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D I R E I T O    &    D E F E S A    D O    C O N S U M I D O R
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Dr. Rodrigo Pucci - colunista do Portal BrasilRelação de consumo entre fumante e fabricante de cigarro: Análise do livre arbítrio do consumidor

Por Dr. Rodrigo Perez Pucci (*)

O consumidor ao fumar o cigarro está inalando aproximadamente 4.700 substâncias tóxicas ao seu organismo. O cigarro é dividido em duas fases fundamentais: uma fase gasosa e outra particulada. O monóxido de carbono, amônia, cetona, formaldeído, acetaldeído, acroleína, entre outros compõem a fase gasosa, a fase particulada contém alcatrão e nicotina [1] esta última ocasiona a dependência físico-química do tabagista, vale mencionar que a nicotina também pode ser encontrada na fase gasosa.

Nos glóbulos vermelhos, presentes no corpo humano, encontra-se a hemoglobina. Esta transporta oxigênio para todos os órgãos do corpo. O monóxido de carbono tem afinidade com a hemoglobina, esta ligação de monóxido de carbono com a hemoglobina origina o composto caracterizado como carboxihemoglobina, que acarreta na dificuldade de oxigenação do sangue, causando a privação de oxigênio em alguns órgãos [2], ensejando em malefícios à saúde, tais como enfermidades coronárias, aumento das taxas de lipídio e colesterol, responsáveis pelas doenças cardiovasculares, enfermidades respiratórias, entre outras [3].

Outrossim, das substâncias acima mencionadas, colacionadas não de forma exaustiva, pois seria impossível analisar mais de 4.700 substâncias que fazem parte do cigarro, são encontrados no cigarro conforme ressalta Lúcio Delfino [4]substâncias como amônia, benzeno, acetona (solvente), formol, propilenoglicol, acetato de chumbo, methoprene, naftalina, fósforo, terebentina, xileno, butano e muitos outros gases tóxicos e partículas em suspensão

As fabricantes de cigarro adotam, como argumento de defesa, o qual é fortemente validado pela jurisprudência [5], a ideia do livre-arbítrio do fumante. O ato de fumar representa um hábito, que se realiza incondicionalmente por uma opção aberta do próprio fumante [6]. Os danos acarretados aos que adotaram esta faculdade, jamais podem ser direcionados às fabricantes e sim, de forma exclusiva, ao fumante consumidor. Este raciocínio leva a excludente de responsabilidade pautada na culpa exclusiva do consumidor.

A questão do livre-arbítrio deve ser analisada sob dois prismas, conforme menciona Lúcio Delfino [7], “Inicialmente, é de se indagar se o consumidor, decidindo-se por iniciar a prática do tabagismo, realmente age livremente, sem qualquer interferência. Para dar fecho à reflexão, mister examinar se, ao tabagista, bastaria a sua livre manifestação de vontade para abdicar de fumar”.

Pode-se falar em livre-arbítrio, quando uma pessoa exerce sua própria vontade, sem qualquer interferência, condição ou situação externa, nesse sentido ressalta Antônio Houaiss [8] que denota a ideia de livre-arbítrio a “possibilidade de decidir, escolher em função da própria vontade, isenta de qualquer condicionamento, motivo ou causa determinante”. 

Sempre que se pretender alicerçar um ponto de vista com base no livre-arbítrio, será absolutamente necessário exercitar o raciocínio, visando investigar possíveis inferências externas motivadoras de um agir específico. A vontade humana não apresenta cunho invariável ou inatingível, podendo ser conduzida e transformada por estímulos externos, advindos de uma realidade obtida pela experiência vivenciada no mundo sensível. Presentes tais inferências obviamente que a liberdade de ação restará comprometida já que o agente atuou, não por sua própria vontade, mas motivado - instigado por uma força exterior condicionante de agir. [9]

As decisões de iniciar o fumo, como também de cessá-lo, não são puras e livres de condicionamentos ou interferências em face dos fumantes. Isso porque durante muito tempo, e ainda nos tempos correntes, as fabricantes adotaram e adotam uma estratégia mercadológica de marketing pautada nas omissões de informações das características, composição, males, entre outros do cigarro. Preferiram omitir tais informações e afirmaram que o produto cigarro não possuía defeitos, não viciava e não acarretava aos seus consumidores verdadeiros momentos de satisfação, bem estar social, sucesso profissional e até mesmo saúde. Esse contexto levou, no lapso temporal dos anos 50 a 90, muitas pessoas a interpretarem o consumo do cigarro como fator positivo, pois a atmosfera estabelecida pelos fabricantes era precisamente positiva.

