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Defesa do Consumidor -
- Abril / 2003-
Nota da
redação:
Todas as matérias publicadas são de propriedade de seus respectivos autores,
aqui reproduzidas na íntegra gratuitamente e de caráter meramente
informativo.
Abril/2003, 2ª quinzena - Em favor de ordem social mais justa
Por Josemar Dantas - editor de "Direito & Justiça" do diário Correio Braziliense
Não é apenas a existência de um terço da população em
estado de miséria que atesta a injustiça social no Brasil. Há outros
indicadores que a agravam, embora ignorados nas estatísticas oficiais. É o
caso da distribuição dos encargos tributários. Desde a última década do século
passado, a ordem de incidência inclinou-se de modo brutal sobre os salários.
Os trabalhadores contribuem em média com 47,71% do bolo arrecadado pelo Estado
a título de impostos.
Não se trata
de percentual resultante de cálculo intuitivo ou aleatório. Consta de estudo
realizado pelo Instituto Brasileiro de Planejamento Tributário (IBPT). A Gazeta
Mercantil deu-lhe espaço na edição de 12 de março. Está registrado ali que
vigora no país um sistema híbrido intolerável.
Os
assalariados são gravados com imposição fiscal semelhante à dos países mais
ricos do mundo. Nenhum critério obedece ao fato de que, no Brasil, os
rendimentos da mão-de-obra situam-se entre os mais baixos do planeta. Já o
capital e o patrimônio alcançam os benefícios de uma taxação tão branda
quanto a dos chamados paraísos fiscais.
A tributação
sobre a pessoa física é a segunda maior da comunidade internacional. Não se
deve ignorar, todavia, que, onde ocorre a cobrança excessiva, o Estado
devolve-a aos contribuintes sob a forma de proteção social e serviços.
Citam-se assistência médica universal e gratuita, acesso à educação em
todos os níveis, socorro financeiro às mães solteiras, aposentadorias e pensões
integrais, gratuidade da Justiça nas ações contra o Estado, estruturas
urbanas modernas, proteção especial e ajuda aos velhos.
O governo
anuncia que em junho enviará ao Congresso as propostas das reformas tributária
e previdenciária. É o momento adequado para varrer da legislação os insuportáveis
ônus que reduzem ao mínimo a capacidade aquisitiva dos salários, enquanto
concede privilégios fiscais ao capital e ao patrimônio. Afinal, no voto que
elevou um trabalhador ao poder, estão expressas as aspirações do povo em
favor de uma ordem social mais justa.
A injustiça
tributária reserva aos mais necessitados tratamento equivalente à expropriação
de parte significativa da remuneração que lhes é paga. É algo semelhante a
conceder tudo à nobiliarquia financeira. Aos menos afortunados, a severidade da
lei.
Abril/2003, 1ª quinzena - Tutela coletiva no Juizado Especial Federal Cível
Antônio Souza Prudente é desembargador Federal do Tribunal Federal da 1ª Região, mestre em Direito Público pela Universidade Federal de Pernambuco e professor decano da Universidade Católica de Brasília
Entre as hipóteses de exclusão
de competência do Juizado Especial Cível, no âmbito da Justiça Federal,
encontram-se as demandas sobre direitos ou interesses coletivos ou individuais
homogêneos (art. 3º, 1º, I, da Lei nº 10.259/2001). Reforço agravante da
norma restritiva determina que somente podem ser partes, no Juizado Especial
Federal Cível, como autores, as pessoas físicas e as microempresas e empresas
de pequeno porte, assim definidas na Lei nº 9.317, de 5 de dezembro de 1996
(art. 6º, I, da referida Lei nº 10.259/2001).
