fato, representante da empresa, diante da prorrogação tácita dos poderes que lhe foram confiados. Tanto é que nenhum procedimento foi adotado perante a instituição bancária, especialmente a sustação dos cheques ou qualquer outro expediente nesse sentido. E, terceiro, porque, mesmo que não se vislumbre, para fins de raciocínio, as duas primeiras hipóteses, deve-se aplicar a intitulada Teoria da Aparência, pois que perante terceiros, notadamente o apelado, o mandatário da apelante possuía poderes para agir em nome da empresa, realizando transações comerciais e efetuando pagamentos em nome dela. Aliás, pelo que consta dos autos, nas relações comerciais com o exeqüente e com terceiros, o funcionário da executada/apelante sempre se apresentou ostensivamente com poderes para administração financeira e movimentação de contas. Por outro lado, nada obstante existir o citado instrumento de mandato, com data de validade, verifica-se que o então administrador continuou a exercer várias atividades em nome da empresa apelante, agindo normalmente como seu mandatário, como sempre foi ao longo de 20 anos, demonstrando a delegação tácita dos poderes representativos que lhe eram conferidos, como bem definiu o nobre sentenciante. Mesmo que se pudesse admitir, por força do argumento, a inexistência da representação fundada no instrumento de mandato, aplicar-se-ia, mercê das atividades e dos atos praticados, conscientemente, o princípio da aparência do direito (ou Teoria da Aparência). Há sempre que se observar a tendência do direito moderno de reconhecer a eficácia de situações aparentes, tendo em vista o princípio geral de proteção à boa-fé e a necessidade de se assegurar a estabilidade das relações jurídico-comerciais."

            Por meio do Recurso Especial 772.687/MG (DJU de 14.nov.05, p. 323), a questão foi submetida à Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça, mantendo-se o entendimento das instâncias ordinárias: “(1) Negócio jurídico praticado por ex-mandatário tem plena eficácia para o terceiro de boa-fé, que desconhecia a extinção do mandato. (2) A revogação, em essência ou ontologicamente, não difere da extinção do mandato pelo término do prazo, pois ambas colocam termo final no mandato.” O relator, Ministro Humberto Gomes de Barros, afirmou em seu voto que, “no caso, é fato incontroverso que os cheques foram sacados após o encerramento da validade da procuração outorgada”, mas “o Tribunal de origem fixou a premissa de que, mesmo após o término do prazo do mandato, o ex-mandatário continuou a ostentar representação da recorrente realizando transações comerciais e efetuando pagamentos em nome dela. Ocorreu, portanto, uma espécie de negócio jurídico putativo. O vendedor (recebedor do cheque), em seu íntimo, acreditava negociar com procurador de suposta mandante, ora recorrente. O negócio jurídico praticado por ex-mandatário é plenamente eficaz para o terceiro de boa-fé, que desconhecia a extinção do mandato. O ex-procurador responderá, por eventual prejuízo, perante o mandante em ação própria. Essa é a indicação do artigo 686 do Novo Código Civil, ao tratar da revogação do mandato. [...] Ora, ubi eadem ratio, ibi eadem legis dispositio, ou, no vernáculo: onde existe a mesma razão fundamental, prevalece a mesma regra de Direito. A revogação, em essência ou ontologicamente, não difere da extinção do mandato pelo término do prazo, pois ambas são causas de extinção do mandato. Sem a comunicação, os terceiros de boa-fé dificilmente tomarão conhecimento do encerramento do mandato, inda mais, no caso, em que o ex-mandatário trabalhou para a empresa-recorrente durante mais de 20 anos e continuava a realizar transações em nome dela. A publicidade é necessária para preservação da estabilidade e segurança dos negócios jurídicos".

(*) Gladston Mamede, colunista-titular do Portal Brasil, é bacharel e doutor em Direito pela UFMG, Diretor do Instituto Jurídico Pandectas, autor da coleção
"Direito Empresarial Brasileiro" e do "Manual de Direito Empresarial" (Editora Atlas) - E-mail:
[email protected].

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