 Sobre este aspecto narra com precisão Lúcio Delfino [10] a indústria do fumo, astuciosamente, estabeleceu uma aura positiva em torno do tabagismo, de modo que o consumo de cigarros acabou sendo aceito socialmente, visto, por muitos, como símbolo de status, riqueza, sucesso profissional, requinte e, até mesmo, saúde.”

O cenário armado pelas fabricantes consubstanciou na explosiva demanda pelo produto, pois os consumidores deste produto são leigos acerca das verdadeiras informações do mesmo; nessa linha observa Cláudia Lima Marques [11]... não somente as empresas (do tabaco) desinformaram voluntariamente seus milhares de consumidores, como enviaram mensagens que – para estes leigos – eram aceitáveis e acreditáveis.”

O raciocínio de que iniciar e cessar o vício do fumo é questão de mero livre arbítrio do fumante poderia ser exposto, caso o fumante consumidor possuísse todo um rol de informações necessárias a possibilitar-lhe uma opção consciente, podendo, nesse aspecto em especifico, ser colocada a tese da culpa exclusiva da vítima.

A normatização do Código de Defesa do Consumidor passa despercebida pelas fabricantes, os artigos, entre outros, 31 e 37, parágrafo primeiro, [12] são lesados perceptivelmente. Portanto, o elemento externo que condiciona e influência a escolha do fumante no ato de começar a fumar pode ser colocada como a omissão de informações correspondentes ao cigarro e às publicidades perpetradas de forma enganosa, levando aqueles que consomem o cigarro em verdadeiro erro.

Todavia, não são somente estes fatores que afetam o livre arbítrio do fumante, pois existe um condicionamento interno que impede o fumante de largar o cigarro, e, essa condição está ligada a uma substância que compõe o cigarro, que já foi ventilada anteriormente, tal substância diz respeito à nicotina.

Conforme já foi dito, a nicotina é a responsável pelo desencadeamento da dependência químico-física do tabagista. Quanto maior o consumo de tabaco maior é a nicotina-dependência, porque esta provoca a compulsão de fumar [13]As fabricantes colocam como defesa que a cessação da atividade de fumar é um fato que depende única e exclusivamente do usuário. Tal defesa implica no entendimento de que o fumante teria plena condição de abdicar do cigarro, quando este bem entendesse. No entanto essa ideia demonstra o desconhecimento científico acerca do tema, pois existem inúmeros estudos desenvolvidos que vão na contramão da tese das fabricantes.

O tabagismo é classificado como síndrome do tabaco – dependência, conforme Classificação Internacional de Doenças (CID) [14]. Sendo a dependência realizada pela nicotina a tese das fabricantes não prospera pois o fumante não consegue, por mera vontade, abdicar do cigarro; tanto é que, na maioria das vezes, o mesmo tem que recorrer a tratamentos clínicos e terapias [15], pois do mesmo modo que um hipertenso necessita adotar novos hábitos, sem abrir mão do auxílio de remédios, os fumantes também necessitam de ajuda, não bastando apenas sua força de vontade para que pare de fumar. [16]

Se tal substância não fizesse parte da composição do produto em voga, o seu consumo seria considerado um hábito, podendo dessa forma ser abandonado sem maiores dificuldades. Os julgados que seguem o rumo da improcedência de pedidos indenizatórios, pleiteados pelos fumantes contra a indústria do fumo, cujo argumento central cinge-se à afirmativa de que a vontade do fumante seria suficiente para que ele abdicasse do consumo de cigarros, apenas evidencia a pouca intimidade com o tema nicotina.


3 DELFINO, Lúcio. Responsabilidade Civil e Tabagismo no Código de Defesa do Consumidor. Belo Horizonte:  Dey Rey, 2002, p.6

4 DELFINO, Lúcio. Responsabilidade Civil e Tabagismo no Código de Defesa do Consumidor. Belo Horizonte:  Dey Rey, 2002, p.7

5 Alguns tribunais aceitam a defesa das fabricantes, conforme alguns trechos de decisões nessa linha: “ Quebra-se o nexo de causalidade, pois o dano não advém diretamente do produto, senão do vício incontrolável do de cujus, que preferiu o prazer a contê-lo e, quiça, desenvolver hábitos mais saudáveis, os quais poderiam obstaculizar ou estancar o desenvolvimento de doenças”. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, Apelação cível nº. 70000144626, Relatora Desembargadora Ana Lúcia Carvalho Pinto Vieira, 9ª Câmara Cível, julgado em 29 de outubro de 2003.  Disponível em www.tjrs.gov.br. Acessado em 07.04.2209 às 18h:43min. “A atividade de fumar é daquelas que tem início e continuidade mediante livre arbítrio do cidadão, não raro na adolescência, não se podendo reconhecer que a atividade de fumar tenha início e se dê tão somente por força de propaganda veiculada pela indústria fabricante de cigarros”.  Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, Apelação cível nº. 700091204290, Relator Desembargador Paulo Antônio Kretzmann, 5ª Turma Cível,  julgado em 17 de dezembro de 2004.  Disponível em www.tjrs.gov.br.

