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- Direito & Defesa do Consumidor -
- Fevereiro / 2003- 

Nota da redação: Todas as matérias publicadas são de propriedade de seus respectivos autores,
 aqui reproduzidas na íntegra gratuitamente e de caráter meramente informativo.


Fevereiro/2003, 2ª quinzena - Novo Código Civil Brasileiro, Parte III

Artigo escrito pelo Sr. Ministro Nilson Naves, Presidente do Superior Tribunal de Justiça - STJ
Correio Braziliense, Direito & Justiça, 10 de fevereiro de 2003

            Adentramos momento histórico em que é preciso tecer reflexões acerca de instigantes e valiosos princípios e normas, entre outros, que consagram a igualdade de direitos e deveres entre os cônjuges, a liberdade de decisão quanto ao planejamento familiar lastreado na dignidade da pessoa humana e na paternidade responsável, a prevalência do interesse da criança e do adolescente e a igualdade entre filhos, seja qual for a natureza da filiação. Tão ingente tarefa cabe a todos nós realizar — magistrados, advogados, representantes do Ministério Público, professores e estudantes de Direito —, de modo a permitir seja o novo ordenamento civil recepcionado sem fissuras.

            Comenta-se que o novo Diploma foi acusado de reprodução do Código de 1916, precocemente envelhecido: por não refletir a vida social moderna, especialmente no campo da família, não encarnaria um espírito novo. Em outras palavras, esquecido dos avanços da ciência, não considerou a engenharia genética, a telemática e os reflexos da rede mundial de computadores; sem grandes novidades, incorporou apenas aquelas consideradas velhas em outros sistemas jurídicos, evitando enfrentar novos problemas e preocupantes questões.

            A julgar pelo que tenho ouvido dos arquitetos do Código, talvez algumas dessas críticas sejam procedentes, porquanto, segundo eles, o objetivo foi mesmo o de codificar aquilo que já estava sedimentado, pacificado, ungido pela sólida consagração da doutrina e da jurisprudência, pois esse é o verdadeiro espírito da codificação. De modo que os temas ainda em ebulição e, portanto, ainda não aplainados pela jurisprudência e refletidos pela doutrina hão de permanecer ao sabor da legislação complementar.

            Em verdade, afigura-se-me que a sua entrada em vigor, sem repudiar a crítica construtiva, deve inspirar meditação com o propósito de se construir melhor hermenêutica, melhor exegese dos novos institutos. Antes, porém, de nos debruçarmos sobre alguns deles, impõe-se questionar a vasta rede paralela da legislação extravagante não revogada ou derrogada pela lei nova. A meu ver, microssistemas isolados, de indiscutível modernidade, como o Estatuto da Criança e o Código de Defesa do Consumidor, que, sem dúvida, representam um avanço a ser preservado. Indago, então: hão de ser incorporados ao novo modelo, ou podem conviver em harmonia? Conveniente, ou não, a simbiose jurídica?

            Estimula-nos à reflexão, por exemplo, a mudança de paradigma no campo da responsabilidade civil, notadamente quando se estabelece a obrigação de reparar o dano independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou ‘‘quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, riscos para os direitos de outrem’’. Quanto a essa inovação, ressai da memória que o novel texto já me serviu de paradigma para a elaboração de voto e posterior acórdão em hipótese que envolvia a responsabilidade objetiva de transportadora de valores, cujo motorista, após ser ferido por arma de fogo, atropelou pedestre. A Terceira Turma, acompanhando-me, reconheceu a obrigação da empresa de indenizar a família da vítima, porquanto considerou que responde pelo dano causado quem executa atividade de risco (REsp-185.659, DJ de 18/9/00).

            Entendo, às claras, seja esse um campo fértil para o Judiciário na aplicação das tendências modernas da responsabilidade civil, como a expansão dos danos indenizáveis com a inclusão dos direitos da personalidade e a menção expressa do dano moral, proteção que também alcança as pessoas jurídicas.

            No ponto, a tendência doutrinária consagradora da indenização do dano moral encontrou boa terra no Superior Tribunal. Primeiro, no tocante ao reconhecimento da possibilidade de cumulá-lo com dano emergente e lucro cessante. Distanciando-se de entendimento em sentido contrário, dominante no Supremo, o Superior desde logo (REsp-3.604, DJ de 22/10/90) construiu jurisprudência que culminou na cristalização da Súmula 37, segundo a qual ‘‘são cumuláveis as indenizações por dano material e dano moral oriundos do mesmo fato’’.

