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ATUALIZAÇÕES QUINZENAIS


TÚLIO SOUSA BORGES, Colunista de cinema do Portal Brasil - www.portalbrasil.net

O CORAÇÃO DAS TREVAS           

Um dos grandes cineastas ainda vivos, Herzog mergulha na selva da Louisiana.

            Segundo W. H. Auden, escrever sobre livros ruins seria não apenas uma perda de tempo, mas também prejudicial ao caráter do crítico. Pobres de nós, que escrevemos sobre cinema.

           Muito do que tenho visto na grande tela consegue me exasperar. Em pouco menos de um mês, testemunhei as (muitas) profanações cometidas por Lars von Trier em Anticristo, a confirmação, no nada revolucionário Avatar,  de que o cinema-espetáculo fica cada vez mais parecido com um estúpido videogame, bem como a transformação de Sherlock Holmes em um herói de quadrinhos. Difícil não se converter ao pessimismo.

            Para muita gente, a morte de Eric Rohmer nessa semana seria mais um sinal de que as coisas vão realmente de mal a pior. A leitora de um blog que acompanho escreveu sobre a “[extinção] da ‘linhagem’ dos grandes diretores”. Segundo ela, “só sobrou Clint Eastwood e olhe lá.”

            Falta discernimento ao comentário. Em primeiro lugar, mais do que lamentar a morte do cineasta francês, deveríamos aproveitar o momento para meditar sobre suas realizações. Rohmer teve uma vida relativamente longa – não foi Keats, nem Shelley – e bastante fecunda. Todos morrem; poucos fazem filmes; e ainda mais raros são aqueles que conseguem fazer bons filmes.

            Mais importante, porém, é reconhecer que apesar disso, ainda existem grandes cineastas em atividade (alguns inclusive superiores a Rohmer) e que Clint Eastwood, apesar de alguns méritos, não está entre eles. Podemos citar os poloneses Andrzej Wajda,  Krzysztof Zanussi, e Roman Polanski; o centenário português Manoel de Oliveira; o iraniano Abbas Kiarostami; além, é claro, do russo Aleksandr Sokúrov – possivelmente o grande artista de nossa época, como escrevi na última coluna. 

*

            Outro grande diretor que segue trabalhando é Werner Herzog, um gigante do cinema moderno. Nada como um estrangeiro para revitalizar o cinema americano. E quem melhor do que um alemão excêntrico, que chegou a comer o próprio sapato na frente das câmeras como parte de uma aposta perdida?

            O auge de Herzog ocorreu nos anos 70 e 80, quando dirigiu Klaus Kinski – outro insano e pai de Nastassja Kinski – em ótimos filmes alemães, como Aguirre, a cólera dos deuses (1972), Nosferatu (1979), Woyzeck (1979), Fitzcarraldo (1982) e Cobra Verde (1987).

            Pouca gente sabe, no entanto, que os filmes recentes do diretor são tão bons quanto esses célebres predecessores. Na verdade, Herzog dirigiu nesses últimos anos alguns dos melhores filmes da última década, a começar por documentários extremamente engenhosos – como O Homem urso (2005). Também assinou o excelente drama de guerra O Sobrevivente (Rescue Dawn, 2006), estrelado por um brilhante Christian Bale, que merecia o Oscar por sua intensa atuação, mas nem sequer indicado foi.

            Também brilhante é o novo filme de Herzog, The Bad Lieutenant: Port of Call – New Orleans (2009), que acaba de estrear no Brasil com um péssimo título: Vício Frenético. O tenente mau do título original é um policial corrupto, viciado em drogas e apostas, soberbamente interpretado por Nicholas Cage. Embora resgate algo de seu semelhante papel em Olhos de serpente (1998), filme de Brian De Palma, o ator tem aqui possivelmente o melhor desempenho de sua carreira.

            Ainda que a produção se inspire em Bad Lieutenant, suspense que Abel Ferrara dirigiu em 1992, pouco tem que ver com esse ancestral. Para início de conversa, o filme de Herzog não se passa em New York, mas em New Orleans, o que é muito importante.

            Como tive oportunidade de comentar em uma coluna anterior – que tratava de  Às margens de um crime, a Louisiana – pós-Katrina nesses dois últimos filmes – sempre constituiu um ótimo palco para o cinema noir (poderíamos até falar em um subgênero, Lousiana noir). Trata-se, afinal de contas, de um estado pitoresco, comprado da França em 1803, e freqüentemente associado à corrupção. Seus códigos de conduta são tão peculiares quanto as ruas de sua capital. Cunhou-se inclusive o termo “the Big Easy” – título de um neo-noir da década de 80 – para descrever a ética local, comparável, em alguns casos, ao famoso “jeitinho brasileiro”.

            Não podemos nos esquecer, aliás, de que New Orleans situa-se no meio de um pântano. Um prato cheio para Herzog, que sempre adorou mergulhar em florestas tropicais a fim de mostrar a natureza humana no limite. The Bad Lieutenant é uma magnífica comédia expressionista, filmada quase como um delírio. Surpreende a todo instante; e com sua galeria de tipos esquisitos, ainda consegue retomar uma formidável tradição literária americana, o Southern Grotesque.

            New Orleans é um lugar perigoso. Sua fauna inclui mais do que mafiosos, alcoólatras e prostitutas, como fica claro numa das melhores cenas do filme, na qual policiais de trânsito examinam um bizarro acidente: automóvel capotou depois de atropelar um imenso jacaré que atravessava a pista. Nessa e em outras inventivas cenas (uma delas inclui iguanas cantantes), Herzog mostra-nos que a selva está sempre à espreita. E que no processo de conquistar a selva, a civilização acaba sendo por ela conquistada.      

Por Túlio Sousa Borges, [email protected].

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