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D I R E I T O    &    D E F E S A    D O    C O N S U M I D O R
0 1  /  J A N E I R O  /  2 0 1 3

 


O corte no fornecimento de energia elétrica e o princípio da dignidade humana
Por Dr. Lucas Zabulon (*)

Uma relação consumerista que possui intrínseca relação com o princípio constitucional da dignidade humana é aquela existente entre o consumidor e a empresa concessionária de energia elétrica.

Além das típicas incidências do Código de Defesa do Consumidor, importante aspecto a ser abordado é a possibilidade do corte no fornecimento do serviço em virtude do inadimplemento por parte do usuário.

Inicialmente, devemos destacar que o serviço fornecido pelas concessionárias de energia elétrica não é um serviço ordinário. Trata-se de um serviço cuja importância deve ser alçada ao patamar das garantias fundamentais do ser humano. Afinal, a energia elétrica pertence a um rol de serviços que são considerados indispensáveis a vida e que cumprem o papel de assegurar a fruição de direitos fundamentais e garantir que o ser humano viva de modo digno.

A lei 8987/95, em seu artigo 6º, dispõe que “toda concessão ou permissão pressupõe a prestação de serviço adequado ao pleno atendimento dos usuários” e que “não se caracteriza como descontinuidade de serviço a sua interrupção em situações de emergência ou após prévio aviso” quando houver o inadimplemento do usuário, considerado o interesse da coletividade.

A interpretação pura e simples da norma acima mencionada poderia levar à conclusão equivocada de que bastaria o inadimplemento e o prévio aviso do consumidor para que fosse autorizado o corte no fornecimento de energia elétrica. Contudo, sendo este um serviço que se presta a assegurar a dignidade humana, a interpretação necessariamente deve ir além.

O entendimento do Superior Tribunal de Justiça era no sentido de que o corte no fornecimento de energia elétrica como meio de obrigar o usuário ao pagamento de tarifa ou multa, “extrapolaria os limites da legalidade” e feriria a cláusula pétrea da dignidade humana. [1]

Portanto, não poderiam as empresas fornecedoras de energia elétrica compelir o usuário ao adimplemento por meio do corte no fornecimento do serviço. Restaria a estas companhias apenas a possibilidade de utilização dos meios ordinários de cobrança para garantir o recebimento das quantias em atraso.

Este entendimento jurisprudencial, em que pese repousar sobre o fortíssimo argumento de ferimento da cláusula pétrea da dignidade humana, sofreu uma reinterpretação ao longo do tempo.

Argumentos como o impacto da inadimplência dos usuários frente ao grande sistema de pagamento e fornecimento de energia foram bastante relevantes. Argumentou-se que o inadimplemento em larga escala causado pela impossibilidade de se cortar o fornecimento de energia atentaria contra o próprio interesse público, na medida em que toda a coletividade restaria prejudicada pelo inadimplemento individual de certos usuários.

Atualmente, a jurisprudência do próprio Superior Tribunal de Justiça é favorável a possibilidade do corte no fornecimento em casos de inadimplemento. Para tanto, é necessário atender-se a dois requisitos: que haja o aviso prévio ao consumidor e que o inadimplemento seja maior do que 90 dias.

O primeiro requisito encontra-se justamente na Lei das Concessões (Lei 8987/05). Já o segundo requisito encontra-se na Resolução de nº 414 da Agência Nacional de Energia Elétrica – ANEEL.

Sobre o tema, importante precedente jurisprudencial é aquele contido no Agravo Regimental no RESP 963.990/SC, que afirma:

"É lícito à concessionária interromper o fornecimento de energia elétrica se, após aviso prévio, o consumidor de energia elétrica permanecer inadimplente no pagamento da respectiva conta" (Lei n.º 8.987/95, art. 6.º, § 3.º, II). [2]

O mais interessante do referido julgado é que o Ministro Relator Luiz Fux, apesar de acompanhar o entendimento majoritário do Tribunal, afirma que, no seu entendimento particular, “o corte do fornecimento de serviços essenciais - água e energia elétrica - como forma de compelir o usuário ao pagamento de tarifa ou multa, extrapola os limites da legalidade e afronta a cláusula pétrea de respeito à dignidade humana, porquanto o cidadão se utiliza dos serviços públicos, posto essenciais para a sua vida”.

