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Diferenciação
"Quando todos pensam igual
é porque ninguém
está pensando." (Walter Lippman)
Dia destes
entrei em uma loja da rede Fran´s Café. Como de hábito em qualquer cafeteria,
fiz meu pedido padrão, um expresso e um pão de queijo. Qual não foi minha
surpresa ao receber o café cuidadosamente apoiado sobre uma pequena bandeja,
acompanhado de um elegante copo contendo água mineral gasosa e um folheto
explicando tratar-se de uma tradição italiana: a água com gás aguça as
papilas enaltecendo o sabor do café que será servido. E todo este cuidado pelo
mesmo preço de um expresso tradicional.
Num destes finais de semana resolvi dar descanso ao vídeo-cassete e dirigi-me a
um Cinemark para apreciar um bom filme. Fiz a opção por esta rede raciocinando
que, em virtude do grande número de salas, as filas seriam pouco
significativas. Ledo engano. Apreciei, sim, fila para adquirir o ingresso, fila
para acessar a sala, fila para comprar os acessórios pipoca e refrigerante. E
me vi estarrecido diante do custo de R$ 3,50 por um copo de Coca-Cola, valor
suficiente para adquirir 3 litros da mesma bebida, e de R$ 7,00 por um pacote de
pipocas, correspondente a 4 vezes a mesma porção para se fazer no microondas.
Meses atrás resolvi retomar a prática da natação e fui ter um diálogo com
minha antiga academia, a Runner. Solicitei-lhes uma proposta para que eu
retornasse ao quadro de alunos mediante um preço diferenciado considerando-se
meu histórico. A resposta que obtive dizia que eu teria que me adequar às
normas vigentes para novos alunos. Seria uma assertiva aceitável se não
tivesse partido do Departamento de Fidelização da empresa que teoricamente
deveria zelar pela manutenção de seus associados.
Três situações distintas, envolvendo empresas de renome, que nos fazem
refletir sobre a questão dos preços relativos e, acima disto, sobre o que vem
a ser diferenciação.
Concorrência
Monopolística
Lembro-me das aulas de Microeconomia. Tinha dificuldades para aceitar certos
conceitos que entravam em rota de colisão com minha lógica. Um dos poucos
conceitos que me marcaram foi-me apresentado quando do estudo da organização
dos mercados e formação de preços.
Segundo a teoria microeconômica, os mercados operam ou em concorrência
perfeita ou em concorrência imperfeita. O primeiro tipo caracteriza o modelo
ideal: muitas empresas participantes, ausência de barreiras à entrada e saída
do mercado, políticas de preços não regulamentadas. O segundo tipo é formado
pelo monopólio, quando uma única empresa atua isoladamente no mercado,
normalmente impondo barreiras técnicas, econômicas ou burocráticas à entrada
de novos players, praticando uma política
de preços própria que precisa ser regulada por um órgão neutro; o oligopólio,
que se diferencia do monopólio apenas pelo fato de haver mais de uma companhia
atuando no mercado, porém não muitas; e a concorrência monopolística.
Esta última modalidade guarda consigo um conceito interessante. Aborda uma
situação na qual as empresas atuam dentro de um mercado altamente
concorrencial, no qual não há entraves de qualquer ordem, onde todos
enfrentaram as mesmas oportunidades e dificuldades. Todavia, dentro deste
contexto, uma empresa pode se destacar mediante a diferenciação de seu produto
ou serviço. Fazer algo simplesmente diferente e, assim, tornar-se única,
exclusiva, desejada, nos corações e mentes dos consumidores. Tecnicamente,
criar um nicho tão bem delimitado que a capacita a exercer um autêntico monopólio.
Por isso, concorrência monopolística.
À luz deste conceito passei a observar como estamos o tempo todo exercendo a
concorrência monopolística em nossas vidas. A começar pela vitória do
espermatozóide tenaz que dotado de agilidade, velocidade, preparo e estilo no
ato da fecundação superou todos os demais concorrentes. Ao conquistar o par
romântico, também nos fizemos notar em meio aos demais pretendentes. A
oportunidade de emprego também foi sancionada com êxito dentre outros
postulantes ao cargo.
Responsável
por quem Cativas
Assim passei a nutrir verdadeira paixão pelo conceito de diferenciação.
Passei a compreender o porquê de deixar mais reais por um pão de queijo no
Fran´s Café, quase sem perceber. É porque quero o mimo. Passei a compreender
o porquê de ser expropriado por uma pipoca e um refrigerante num Cinemark. É
porque quero a comodidade. Passei a compreender o porquê de ter perdido o
encanto pela Runner. É porque quero coerência no discurso que me vendem.
“Tu não és ainda para mim senão um garoto inteiramente igual a cem mil
outros garotos. E eu não tenho necessidade de ti. E tu não tens necessidade de
mim. Não passo a teus olhos de uma raposa igual a cem mil outras raposas. Mas
se tu me cativas, nós teremos necessidade um do outro. Serás para mim único
no mundo. E eu serei para ti única no mundo...”. O Pequeno Príncipe, de Exupéry,
conhecia muito de concorrência monopolística quando cunhou a famosa expressão
“tu te tornas eternamente responsável por aquilo que cativas”. Por isso,
abrir a porta do carro para a garota adentrá-lo torna o cavalheiro admirado.
Por isso, o vendedor que procura descobrir a necessidade de seu cliente para
depois lhe apresentar uma solução é preferível ao mero tirador de pedidos.
Por isso, a empresa que identifica o desejo mais subliminar de seus consumidores
pode dar-se ao luxo de vender o que produz ao invés de produzir o que se vende.
Mas, no jogo da diferenciação, que fique claro uma coisa. Não é a diferenciação
tecnológica, baseada nas inovações; a qualitativa, sediada na adequação; ou
a mercadológica, ancorada na força e glamour das marcas, que conferem
perenidade às relações. O mundo está comoditizado. Os produtos apresentam as
mesmas características, os profissionais detém os mesmos MBA´s, a comunicação
está massificada. A única diferenciação efetivamente sustentável ao longo
do tempo é aquela baseada em pessoas. No brilho do olhar, na maciez da voz e no
calor do toque, aspectos que máquina ou virtualidade alguma será capaz de
reproduzir ou substituir.
Tom
Coelho
Matéria da 4ª semana de dezembro / 2003
Tom Coelho, com graduação em Economia pela FEA/USP, Publicidade pela ESPM/SP e especialização em Marketing pela MMS/SP e em Qualidade de Vida no Trabalho pela FIA/USP, é empresário, consultor, escritor e palestrante, Diretor da Infinity Consulting, Diretor do Simb/Abrinq e Membro Executivo do NJE/Fiesp. Contatos através do e-mail [email protected]. Visite www.tomcoelho.com.br.
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