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C O M P O R T A M E N T O -
01
de abril de 2006
“Nada
é veneno e tudo é veneno; a diferença está na dose.”
(Paracelsus)
CHOQUE ANAFILÁTICO
Por Tom Coelho, colunista-titular do Portal Brasil (*)
Os humildes não lêem receituários porque não entendem a letra, não lêem
bula porque isso é coisa de médico e fazem apenas o que o “doutor”
recomenda porque estes são tidos como mensageiros de Deus na terra. E
acabam por morrer achando o ato natural e obra da divina providência.
Em maior
ou menor grau, somos todos autodidatas. Aprendemos muito por meio de
estudos, bastante através de nossos relacionamentos e uma infinidade pela
nossa própria experiência.
A pessoa que se entusiasme a solucionar problemas elétricos ou hidráulicos
em sua casa, desmontando e refazendo utensílios e eletrodomésticos, poderá
adquirir uma competência digna de engenheiro. Analogamente, alguém
envolvido com muitas questões de justiça poderá alcançar um conhecimento
que o aproxime de um bacharel em Direito.
Seguindo este raciocínio, pessoas acometidas por enfermidades desenvolvem
um “quê” de médicos. Aprendem desde os jargões da profissão, até a
fazer diagnósticos, chegando mesmo à automedicação, incluindo o
conhecimento do princípio ativo e informações técnicas dos produtos,
suas indicações, contra-indicações, reações adversas e posologia. São
os ditos antibióticos, assim
denominados porque são contra a vida.
Não apenas a vida de bactérias e vírus, mas toda e qualquer vida.
Tive uma infância marcada por uma saúde debilitada. Problemas do sistema
respiratório. Uma bronquite persistente que deu as mãos a uma febre reumática
e me tornaram um convidado freqüente de farmácias. No lugar de picolés de
limão, uva ou abacaxi, injeções de penicilina. De tanto tomar antibióticos,
meu organismo criou resistência.
É sempre assim: todo recipiente tem uma capacidade limitada ao seu volume máximo.
Depois disso, ele transborda. E a culpa não é daquela gota adicional, mas
de todas as outras depositadas anteriormente. É
por isso que há relacionamentos que se desfazem. Não foi por uma única
palavra, gesto ou ação. Foi por causa de todas as palavras, gestos e ações
que se antecederam. Mas isso é outra estória...
Há alguns dias fiz um tratamento dentário. A microcirurgia causou um
esperado processo inflamatório no local afetado. Sempre tratei osteoartrite
com Vioxx, medicamento retirado da praça em setembro de 2004 depois da
comprovação do risco vascular proporcionado aos usuários pelo mesmo. Em
seu lugar, o dentista receitou-me dois similares.
Conforme relatei, meu organismo resistente legou um ser que não pode ficar
doente. Basta um comprimido de antiácido contendo acetilsalicílico ou um
analgésico à base de dipirona sódica, por exemplo, para desencadear reações
alérgicas que podem demandar, de acordo com a dosagem, uma traqueostomia
– para quem não sabe, um procedimento altamente invasivo que consiste em
fazer uma abertura na traquéia para permitir a entrada de ar, a passagem do
oxigênio que alimenta a vida.
Na farmácia, após ler a bula dos dois medicamentos substitutos prescritos,
descobri que ambos são contra-indicados a pessoas alérgicas ao ácido
acetilsalicílico. Assim, evitei o risco de um choque anafilático, rumando
para minha casa. Sentindo dor, porém vivo.
Então, coloquei-me a pensar na vastidão deste país de dimensões
continentais, no baixo índice educacional da maioria da população, nas
deficiências de nosso sistema de saúde. E imaginei quantos são vitimados
diariamente por diagnósticos superficiais decorrentes da não realização
de exames para redução de custos e de profilaxias inadequadas por inépcia,
omissão ou mera falta de atenção dos profissionais.
Os humildes não lêem receituários porque não entendem a letra, não lêem
bula porque isso é coisa de médico e fazem apenas o que o “doutor”
recomenda porque estes são tidos como mensageiros de Deus na terra. E
acabam por morrer achando o ato natural e obra da divina providência.
Tom
Coelho
Matéria da 1ª quinzena de abril de 2006
(*) Tom Coelho, com graduação em Economia pela FEA/USP, Publicidade pela ESPM/SP e especialização em Marketing pela MMS/SP e em Qualidade de Vida no Trabalho pela FIA/USP, é empresário, consultor, escritor e palestrante, Diretor da Infinity Consulting, Diretor do Simb/Abrinq e Membro Executivo do NJE/Fiesp. Contatos através do e-mail [email protected]. Visite www.tomcoelho.com.br.
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