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D I R E I T O    &    D E F E S A    D O    C O N S U M I D O R
16 / NOVEMBRO / 2007

CORNOS E NEGÓCIOS
Por Gladston Mamede (*)
 

            A Polícia Militar de São Paulo prendeu, em flagrante, um estampador de 31 anos, pelo crime de extorsão. Ele estava chantageando um comerciante de 35 anos, exigindo o pagamento de R$ 2.000,00. Por quê? O estampador descobriu que comerciante estava tendo um caso com a esposa dele, estampador, e ameaçou contar à esposa do comerciante, caso esse não pagasse a quantia pedida. Agora, vem o melhor da história: como essa história toda chegou ao conhecimento da polícia? Justamente ela, a esposa do comerciante que, como o estampador, saiu de chifres do evento. Quando o marido lhe contou das ameaças que sofria, ela não teve dúvidas: chamou a polícia para evitar um prejuízo dúplice: os cornos e o dinheiro. No fim da novela, o estampador se lascou por completo: (1) a esposa lhe deixou em meio ao escândalo, pondo fim ao casamento que, por certo, já não devia andar às mil maravilhas; (2) não recebeu o dinheiro que queria; (3) mantém os cornos, como provavelmente não queria; e (4) responde a processo crime, podendo ser condenado a reclusão de 4 a 10 anos e multa, de acordo com o artigo 158 do Código Penal.

             Já estamos longe – e isso é muito bom – do tempo em que assuntos desse tipo se resolviam com sangue, pretensamente usado para lavar a honra, o que é uma grande besteira. Assassinos não são pessoas honradas; não há honra alguma no ato indigno; e matar é ato dessa qualidade ruim. É manifestação de prepotência, de afirmação nefasta dos próprios sentimentos e razões, ao ponto de negar por completo o outro, que se torna mero objeto da boçalidade alheia. Para esse passo, a paixão contribui fortemente, mas não é o fator decisivo. De qualquer sorte, mesmo que eu não duvide que quem está apaixonado mata, tenho a convicção que, ainda assim, deve ir para a cadeia, pois é um homicida.

            Mas o estampador é pessoa de outra natureza. Se, por um lado, não viu nos próprios chifres um motivo bastante para eliminar a vida da esposa e de seu amante, por outro lado, manifesta uma curiosa capacidade de se aproveitar da situação adversa e constrangedora – e a traição por certo traz tais marcas – para ali reconhecer uma oportunidade de lucro, uma chance para conseguir um dinheiro extra. Isso, sim, é a demonstração das qualidades mercantis do povo brasileiro. É razoável esperar que a descoberta das gazetas da esposa transtorne a vida do marido. Mas só um autêntico homem de negócios vê nisso uma oportunidade de ganhos. O problema é que o “empreendimento” em questão é definido pela lei como um crime: constranger alguém a entregar dinheiro, usando de ameaça grave para, assim, obter uma vantagem indevida para si ou para outra pessoa. A chantagem, portanto, caracteriza extorsão e dá cadeia. Os exemplos são muitos. Há um tempo atrás, um consumidor, que descobriu um preservativo usado dentro de uma garrafa de cerveja, fez ameaças à empresa produtora. Exigia dinheiro para não divulgar o fato à imprensa; isso também caracteriza uma “ameaça grave” e, assim, o crime de extorsão. Foi preso em flagrante, numa operação montada pela polícia, quando estava por receber o dinheiro que exigira. E a história sequer veio à tona, já que a polícia, quando quer, é discreta.

            A outra figura excepcional nessa história é a da esposa do comerciante que, igualmente, revela uma capacidade excepcional de dar aos fatos, mesmo constrangedores, uma invejável apreciação de cunho prático. O marido a traíra e confessara que o fizera; não me parece que por arrependimento, mas por desespero diante de tudo o que se passava. Todavia, pensou ela, perder dinheiro com isso seria assumir um prejuízo duplo, o que nenhum homem – nem mulher – de negócios pode admitir. Ficou com o marido e com o dinheiro, demonstrando um pragmatismo incrível que muitos executivos bem pagos não revelam, e que, nos momentos certos, poderia ter livrado grandes corporações da falência. Talvez tenha chorado, talvez tenha dado umas pancadas femininas no marido ou lhe dito umas poucas e boas. Mas manteve a família e o patrimônio, como só uma verdadeira matriarca sabe fazer.

            Restam o comerciante e sua amante, a ex-esposa do estampador. Ela se foi; o casamento que por certo já estava arruinado antes dos fatos, tornou-se insuportável depois de tudo isso. E ele, o comerciante, conserva o “mel no umbigo” e a boa sorte: abraça a família que conservou junto com seu dinheiro, e guarda as memórias de uma aventura que, no frigir dos ovos, acabou bem. Graças a Deus.

(*) Gladston Mamede, colunista-titular do Portal Brasil, é bacharel e doutor em Direito pela UFMG, Diretor do Instituto Jurídico Pandectas, autor da coleção
"Direito Empresarial Brasileiro" e do "Manual de Direito Empresarial" (Editora Atlas) - E-mail:
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