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Moral
“Há
duas espécies de cidadãos: os ativos e os passivos.
Governantes
preferem os últimos; a democracia necessita dos primeiros”.
(John
Stuart Mill)
O governo federal editou, na calada da noite de 30 de dezembro último, mais uma
Medida Provisória elevando a carga tributária sobre as empresas. Trata-se da
MP 232, através da qual a tabela do imposto de renda pessoa física (IRPF) foi
corrigida em pífios 10%, quando o correto seria um número da ordem de 57% para
compensação da inflação apurada pelo IPCA entre 1996 e 2004 (cerca de 85%),
descontado o reajuste de 17,5% realizado no início de 2002.
Para compensar a perda de arrecadação através do IRPF, nossos egrégios
governantes decidiram elevar a contribuição social sobre o lucro líquido
(CSLL) das empresas optantes pelo regime de apuração com base no lucro
presumido, atingindo em cheio empresas prestadoras de serviços dos mais
diversos segmentos econômicos.
Se você chegou à leitura deste artigo até aqui, dado ser tema dos mais
indigestos, um alerta: não tenho a pretensão de fazer uma análise dos erros e
acertos do atual governo. Meu olhar é outro.
Entristece-me observar a silenciosa ruptura do tecido social em curso decorrente
de decisões como esta. Estamos cometendo um suicídio moral,
institucionalizando a sonegação fiscal, o desvio e o caixa-dois como
instrumentos de sobrevivência pessoal e corporativa. Contabilistas, advogados e
auditores nunca tiveram tanto trabalho quanto agora. O faturamento precisa ser
mascarado; os balanços, forjados; as vendas, subfaturadas. É um autêntico
“salve-se quem puder” empresarial.
Profissionais liberais barganham seus preços furtando-se à emissão de
recibos. Prestadores de serviços fazem o mesmo com suas notas fiscais. A
Economia informal cria um Brasil paralelo, em breve, maior do que o oficial. A
desobediência civil torna-se não um atributo inerente à ganância pelo ganho
fácil, mas uma norma para a perenidade de um negócio. Em vez de estratégias
comerciais, ganhos de produtividade, capacitação de pessoal, gestão
financeira e maior competitividade, entra em cena o planejamento tributário.
Há muita distorção em nosso país. Vejo empresários de pequenas empresas
relutarem em conceder um aumento de R$ 50,00 no salário de um funcionário,
enquanto gastam o dobro disso com um banco apenas com tarifa para contratação
de uma operação de crédito ou, ainda pior, pagam dez vezes este valor como
custas em um cartório de protestos para emissão de uma certidão, um pedaço
de papel revestido de “fé pública”, porque não foi possível liquidar um
título em seu vencimento.
Houve um tempo em que era mais fácil acreditar numa instituição chamada
“sociedade civil” que, organizada, conseguia impor a vontade coletiva aos
seus governantes, porque governos foram criados, eleitos e existem para isso.
Porém, cada vez mais me convenço de que isso tende a ser retórica de museu.
Será que teremos que voltar a 1968 para concluir aquele inacabado ano onde a
“imaginação no poder” acreditava ser capaz de promover mudanças de fato?
Nossa juventude, herdeira de tantos avanços tecnológicos, vivendo num mundo
sem fronteiras, tem as mãos lisas demais para pegar em armas e tem a disposição
pequena demais para se desencastelar e bradar por mudanças. Raras são as exceções...
A continuar assim, estamos fadados a praticar a justiça com as próprias mãos.
Eu gostaria de viver num país onde todos emitissem orgulhosamente notas
fiscais, inclusive para facilitar o gerenciamento de suas finanças. Mas que se
fizesse isso com a percepção da incidência de uma tributação justa e com a
certeza de que os recursos angariados construíssem casas e pontes, escolas e
hospitais, empregos e cidadãos.
A sanha arrecadadora do Estado impõe gradualmente mais obrigações aos
contribuintes e ainda procura transferir-lhes os ônus das ações sociais.
Pessoas físicas e jurídicas têm que criar campanhas para recolher agasalhos,
mantimentos e fundos para aquisição de remédios. Construímos nossas próprias
creches, contratamos planos de saúde e de previdência privados.
O economista norte-americano Arthur Lafer desenvolveu uma interessante tese
conhecida como “Curva de Lafer”, que analisa a relação entre o nível de
arrecadação e de tributação em uma nação. De acordo com a teoria, a partir
de um determinado ponto da curva (nível de tributação), a elevação das alíquotas
dos tributos produz efeito inverso, isto é, a arrecadação reduz-se
proporcionalmente pelo esgotamento da capacidade contributiva. Com uma carga
tributária equivalente a quase 40% do PIB, já ultrapassamos esta fronteira.
Nós, cidadãos brasileiros, somos todos samurais pela capacidade ímpar de
conviver com tanta adversidade e desigualdade postulada por políticas públicas
inadequadas – ou pela ausência delas. A escolha que se nos apresenta agora é
renegar a passividade e desembainhar as espadas, insurgindo-se contra este
estado de coisas, ou apontá-las contra nosso ventre, desferindo um golpe fatal
e assumindo o anarquismo como filosofia.
Tom
Coelho
Matéria da 1ª quinzena de fevereiro / 2005
Tom Coelho, com graduação em Economia pela FEA/USP, Publicidade pela ESPM/SP e especialização em Marketing pela MMS/SP e em Qualidade de Vida no Trabalho pela FIA/USP, é empresário, consultor, escritor e palestrante, Diretor da Infinity Consulting, Diretor do Simb/Abrinq e Membro Executivo do NJE/Fiesp. Contatos através do e-mail [email protected]. Visite www.tomcoelho.com.br.
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