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D I R E I T O    &    D E F E S A    D O    C O N S U M I D O R
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O vício oculto no CDC e o critério da vida útil do produto
Por Dr. Lucas Zabulon (*)
 

No dia a dia de uma sociedade de consumo, as situações que envolvem vícios dos produtos são bastante frequentes e acabam por gerar conflitos entre os fornecedores dos bens e o público consumidor em geral.

Os produtos colocados em circulação, obviamente, devem adequar-se às suas finalidades próprias, sob pena de configuração de lesão ao consumidor. Em que pese a obviedade desta afirmação, nem todos os produtos comercializados acabam por cumprir sua finalidade com a qualidade que é esperada. Afinal, a produção industrial em larga escala não pode assegurar uma eficiência total de todos os produtos que saem de suas linhas de montagem.  Mas com a comercialização do produto produzido, a qualidade do mesmo deve ser garantida por seu fornecedor, nos limites designados pela lei.

Conforme o Código de Defesa do Consumidor, em seu artigo 18, os vícios juridicamente relevantes são aqueles que “os tornem impróprios ou inadequados ao consumo”, bem como “aqueles decorrentes da disparidade com as indicações constantes da oferta ou mensagem publicitária”.

Todo produto vendido deverá cumprir a promessa feita pelo fornecedor e que convenceu o consumidor, dentre as várias opções disponíveis no mercado. Vício juridicamente relevante é, portanto, aquele defeito que implica na inadequação de seu uso, bem como aquela disparidade entre o oferecido e o efetivamente fornecido. Ou seja, o ar condicionado adquirido deve gelar conforme as especificações e na potência prometida, o veículo não pode apresentar um desgaste excessivo de suas peças e o computador pessoal deve permitir o acesso à internet e todas as outras funcionalidades anunciadas [1]. Caso o uso do produto não atenda a esta expectativa, há defeito significativo e relevante.

Os vícios podem ser categorizados em dois grupos distintos: os vícios de fácil constatação (aparentes) e os vícios ocultos. Esta distinção implica em um tratamento legal distinto.

O vício aparente ou de fácil constatação é aquele cuja identificação pode ser realizada de forma imediata, levando-se em consideração a complexidade do produto, das circunstâncias e o nível de conhecimento técnico do consumidor. O bem, desde sua entrega efetiva, já apresenta um defeito, impropriedade ou desacordo com as funcionalidades ofertadas, cuja verificação é de visualização imediata. É um televisor que não liga, ou um vaso de flores que foi entregue trincado.

Já o vício oculto é aquele cuja identificação não poderia ocorrer no momento de sua aquisição, mas apenas no decorrer de seu uso. A aparência inicial do produto pode ser de perfeitas condições. Contudo, este estado inicial se altera com a continuidade do consumo, a ponto de restar configurado um vício relevante.

Suponha que um consumidor tenha adquirido um telefone celular. Desde o momento de sua aquisição, o mesmo tem sido utilizado normalmente. Contudo, após 30 dias de uso, o mesmo apresentou problemas em seu visor, que se apresenta esfumaçado e praticamente impossibilita a visão das informações inerentes ao uso do aparelho, como os números discados ou a leitura de mensagens de texto.

De início, o aparelho celular não apresentava defeitos. Contudo, durante seu uso, um componente mostrou-se defeituoso e resultou na impropriedade do aparelho para a finalidade precípua a que se destinava. Após a constatação do defeito, o consumidor terá até 90 dias para reivindicar seus direitos, ou seja, 120 dias após a compra. Estamos diante, neste exemplo, de um vício oculto. 

A diferença primordial estabelecida em lei entre o vício aparente e o vício oculto reside no início de contagem do prazo decadencial. Enquanto o vício de fácil constatação se submete aos prazos decadenciais de 30 e 90 dias (produtos não duráveis e duráveis, respectivamente), contados da entrega efetiva dos mesmos, a decadência dos vícios ocultos só se inicia no momento em que o defeito resta evidenciado, conforme determinado nos artigos 26 e 27 do Código de Defesa do Consumidor.

Portanto, o início do prazo para que o consumidor reivindique seu direito de reparação frente a um vício, ou seja, reclame uma solução jurídica para seu problema, vai ser diverso conforme a natureza do vício que atinge o produto: se aparente ou oculto.

Definido o prazo inicial de decadência para se buscar direitos diante de um vício oculto, resta responder a uma pergunta espinhosa. Diante da dicção legal, a qualquer tempo poderá o consumidor reivindicar seus direitos diante do surgimento de um defeito, caracterizando-o como um vício oculto?

Em que pese ser objeto de uma proteção legal especial, o consumidor deve exercer seus direitos de modo razoável. Afinal, uma interpretação equívoca da lei poderia impor ao fornecedor de produtos o ônus de arcar com uma garantia praticamente eterna: bastaria o bem apresentar um defeito a qualquer tempo para o consumidor invocar a responsabilidade do fornecedor no prazo de 90 dias pela ocorrência de um vício oculto.