Ao cuidar da
legitimidade ativa, nas ações perante o Juizado Especial Cível, a Lei nº
9.099, de 26/09/95, determina que ‘‘somente as pessoas físicas capazes serão
admitidas a propor ação perante o Juizado Especial, excluídos os cessionários
de direito de pessoas jurídicas’’ (art. 8º, 1º). Tais comandos da legislação
ordinária não resistem à garantia fundamental de que ‘‘as entidades
associativas, quando expressamente autorizadas, têm legitimidade para
representar seus filiados judicial ou extrajudicialmente’’ (CF, art. 5º,
XXI) e, ainda, que ‘‘ao sindicato cabe a defesa dos direitos e interesses
coletivos ou individuais da categoria, inclusive em questões judiciais ou
administrativas’’ (CF, art. 8º, III).
A Constituição
Federal, de 1988, ao estabelecer essa legitimação extraordinária e anômala
às entidades associativas, rompera com os grilhões do século XIX, na direção
da máxima individualista de que ‘‘legitimado é aquele que tem um direito
subjetivo para defender em juízo’’. Da exposição de motivos que
acompanhou o projeto de lei do Superior Tribunal de Justiça, visando à criação
dos Juizados Especiais Federais, assinalou-se, em termos de política judiciária,
que ‘‘cabe colocar, com todo relevo, que a proposição desafogará a Justiça
Federal de primeiro e segundo graus e propiciará o atendimento da enorme
demanda reprimida dos cidadãos, que hoje não podem ter acesso à prestação
jurisdicional por fatores de custos, ou a ela não recorrem pela reconhecida
morosidade decorrente do elevado número de processos em tramitação’’.
Assim, é paradoxal e agressora da própria Constituição a normativa ordinária
que expulsa as associações, os sindicatos e outros entes dessa espécie, com
representação processual extraordinária perante os Juizados Especiais Cíveis,
ao não admitir demandas sobre direitos ou interesses coletivos ou individuais
homogêneos, porque outorga legitimidade ativa apenas às pessoas físicas para
propor ação perante esses Juizados Especiais.
A
irracionalidade do legislador ordinário, na adoção normativa dessa restrição
inconcebível à legitimação ativa do ente associativo, portador da outorga
constitucional para tanto, perante os Juizados Especiais, veio abandoná-lo na
contramão dos textos legislativos modernos. Entre estes, vale destacar a da Lei
nº 8.078, de 11 de setembro de 1990, que consagra o pleno acesso à Justiça,
através da tutela coletiva do consumidor em juízo, na fala de que ‘‘a
defesa dos interesses e direitos dos consumidores e das vítimas poderá ser
exercida em juízo individualmente, ou a título coletivo’’ (art. 81, caput,
do CDC). E estabelece, ainda, como direitos básicos do consumidor ‘‘o
acesso aos órgãos judiciários e administrativos, com vistas à prevenção ou
reparação de danos patrimoniais e morais, individuais, coletivos ou difusos,
assegurada a proteção jurídica, administrativa e técnica aos
necessitados’’ (art. 6º, VII). Também assegura ‘‘a facilitação da
defesa de seus direitos, inclusive com a inversão do ônus da prova, a seu
favor, no processo civil, quando, a critério do juiz, for verossímil a alegação
ou quando for ele hipossuficiente, segundo as regras ordinárias de experiência
(art. 6º, VIII) e a ‘‘adequada e eficaz prestação dos serviços públicos
em geral‘‘ (art. 6º, X), tudo mediante ampla legitimação ativa
concorrente (art. 82, incisos I, II, III e IV, do CDC).
Em face da
proibição expressa, nos textos das leis dos Juizados Especiais para o
ajuizamento de demandas sobre interesses ou direitos coletivos, assim entendidos
como os transindividuais, de natureza indivisível, de que seja titular grupo,
categoria ou classe de pessoas ligadas entre si ou com a parte contrária por
uma relação jurídica base (art. 81, II, do CDC) e sobre interesses ou
direitos individuais homogêneos, assim entendidos os decorrentes de origem
comum (art. 81, III), resulta, como conseqüência imediata, o acúmulo invencível
de feitos individuais a gerar o fenômeno da pulverização dos litígios,
perante esses Juizados Especiais. Agrava, portanto, os já tão despojados
recursos materiais desses juízos, quase totalmente órfãos da assistência
judiciária do Estado, restando, para seus jurisdicionados, uma situação de
descrença e desalento, que piora a cada dia pela ampla assimetria ante o
aparelhamento da pessoa jurídica de Direito Público, que figura no pólo
passivo da demanda.