Portanto, o Excelentíssimo Ministro Luiz Fux permanece solidário ao entendimento tradicional anterior, de que não se deve admitir o corte de energia como meio de compelir o pagamento de tarifa porquanto esta assegura a cláusula pétrea de respeito à dignidade humana. Deste modo, o entendimento atual de que é possível a suspensão no fornecimento de serviços essenciais é majoritário, mas não se trata de entendimento unânime.

Outro tema sensível é o de corte de energia que afeta os entes públicos. Todos os entes da administração direta e indireta são, em determinado momento, usuários de serviços essenciais, tais como a energia elétrica. Pode ocorrer, ocasionalmente, de um destes entes públicos encontrar-se inadimplente perante as concessionárias de energia elétrica.

Nestas hipóteses, a jurisprudência inicialmente previu que seria possível a suspensão no fornecimento de energia elétrica em razão da inadimplência do “Estado-consumidor”, pois os demais usuários sofreriam com os efeitos da inadimplência do Poder Público, o que poderia ocasionar uma mora continuada e um mau funcionamento do sistema de energia. [3]

Posteriormente, este entendimento tradicional evoluiu, a ponto de atualmente não se admitir a suspensão de energia nas “unidades públicas essenciais”, como hospitais, pronto-socorros, escolas e creches, in verbis:

 1. A suspensão do serviço de energia elétrica, por empresa concessionária, em razão de inadimplemento de unidades públicas essenciais - hospitais; pronto-socorros; escolas; creches; fontes de abastecimento d'água e iluminação pública; e serviços de segurança pública -, como forma de compelir o usuário ao pagamento de tarifa ou multa, despreza o interesse da coletividade. [4]

Este entendimento jurisprudencial consolidou-se com base no princípio da continuidade do serviço público, que em conflito com o disposto no artigo 6º, § 3º, II da Lei nº 8.987/95 deverá prevalecer considerando-se o interesse da coletividade.

No julgamento do Resp 1046236, restou assentado novamente a impossibilidade de se interromper o fornecimento de energia elétrica com relação aos serviços essenciais prestados por determinado Município, sem prejuízo de que a concessionária busque por outros meios necessários, o recebimento das tarifas inadimplidas. [5]

Atualmente, apesar do inegável caráter de essencialidade do fornecimento de determinados serviços, dentre eles a energia elétrica, permite-se o corte no fornecimento dos mesmos em virtude de inadimplemento do consumidor, desde que: a) o inadimplemento seja superior a 90 dias; b) haja notificação prévia. Com relação ao Estado-consumidor, assevera-se que o corte no fornecimento de energia não poderá ocorrer com relação às chamadas “unidades públicas essenciais”, devendo ser assegurados os princípios do interesse público e o da continuidade do serviço público.


[1] AgRg no Ag 478.911/RJ, Rel. Ministro LUIZ FUX, PRIMEIRA TURMA, julgado em 06/05/2003, DJ 19/05/2003, p. 144.

[2] AgRg no REsp 963.990/SC, Rel. Ministro LUIZ FUX, PRIMEIRA TURMA, julgado em 08/04/2008, DJe 12/05/2008.

[3] RESP 619.610/RS, relatoria do Ministro Francisco Falcão.

[4] EREsp 845.982/RJ, Rel. Ministro LUIZ FUX, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 24/06/2009, DJe 03/08/2009.

[5] AgRg no REsp 1046236/PA, Rel. Ministro LUIZ FUX, PRIMEIRA TURMA, julgado em 05/02/2009, DJe 19/02/2009.

(*) O Dr. Lucas Zabulon é Advogado militante com atuação nas áreas do direito civil, Consumidor, Constitucional e Contratos.
É pós graduado em Direito Constitucional pelo Instituto de Direito Publico - IDP. Contato: zabulonescritó[email protected]. www.zabulonadvocacia.jur.adv.br.

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