            De outra parte, prefigurando a atitude inovadora do Código ao estender a proteção dos direitos da personalidade às pessoas jurídicas, consolidou sua jurisprudência no sentido de que ‘‘a pessoa jurídica pode sofrer dano moral’’ (Súmula 227).

            Infere-se, pelos casos mencionados, o caráter vanguardista do Superior Tribunal de Justiça, por isso mesmo reconhecido como o Tribunal da cidadania.

            Haverá, com o novo Diploma, repito, um campo fértil para o Judiciário aplicar as modernas tendências à objetivação da responsabilidade, na linha da significativa inovação introduzida com a responsabilidade civil objetiva por fato de terceiro, de larga aplicação na responsabilidade dos pais pelos filhos menores. A propósito, já tive oportunidade, mesmo vencido, de me pronunciar, no julgamento do REsp-94.643, DJ de 11/9/00, acerca do alcance e abrangência da responsabilidade dos pais em face de danos causados pelos filhos menores a terceiros, mesmo que não vivessem sob seus cuidados e vigilância e fossem devidamente habilitados, pois, se não reconhecida essa solidariedade, correr-se-ia o risco de deixar sem efetividade o direito à indenização.

            No particular, saliento a ênfase dada à função do juiz, ao qual o novo Código atribui o poder/dever de ‘‘reduzir eqüitativamente a indenização’’, sempre que constatar excessiva desproporção entre a gravidade da culpa e o dano.   

            Pergunto: quando haverá proporção e quando desbordará, caindo no excesso? Na verdade, há muito a ser construído na busca do razoável em termos de delimitação e balizamento dos critérios. Nesse ponto, registro não ser de agora a preocupação do Superior Tribunal de Justiça. Reporto-me à decisão da Terceira Turma por mim relatada quando do julgamento do REsp-53.321, DJ de 11/5/98, que reduziu, de 2.400 salários mínimos para mil, a indenização por órgão da imprensa a título de dano moral.

            Ressalto, também a exemplo, que o papel do magistrado, a ser construído e cristalizado na jurisprudência, ganha relevo quando se examina a Seção I do Título V do Livro I — Do Direito das Obrigações —, a qual consagra preliminares nas Disposições Gerais, introduzindo noções como a função social do contrato, os princípios da probidade e da boa-fé e regras gerais sobre interpretação dos contratos celebrados por adesão.

            Importante, ademais, notificar que o direito de empresa inserido no Código, com parcial revogação do Código Comercial, incorpora, aqui, institutos tradicionais do comércio, cuja hermenêutica tem sido, desde sua constituição em ramo autônomo, mais flexível, dinâmica e afeiçoada à evolução dos costumes. Assomam, nesse caso, a convivência e a mútua interferência de exegese de ambos os ramos do Direito — algo ainda a ser vivenciado.

            Conquanto não envolva tema novo, uma vez já previsto na lei de proteção do consumidor e em outras normas jurídicas, um ponto merece destaque no novel Código: o da desconsideração da personalidade jurídica, visto que veio positivar e aprimorar, em contornos diversos daqueles já existentes, instituto de grande relevância mediante o qual se busca evitar que os sócios se utilizem da segurança proporcionada pelas pessoas jurídicas — criadas como forma de estímulo ao desenvolvimento de atividades produtivas, porquanto o risco negocial atingiria apenas parcela do patrimônio ‘‘para praticar atos que desvirtuem sua finalidade, levando empresas à falência e, assim, causando lesão aos credores em razão da inexistência de lastro para garantir as obrigações assumidas’’.

            No Direito das Coisas, instiga-nos a proibição da formação de novas enfiteuses, contribuindo para gradativa extinção de instituto em franco desuso, cuja sobrevivência atrai condenação quase unânime da doutrina.

            Do mesmo modo, cabe referir o estabelecimento do direito de superfície, pelo qual o proprietário concede a terceiro, por tempo determinado, o direito real de construir ou plantar em seu terreno; a significativa redução dos prazos da usucapião e o acolhimento dos tipos especiais previstos na Constituição; o condomínio horizontal; e a disciplina da propriedade, sob o influxo da função social, preocupando-se com a preservação do meio ambiente.

