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Pregão
Eletrônico e o Decreto nº 10.024/2019
Comentários e Anomalias
Por Fernando
Toscano (*)
Todos os empresários que fornecem produtos e/ou serviços ao governo conhecem a tradicional e já longínqua Lei nº 8.666, de 21 de junho de 1993, que regulamentou o disposto no art. 37, inciso XXI, da Constituição Federal, que diz:
Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte:
[...]
XXI - ressalvados os casos especificados na legislação, as obras, serviços, compras e alienações serão contratados mediante processo de licitação pública que assegure igualdade de condições a todos os concorrentes, com cláusulas que estabeleçam obrigações de pagamento, mantidas as condições efetivas da proposta, nos termos da lei, o qual somente permitirá as exigências de qualificação técnica e econômica indispensáveis à garantia do cumprimento das obrigações.
Pois bem, entra em vigor, no dia 28 de outubro de 2019, o Decreto nº 10.024, de 20 de setembro de 2019, publicado no Diário Oficial da União no dia 23 de setembro de 2019. Este decreto vem regulamentar a licitação, na modalidade pregão, na forma eletrônica, para a aquisição de bens e a contratação de serviços comuns, incluídos os serviços comuns de engenharia, e dispõe sobre o uso da dispensa eletrônica, no âmbito da administração pública federal.
Não existem grandes novidades, mas o certo é que o empresário é a parte frágil no processo licitatório. Há grandes exigências pública, certidões e mais certidões, prazos e mais prazos, riscos e mais riscos, mas apenas para um dos lados: o dos fornecedores. Há claro desequilíbrio legal entre as partes e acaba que muitas questões vão sendo resolvidas no Judiciário. O poder público usa e abusa de suas atribuições, gera transtornos nas compras de produtos e serviços, cota determinada quantidade, mas adquire 10%, 20% dessa quantidade (e de forma parcelada - apenas para se beneficiar de preços), paga quando quer e se criam anomalias complexas que acabam por gerar fornecedores medrosos e precavidos, afastando muitas empresas competitivas desse mercado.
Para não estender demasiadamente a questão irei citar alguns dos transtornos, dentre muitos outros, que o sistema de compras governamentais traz aos empresários com consequentes prejuízos ao próprio Estado:
Não há respeito dos pregoeiros com os empresários: um exemplo prático ocorreu no Instituto Nacional da Propriedade Industrial - INPI. Os licitantes se logaram para determinado pregão eletrônico e nada acontecia. Nenhuma informação. Após questionamento o pregoeiro informou que o pregão eletrônico seria adiado, mas não utilizou os campos disponíveis no "Comprasnet" (portal eletrônico de compras do governo federal) para informar. Assim, dezenas de pessoas estavam logadas no sistema, olhando para a tela, sem produzir e sem saber o que se passava.
São centenas de licitações por todo o país, dezenas no mesmo horário, e alguns setores como de tecnologia se esforçam para poder vender ao governo, mas não conseguem cotar em todas as licitações que ocorrem simultaneamente porque isso geraria enorme despesa com pessoal especializado cotando sem se ter certeza de vitória no certame. Assim, como sugestão, deveriam ser criados grupos (exemplo: "Grupo de Tecnologia", "Grupo de Certificação Digital", "Grupo de Material de Expediente", etc) e se limitar a duas, as licitações no mesmo dia e hora. Isso, além de facilmente programável, via "calendário", traria mais licitantes e, também, oportunidades de preços mais competitivos em benefício do Estado.
No julgamento das propostas, estipula o Art. 38, § 2º: "O instrumento convocatório deverá estabelecer prazo de, no mínimo, duas horas, contado da solicitação do pregoeiro no sistema, para envio da proposta e, se necessário, dos documentos complementares, adequada ao último lance ofertado após a negociação de que trata o caput.". Infelizmente, com raras exceções, o prazo para fornecimento da proposta (e muitas vezes, também, dos documentos) é sempre de duas horas. Considerando que a maioria das licitações se iniciam às 10h e que as empresas participam de várias, inicia-se um "corre-corre" que seria desnecessário e, muitas vezes, licitantes perdem prazos e acabam punidos. Pergunta-se: por que 2 horas? Esse prazo deveria ser corrigido para 24 horas. Jamais isso prejudicaria o processo até porque, após todo o procedimento licitatório, o próprio órgão é quem demora excessivamente em solicitar a assinatura da Ata de Registro de Preços.
Ocorrem casos inexplicáveis. Exemplo pratico e real: "Secretaria de Saúde de Sergipe" solicita que os licitantes vencedores enviem toda a documentação, também por sedex. Além de gerar custo de mais de R$ 70,00 por sedex, também burocratiza o sistema, excesso de papéis e perda de tempo. Cerca de 90% da documentação hoje é eletrônica, então para que essa burocracia? Hoje as seguintes documentações são eletrônicas: certidão negativa de falência e concordata, certidão negativa de débitos e da dívida ativa com a União, certidão de regularidade com o FGTS, certidão negativa de débitos trabalhistas (TST), certidão negativa de débitos estaduais, etc. Além disso CNPJ, juntas comerciais e muitos outros órgãos são eletrônicos. O certo é que não há previsão clara quanto a isso no Decreto 10.024/2019.