Não há como
negar que o jurisdicionado desses Juizados Especiais é um autêntico
hipossuficiente, a merecer do Estado a mais completa assistência jurídica e
gratuita, nos casos previstos em lei (CF, art. 5º, LXXIV). A tutela coletiva,
nos Juizados Especiais Federais, mediante a representação, constitucionalmente
autorizada, das entidades associativas (CF, art. 5º, XXI), resolveria, com
celeridade e economia processual, milhares de ações conexas, no bojo de um só
processo, onde se realizaria o fenômeno da atomização dos interesses
coletivos ou individuais homogêneos, na linha de sucesso da Lei nº 8.078, de
11 de setembro de 1999 (Código de Defesa do Consumidor). Esta seria, sem dúvida,
uma solução normativa urgente e racional para se enfrentar, com ótimos
resultados, o estrangulamento dos Juizados Especiais Federais, ante a proliferação
acumuladora de feitos individuais, possibilitando-se, através da tutela
coletiva, uma Justiça verdadeiramente acessível, em tempo real, aos milhares
de jurisdicionados, que, no fenômeno explosivo de suas demandas contidas,
padecem, ainda, de inúmeros obstáculos de ordem econômica, social e cultural,
no processo de gerenciamento insensível de políticas capitalistas, em nosso país.
Não
vingaria, aqui, a alegação simplista de que a tutela coletiva encontra óbice
no valor de alçada, que fixa a competência absoluta dos Juizados Especiais
Federais Cíveis, pois, nos termos de sua lei específica, compete a esses
Juizados processar, conciliar e julgar causas de competência da Justiça
Federal somente até o valor de sessenta salários mínimos, bem como executar
suas sentenças (Lei nº 10.259, de 12/07/2001, art. 3º, caput).
Esse possível
argumento restaria superado, com inteira preservação do valor de alçada em
referência, pela aplicação analógica da inteligência da Súmula nº 261/TFR,
perante os Juizados Especiais Federais Cíveis, com estas letras: ‘‘No
litisconsórcio ativo voluntário, determina-se o valor da causa, para efeito de
alçada recursal, dividindo-se o valor global pelo número de
litisconsortes.’’ Isso porque, no fenômeno processual do litisconsórcio
facultativo ou da cumulação subjetiva de lides, se o valor da causa foi dado
de forma global, entende-se representar ele a soma dos valores referentes a cada
autor (RTJ 124/783 e RTJ 125/1.246), o que, com certeza, não invalida a
atividade processualmente econômica da entidade associativa, que os representa
em juízo, na forma constitucionalmente autorizativa (CF, arts. 5º, XXI e 8º,
III).
Não há como
manter-se, assim, a expulsória normativa das demandas sobre direitos coletivos
ou individuais homogêneos, perante os Juizados Especiais Federais Cíveis, nos
termos do art. 3º, 1º, I, da Lei nº 10.259/2001, sob pena de condenar-se
esses Juizados e seus desassistidos jurisdicionados à máxima frustração da
inacessibilidade à Justiça, ante a proliferação estranguladora das ações
individuais repetitivas, que, sequer, ao menos, conseguem ser recebidas, em
tempo razoável, nesses acumulados Tribunais Especiais, vocacionados,
geneticamente, em seu texto normativo, à celeridade e economia processual.
Publicado no jornal Correio
Braziliense, encarte
Direito & Justiça, em 07.04.2003
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