            Aprovando classificação consagrada dos direitos reais sobre coisa alheia, o Código, sob a rubrica de ‘‘direito do promitente comprador’’, incluiu no Título IX do Livro III o direito real de aquisição, instituto forjado na desordenada expansão urbana, que gerou a necessidade de proteção ao adquirente de imóvel loteado. Agora, recebe disciplina mais abrangente, ampliando-se-lhe o campo de aplicação a todo o universo dos contratos preliminares de compra e venda de imóveis. A esse propósito, cumpre destacar a Súmula 239 desta Corte, que, desbravando sendas mais pragmáticas, torna dispensável para a execução específica de uma promessa irretratável de venda formalidade que o Código exige como requisito para a constituição do direito real.

            Harmonizando-se o Código com os novos paradigmas atinentes à família, registra, no Livro dedicado às sucessões, o cônjuge supérstite concorrendo com os herdeiros necessários, assegurando-se-lhe quinhão igual aos que o sucedem por cabeça.

            Outro aspecto proeminente é a possibilidade do reconhecimento da união estável, ainda que o companheiro, ou companheira, esteja vinculado a anterior casamento, ou seja separado de fato ou judicialmente. Nesse diapasão, seguindo o preceito de ser a família base absoluta da sociedade, tenho que o legislador buscou adequar a norma à realidade do mundo contemporâneo.

            Em suma, embora haja questionamentos, corrigíveis pelas vias legislativa e judicial, o anseio dos elaboradores do Anteprojeto do Código Civil, ao que tudo indica, foi alcançado, pois, no dizer do professor Miguel Reale, agiram com severa objetividade, ‘‘procurando harmonizar, de maneira concreta e dinâmica, as idéias universais do Direito com as que distinguem e dignificam a cultura nacional; os princípios teóricos com as exigências de ordem prática; a salvaguarda dos valores do indivíduo e da pessoa com os imperativos da solidariedade social; os progressos da ciência e da técnica com os bens que se preservam ao calor da tradição’’.

            Vejam que notícias de novas emendas ao Código antecedem sua entrada em vigor. Já são mais de 180 contabilizadas. Somos todos favoráveis ao aperfeiçoamento e há trabalho a ser iniciado com urgência. Além de institutos já conhecidos e consagrados, há novidades a convocarem a atenção e talento dos estudiosos do Direito Civil. Indispensável, por conseguinte, que concentremos nossos esforços para completar a obra de consolidação do ordenamento civil. Nessa tarefa, é indubitável, não podemos perder de vista este ensinamento de Jean Carbonnier: ‘‘Família, propriedade, contrato são, por tradição, os três pilares da ordem jurídica.’’


Fevereiro/2003, 1ª quinzena - Contribuição do Judiciário para a saúde financeira do professor

Artigo escrito pelo Dr. Adauto Cidreira Neto, advogado especializado em Direito Econômico e das Empresas — FGV, e assessor jurídico da Associação Nacional dos Auditores Fiscais da Previdência Social - ANFIP
Correio Braziliense, Direito & Justiça, 10 de fevereiro de 2003

            A Constituição de 88, art. 37, inc. XVI, vedou expressamente a acumulação remunerada de cargos públicos, excetuando a hipótese somente para (a) dois cargos de professor, (b) a de um cargo de professor com outro técnico ou científico e, por fim, (c) com dois cargos privativos de profissionais de saúde, tudo isto condicionado à compatibilidade de horários e observado o limite remuneratório não superior ao subsídio mensal auferido pelos Ministros do STF.

            Ao viabilizar para o professor duas hipóteses de acumulação de cargos — distinguindo-o das demais categorias do serviço público — deve-se considerar que a Assembléia Constituinte teve a preocupação de proporcionar-lhe um padrão remuneratório compatível com a sua relevante e imprescindível função social, posto que o Estado, por irresponsabilidade nos seus critérios de prioridade, pretere a satisfação dos queridos ‘‘mestres, tios e tias’’, oferecendo-lhes salários que mal possibilitam o sustento das suas famílias.

            A par disto, a situação salarial dessa categoria se agrava na mesma proporção em que se diminui o grau de instrução para o qual lecionam, sendo indispensável, pois, que recorram a atividades secundárias para obterem os seus complementos remuneratórios, de onde se origina o permissivo constitucional autorizador da conjugação de atividades docentes com outra técnica ou científica.