Muitas empresas são punidas, perdem o registro do SICAF e não podem mais vender ao governo por até cinco anos quando a culpa não é das mesmas, mas de terceiros, seus fornecedores. Essa questão deve ser melhor trabalhada porque prejudica o empresário e o próprio governo, que perde fornecedores todos os dias, com essas punições. A previsão é do Art. 49: "Ficará impedido de licitar e de contratar com a União e será descredenciado no Sicaf, pelo prazo de até cinco anos, sem prejuízo das multas previstas em edital e no contrato e das demais cominações legais, garantido o direito à ampla defesa, o licitante que, convocado dentro do prazo de validade de sua proposta: I - não assinar o contrato ou a ata de registro de preços; II - não entregar a documentação exigida no edital; III - apresentar documentação falsa; IV - causar o atraso na execução do objeto; V - não mantiver a proposta; VI - falhar na execução do contrato; VII - fraudar a execução do contrato; VIII - comportar-se de modo inidôneo; IX - declarar informações falsas; e X - cometer fraude fiscal. § 1º As sanções descritas no caput também se aplicam aos integrantes do cadastro de reserva, em pregão para registro de preços que, convocados, não honrarem o compromisso assumido sem justificativa ou com justificativa recusada pela administração pública. § 2º As sanções serão registradas e publicadas no Sicaf." Ressalvada a má-fé e questões de origem penal não se pode generalizar e aplicar a mesma dosimetria para falhas de origens e causas diferentes. Seria a mesma coisa que aplicar uma mesma pena a quem mata e a quem rouba uma galinha.
Existem órgãos públicos que iniciam as atividades apenas as 12h ou 13h. Um exemplo disso e o Ministério da Aeronáutica, Pregão Eletrônico 134/2019. O retorno da análise da documentação se daria às 13 horas do dia 27.09.2019. Nesse dia, às 13h muitos logaram para continuar o processo licitatório e a pregoeira informou que estaria ocupada com outras atividades administrativas jogando a abertura para o dia 01.10.2019, também às 13 horas. Absurdo e desrespeito. Muitos almoçaram às 11h para poder estar disponíveis às 13h. Por que nada é avisado com antecedência? Por que a administração pública tem que possuir qualidade tão sofrível? Empresário e funcionário almoça... para que esse stress de horário? Deveria existir um horário pré-definido no sistema: de 09 às 12h e de 14h às 17h. Ficaria tudo bastante claro e mais organizado para todos.
O sistema Comprasnet muitas vezes não atualiza os lances. Em diversas ocasiões se observa que determinado licitante está vencendo um lance e este fica aguardando outro licitante baixar o preço. Nada acontece, o sistema encerra (encerramento aleatório) e o licitante é surpreendido com a vitória de terceiros. Isso é fato corriqueiro e quem não está muito atento acaba prejudicado. Só que o Estado também pois outros poderiam ter formulados lances mais baixos. Essa questão ocorre todos os dias em prejuízo de todos.
A questão do "aviso de iminência" e, depois o "encerramento aleatório" deveria mudar urgentemente. Já aconteceram diversos casos em que o governo comprou produtos e serviços a preços excessivos. Exemplo prático: em determinada licitação para certificação digital existia o mesmo produto para o item I e II sendo que no item II haveria também o fornecimento de mídia criptográfica, tipo token. Assim, logicamente, o item II deveria ser mais caro, mas não foi o que ocorreu: o item I acabou 2,6% mais caro quando deveria ser, em média, 20% mais barato. Isso apenas demonstra que o governo comprou mal mais uma vez.
A estimativa de preços é bastante falha e feita por pessoas despreparadas e inexperientes, desconhecedora dos produtos e serviços que desejam adquirir. Há uma determinada licitação para aquisição de 2.000 mídias a um custo estimado de R$ 19,00 e destinada a MEs (Microempresas) e EPPs (Empresas de Pequeno Porte) que, logicamente, não compram em grande quantidade porque não possuem recursos suficientes para grandes aquisições. Uma mídia conforme descrita no edital custa, para compra em maior volume, em torno de R$ 32,00 e, no mercado varejista, em torno de R$ 40,00. Pois bem vamos aguardar o que acontece, mas o meu palpite é: não vai existir lance. Por que? Mal calculado e não foi levado em consideração que é pregão eletrônico destinado a pequenas empresas. Para alguma empresa conseguir vender a R$ 19,00, ela deveria adquirir a, no máximo, R$ 14,00, algo que inexiste no mercado.
Além dessas questões - e diversas outras que poderia citar - ainda existe algo bastante grave que deveria ser verificado pelo Ministério Público. Licitações destinadas a pequenas e microempresas devem ter, entre as participantes, logicamente, empresas pequenas ou micros. Mas como grandes grupos vem burlando isso? Se cria ou se compra uma microempresa ou empresa de pequeno porte, em nome de terceiros (ou laranjas ou se faz um acordo para a manutenção dos sócios anteriores), mas apenas de fachada. As pessoas que dão os lances, os recursos despendidos e recebidos, os sistemas utilizados (muitas vezes com robôs) e a estrutura por trás são de grandes grupos empresariais. Isso acaba por prejudicar definitivamente aos pequenos e vai de encontro ao proposto pela legislação, de forma muito sábia, diga-se de passagem, tirando oportunidade ao pequeno empresário em poder competir entre si, se tornar um fornecedor ao Estado e ter crescimento sustentado. Infelizmente muitos sabem e têm medo de divulgar e, pior, de tomar providência quanto a essa atitude anti-ética de empresários gulosos por mais e mais lucros à custa dos pequenos fornecedores. Além de anti-ético, para mim isso configura crime.
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Fernando Toscano é o Editor-Chefe do Portal Brasil. Seu perfil.AUTORIZADA
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