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Água
na Cabeça
Ministrar
aulas era um desejo recorrente. Não que realizar palestras não amainasse meu
espírito. Mas o coração sentia a necessidade de um contato mais próximo,
estreito e contínuo com a platéia.
Até que surgiu o convite para ocupar uma cadeira numa instituição de ensino
superior. Era a oportunidade de realizar o antigo sonho de unir teoria e prática,
conhecimento acadêmico e vivência profissional.
Ousado, impus uma única condição: “Quero a última aula da sexta-feira à
noite”. O Coordenador julgou insólito o pedido, questionando-me o motivo. A
resposta: “Porque pretendo concorrer com o boteco que vende a refrescante
cerveja, com as cartas do divertido truco e com o cansaço natural que abate a
todos quando a semana se finda. Se minha aula tiver quórum será porque estou
no caminho certo”.
Uma das bases do bom ensino é a disciplina. Não a disciplina autocrática e
coercitiva, mas aquela propositiva e construtivista. Meu problema inicial seria
não apenas conquistar a atenção e assiduidade dos alunos. Era preciso fazê-los
comprar a idéia de que seriam necessários 100 minutos semanais para
desenvolvermos juntos um trabalho consistente de aprendizado e, para isso, seria
imprescindível iniciar a aula às 21h00.
Pensando nisto, acrescentei novos aliados ao apagador e ao giz. Um balde vazio,
um balde com água, um copo descartável e uma pequena toalha. Primeiro dia de
aula e apresento descontraidamente as “regras do jogo”. Entrar na sala após
as 21h00: água! Fumar, beber ou comer durante a aula: água! Falar ao celular:
água! Ler jornais e revistas ou engatar conversas paralelas: água!
A palavra “água” assumiu status de signo. Passou a simbolizar ser
gentilmente “batizado” com um copo de água entornado na fronte do aluno
“infrator”. Eu, professor, passei a ser apenas o carrasco deste ritual. Os
próprios alunos assumiram o papel de juízes, exigindo punição aos
desobedientes ao coro de... “água!”.
Mas o ponto alto deste procedimento deu-se na terceira aula de sua aplicação
quando o expediente corria o risco de virar uma grande galhofa, convertendo a
proposta disciplinadora em uma ação anarquista. Minha intervenção: “Podemos
encarar este rito de duas maneiras. A primeira, é sob a forma lúdica, uma
grande brincadeira que leva à descontração e ao riso fácil. A segunda, é
sob a forma do aprendizado. Quero que vocês percebam quando levarem “água na
cabeça” uma sensação de desconforto, um sentimento de frustração. Porque
na vida real, lá fora, haverá advogados que perderão prazos para recurso,
prejudicando irreversivelmente seus clientes. Haverá profissionais de vendas
que chegarão tardiamente para uma licitação, desqualificando sua empresa e
irremediavelmente levando-a à bancarrota. Haverá executivos que chegarão
atrasados a uma reunião com um cliente importante, sepultando as chances de
contratação de sua empresa. Em todos estes casos, serão pessoas que, talvez
por um único minuto, terão levado ‘água na cabeça’, perdendo receitas,
ceifando empregos e comprometendo sua própria auto-estima”.
Desde então, tenho a sala cheia, até o final da aula. E cada vez menos alunos
precisam levar... “água na cabeça”!
Tom
Coelho
Matéria da 2ª quinzena de junho / 2004
Tom Coelho, com graduação em Economia pela FEA/USP, Publicidade pela ESPM/SP e especialização em Marketing pela MMS/SP e em Qualidade de Vida no Trabalho pela FIA/USP, é empresário, consultor, escritor e palestrante, Diretor da Infinity Consulting, Diretor do Simb/Abrinq e Membro Executivo do NJE/Fiesp. Contatos através do e-mail [email protected]. Visite www.tomcoelho.com.br.
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