A solução encontrada na jurisprudência foi a adoção do “critério da vida útil”. Este critério delimita o prazo máximo para a caracterização de um vício oculto como o período de uso do bem, verificável casuisticamente, ou seja, em cada caso concreto. Afinal, todo produto possui uma durabilidade determinada, conhecida como a “vida útil”.

Esta durabilidade será a informação mais importante para a apreciação da delimitação da garantia em casos de vício oculto. Se surgir um defeito após transcurso de um prazo de uso superior à durabilidade esperada de determinado produto, não haverá que se falar em garantia em virtude de vício oculto.

Voltando ao exemplo anterior do telefone celular, imaginemos que surgisse o mesmo defeito em sua tela, só que apenas após 5 anos de uso. Ora, é de se supor que um aparelho de uso diário e contínuo apresente um prazo de duração razoável, mas que dificilmente será de 5 anos. Diferentemente do primeiro caso em que o defeito surgiu após 30 dias, não haverá que se assegurar ao consumidor os efeitos da garantia do produto.

Nesse sentido, já se manifestaram o Superior Tribunal de Justiça na ocasião de julgamento do Recurso Especial nº 1123004/DF e o TJDFT, dentro outros julgados, na Apelação Cível nº 20110710241597.

Destaque-se que o critério adotado, ao privilegiar o caso concreto, é muito mais adequado à proteção do Consumidor. Afinal, os diversos produtos possuem vidas úteis igualmente diversas, de modo que o estabelecimento de um prazo único para todos os casos traduzir-se-ia em injustiça. Neste sentido, o Dr. Leonardo Bessa assevera que o critério confere coerência ao ordenamento jurídico, prestigiando a defesa do consumidor, ao mesmo tempo em que assegura o princípio da isonomia, ao determinar critérios delimitadores da responsabilidade do fornecedor de produtos [2].

Ao verificar um defeito no produto surgido durante o uso e antes do término do prazo de duração estimado, deve o consumidor entrar em contato imediatamente com qualquer fornecedor do produto a fim de reivindicar quaisquer das três soluções jurídicas apresentadas pelo artigo 18 do CDC, quais sejam: a substituição do produto por outro de mesma espécie; a restituição da quantia paga ou o abatimento proporcional do preço.

Lembramos que apesar de recair sobre o fornecedor o ônus da prova em virtude da incidência do artigo 6, inciso VIII do CDC, o consumidor deve se cercar de todos os meios possíveis para comprovar suas alegações. Uma boa estratégia é sempre documentar todas as tentativas de contato feitas com os responsáveis pelo produto, sempre se fazendo expressa menção às datas em que o defeito foi identificado pelo consumidor, bem como a data em que o fornecedor tomou conhecimento da queixa. Para tanto, servem notificações enviadas por correspondência marcada com aviso de recebimento, protocolos telefônicos que registrem as reclamações bem como protocolos de entrega do bem para averiguação do defeito.

Por tudo, diante da comercialização de produtos produzidos em larga escala, é natural a existência de defeitos, sejam aparentes ou ocultos, que os tornem impróprios ou inadequados ao consumo, ou mesmo se apresentem em disparidade com as indicações constantes em oferta publicitária. É dever do fornecedor, dentro do prazo legal, garantir a qualidade do produto fornecido.

No caso do vício oculto, o consumidor poderá reivindicar uma solução legal no prazo de 30 ou 90 dias, contados da constatação do defeito e na da entrega efetiva do mesmo. Este prazo em que a garantia encontra-se assegurada está delimitado pelo critério da vida útil de cada bem, a ser verificado casuisticamente.

Ao verificar o defeito, deve o consumidor buscar imediatamente o fornecedor, sempre fazendo prova, preferencialmente documental, de todos os contatos realizados. Em caso de eventual contenda judicial, estes documentos serão provas que certamente ajudarão em busca do sucesso.

Consumidores, o direito não socorre a quem dorme. Busquem seus direitos!


[1] Benjamin, Antônio Herman V. Manual de direito do consumidor. Antônio Herman V. Benjamin, Claudia Lima Marques, Leonardo Roscoe Bessa; apresentação Claudia Lima Marques. São Paulo: Editora: Revista dos Tribunais, 2007, p. 140.

[2] Benjamin, Antônio Herman V. Manual de direito do consumidor. Antônio Herman V. Benjamin, Claudia Lima Marques, Leonardo Roscoe Bessa; apresentação Claudia Lima Marques. São Paulo: Editora: Revista dos Tribunais, 2007, p. 162.

(*) O Dr. Lucas Zabulon é Advogado militante com atuação nas áreas do direito civil, Consumidor, Constitucional e Contratos.
É pós graduado em Direito Constitucional pelo Instituto de Direito Publico - IDP. Contato: zabulonescritó[email protected]. www.zabulonadvocacia.jur.adv.br.

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