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D I R E I T O    &    D E F E S A    D O    C O N S U M I D O R
01 / FEVEREIRO / 2007

O ABORTO DE GABRIELA E A SÚMULA VINCULANTE
Por Gladston Mamede (*) 

           Gabriela mora em Teresópolis (RJ) e ficou grávida. Em exames, descobriu que o feto sofria de má-formação cerebral (anencefalia) incompatível com a vida. Pela defensoria pública, pediu ao Judiciário autorização para interromper a gestação. O Juiz de Teresópolis negou-lhe o pedido, por falta de previsão legal. Com a apelação, o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro reformou a sentença, permitindo o aborto. Eis que um padre de Anápolis (GO), sabendo da história, impetrou habeas-corpus no Superior Tribunal de Justiça (STJ), para garantir ao feto o direito de nascer. A ministra Laurita Vaz concedeu-lhe a liminar, suspendendo a autorização em novembro de 2003; mas pediu diligências, pouco antes das férias forenses, e somente em 18 de fevereiro do ano seguinte, veio a decisão, obrigando Gabriela a manter a gravidez: “a eventual ocorrência de abortamento fora das hipóteses previstas no Código Penal acarreta a aplicação de pena corpórea máxima, irreparável.” Uma diretora do Instituto de Bioética, Direito Humanos e Gênero impetrou novo habeas corpus, esse junto ao Supremo Tribunal Federal (STF), alegando a coação da liberdade da gestante por proibição de antecipação do parto. Tarde demais: no dia 28 de fevereiro de 2004, Gabriela deu à luz a uma menina que sobreviveu sete minutos, falecendo, como esperado.

            Sobre a conveniência ou não do aborto no caso, não falarei. Como certa vez disse um juiz, “não meterei minha tosca piroga em águas caudalosas onde soçobram mesmo as grandes embarcações.” Falarei sobre a demonstração clara de que o Judiciário tornou-se uma terra de ninguém, na qual o cidadão nunca encontra certezas, apenas dúvidas. Basta lembrar que o Tribunal de Alçada de Minas Gerais, em março de 1999, deferiu o pedido para interrupção antecipada da gravidez em caso semelhante (AC 275.864-9), como já o fizera em junho de 1996 (AC 219.008-9), afirmando que os fins sociais tornavam incabível uma interpretação restritiva da lei penal. E então? O que vale?

            O Ministro Joaquim Barbosa, do STF, fez questão de se pronunciar sobre o caso de Gabriela (HC 84.025), lamentando que “uma violência dessa natureza tenha sido cometida por força de uma decisão judicial. [...] O Tribunal, por força de procedimentos postergatórios típicos da prática jurisdicional brasileira, perdeu a grande oportunidade de examinar uma questão de profundo impacto na sociedade brasileira”. O Ministro Celso de Mello também se pronunciou, lamentando “que o desfecho trágico, porém previsível, do drama que envolveu uma jovem gestante, tenha impedido que esta pudesse, com o amparo do Poder Judiciário, superar um estado de insuportável pressão psicológica e de desnecessário sofrimento resultante do conhecimento de trazer em seu ventre alguém destituído de qualquer viabilidade, sem possibilidade de sobrevivência após o parto. [...] Suscitou-se, nesse julgamento uma questão impregnada de graves implicações éticas, filosóficas e jurídicas, motivadas pelo conflito dramático entre situações e valores que devem merecer agora, e em outra oportunidade, profunda reflexão por parte dos juízes dessa Suprema Corte”.

            A bem da verdade, o Judiciário brasileiro perdeu o tempo da história e não se mostra capaz de oferecer segurança jurídica à sociedade, pois proliferam decisões contraditórias e fora de tempo. Não é uma questão de maus juízes, mas de uma má estrutura: as relações jurídicas massificaram-se nas últimas décadas, mas o Judiciário se organiza como se ainda estivéssemos nos anos 50. Quando se fala em súmula vinculante, fala-se nisso: no direito do brasileiro saber o que é certo e o que é errado, na velocidade que é necessária para as decisões neste tempo. É uma garantia de previsibilidade, uma resposta uniforme à pergunta: “- O que devo fazer?” Atualmente, a resposta seria “ - Depende. Se cair na Terceira Câmara isso; se cair na Quinta, aquilo. E se cair na Décima, nem Deus sabe!” Estamos submetidos ao que “dá na telha do juiz” de cada processo, e os telhados, creiam-me, são muito originalíssimos.

            Pior do que isso: com a adoção da súmula vinculante, milhares de processos idênticos, sustentados principalmente pelo Governo Federal e pelos Governos Estaduais, fugindo à aplicação da Constituição Federal, serão encerrados, encerrando uma desrespeitosa embromação pública. São casos como a correção dos empréstimos habitacionais em 1990. Para se ter uma idéia, dos 109 mil processos que chegaram ao Supremo Tribunal Federal em 2003, 99 mil eram mera repetições. Tempo perdido, em suma. Isso precisa mudar.

(*) Gladston Mamede, colunista-titular do Portal Brasil, é bacharel e doutor em Direito pela UFMG, Diretor do Instituto Jurídico Pandectas, autor da coleção
"Direito Empresarial Brasileiro" e do "Manual de Direito Empresarial" (Editora Atlas) - E-mail:
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