6 DELFINO, Lúcio. O fumante e o livre arbítrio: Um polemico tema envolvendo a responsabilidade civil das indústrias do tabaco. Revista Jurídica. p. 2

7 DELFINO, Lúcio. O fumante e o livre arbítrio: Um polemico tema envolvendo a responsabilidade civil das indústrias do tabaco. Revista Jurídica. p. 2

8 HOUAISS, Antônio. Dicionário eletrônico Houaiss de língua portuguesa: versão 1.0.7, set. 2004, Instituto Antônio Houaiss. Rio de Janeiro: Objetiva, 2004

9 DELFINO, Lúcio. O fumante e o livre arbítrio: Um polêmico tema envolvendo a responsabilidade civil das indústrias do tabaco. Revista Jurídica. p. 2

10 DELFINO, Lúcio. O fumante e o livre arbítrio: Um polêmico tema envolvendo a responsabilidade civil das indústrias do tabaco. Revista Jurídica. p. 5

11 MARQUES, Cláudia Lima. Violação do dever de boa-fé de informar, corretamente, atos negociais omissivos afetando o direito/liberdade de escolha. Nexo causal entre a falha/defeito de informação e defeito de qualidade nos produtos de tabaco e o dano final morte. Responsabilidade do fabricante do produto, direito a ressarcimento dos danos materiais e morais, sejam preventivos, reparatórios ou satisfatórios. Revista dos Tribunais, São Paulo, n.º 835, p. 93-94, 2005

12 Art. 31 A oferta e apresentação de produtos ou serviços devem assegurar informações corretas, claras, precisas, ostensivas e em língua portuguesa sobre suas características, qualidades, quantidade, composição, preço, garantia, prazos de validade e origem, entre outros dados, bem como sobre os riscos que apresentam à saúde e segurança dos consumidores. Art. 37 parágrafo primeiro É enganosa qualquer modalidade de informação ou comunicação de caráter publicitário, inteira ou parcialmente falsa, ou, por qualquer outro modo, mesmo por omissão, capaz de induzir em erro o consumidor a respeito da natureza, características, qualidade, quantidade, propriedade, origem, preço e quaisquer outros dados sobre produto e serviços.

13 ROSEMBERG, José. Nicotina:Droga Universal. Disponível em:<http://www.inca.gov.br/tabagismo/publicacoes/nicotina.pdf> p. 40

14 ROSEMBERG, José. Nicotina:Droga Universal. Disponível em: <http://www.inca.gov.br/tabagismo/publicacoes/nicotina.pdf> p. 40

15 Os medicamentos disponíveis para o tratamento de fumantes podem ser divididos em nicotínicos e não nicotínicos. Os primeiros contêm nicotina, constituindo a chamada terapêutica da reposição da nicotina; existem 7 (sete) formas: a transdêmica, pela aplicação de adesivos; a via oral, com a goma-nicotina de mascar; por inalação; por aerossol; por tabletes; pastilhas; e os pesudo-cigarros, surgidos recentemente. Os medicamentos não nicotínicos são, preferencialmente, os antidepressivos. Entre esses, destaca-se a bupropiona. ROSEMBERG, José. Nicotina:Droga Universal. Disponível em: <http://www.inca.gov.br/tabagismo/publicacoes/nicotina.pdf> p. 100

16 ROSEMBERG, José. Nicotina:Droga Universal. Disponível em: <http://www.inca.gov.br/tabagismo/publicacoes/nicotina.pdf> p. 40.

(*) O Dr. Rodrigo Perez Pucci é Advogado militante que atua nas áreas do direito tributário, direito sancionador e Consumidor, bem como advocacia contenciosa e consultiva.
Graduado em Direito pelo Centro Universitário de Brasília – UNICEUB e pós –graduando em Direito tributário e Finanças Publicas pelo Instituto de Direito Publico - IDP
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Contato: p[email protected].

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