            Mas a CF/88 não definiu, e pelo óbvio, desnecessário seria definir o conceito de ‘‘cargo técnico’’, motivando divergências jurisprudenciais que esperamos se alinhem à priorização do interesse social e da dignidade da pessoa humana.

            Isto porque a interpretação restritiva de alguns julgados entende que o ‘‘cargo técnico’’ expresso na Constituição é técnico-científico, ou seja, aquele estabelecido no já revogado Dec. nº 35956/64, o qual definia, em seu art. 3º, como sendo ‘‘aquele para cujo exercício seja indispensável e predominante a aplicação de conhecimentos científicos ou artísticos de nível superior de ensino’’.

            Ocorre que à luz da CF, a jurisprudência não mais pode compadecer com esta restrição, sendo necessário adequar-se à realidade social na tentativa de colaborar com a saúde da rede oficial de ensino, traduzida na satisfação funcional do professor, que se não é obtida com a remuneração para o exercício da docência, deve, com fundamento no permissivo constitucional, ser obtida com a posse em outro cargo público de natureza ‘‘técnica in lato sensu’’.

            Preliminarmente, deve-se descartar a exigência de nível superior para que o cargo seja considerado técnico. Sobre esta condição não há maiores debates, pois desde 1979 o STF a descarta, como se extrai de voto do Min. Rafael Mayer: ‘‘O conhecimento de nível superior não é elemento exigível na conceituação de cargo técnico, pois o entendimento contrário estaria desautorizado quer pelo próprio Estatuto, quer pela Lei Maior.’’ (RT 540/129).

            Quanto às atividades consideradas técnicas, a jurisprudência tem encontrado dificuldades na graduação dos limites impostos pela CF/88 para a conceituação de ‘‘técnico’’, sendo questionável qualquer definição criada por ato administrativo ou legal restritiva à pretensão constitucional.

            E em face da dinâmica social, destaca-se o fortalecimento de corrente jurisprudencial que, procurando evoluir, muito bem interpreta o espírito da Constituição, considerando as peculiaridades e dificuldades pelas quais passam os docentes brasileiros, para, ao menos no DF — em valioso precedente —, se admitir como cargos técnicos aqueles simplesmente relacionados com ato oficial da própria Administração, como ocorre, por exemplo, com o Fiscal de Obras (MS 4079 — Rel. Des. Campos Amaral/TJDF), cujas atividades necessitam de conhecimentos específicos, independentemente do nível de escolaridade exigido.

            Do precedente mencionado, vale ressaltar a exemplar preocupação do Relator, nos seguintes termos: ‘‘Entendo que se a professora se sente em condições de cumprir as duas jornadas, e se há compatibilidade de horários, como realmente há, é preferível para os alunos, para as crianças, que ela tenha uma remuneração melhor pelo exercício dos dois cargos do que se sinta uma profissional mal remunerada, apenas pelo exercício do cargo de professora’’.

            Em outro memorável precedente (MS 2836/TJDF), o Tribunal autorizou a acumulação do cargo de professor com o de auxiliar judiciário, pois entendeu razoável afirmar-se que a Constituição Federal ao falar em cargo técnico, distinguindo-o do cargo científico, pretendeu referir-se ao titular do cargo público de nível não superior, isto é, de nível médio que exija conhecimentos específicos, de natureza técnica para o seu exercício, não havendo, contudo, que se questionar quais os conhecimentos técnicos exigidos do servidor.

            No seu voto, o preclaro relator, Des. Jerônymo de Souza nos ensina: ‘‘Creio que ao interpretar a norma constitucional proibitiva da acumulação remunerada de cargos públicos o intérprete, num país subdesenvolvido e pobre como o Brasil e que destina tão poucos recursos para a Educação e remunera pessimamente os seus professores, não pode, de maneira alguma, deixar de inspirar-se no que dispõe o famoso art. 5º da LICC: Na aplicação da lei, o Juiz atenderá aos fins sociais a que ela se dirige e às exigências do bem comum. Neste contexto, por que não permitir que o dedicado, sofrido e mal remunerado professor da rede oficial acumule outro cargo público de nível médio, havendo compatibilidade de horários? Há alguma imoralidade, alguma lesão ao interesse público nessa acumulação? A permissão não contribuiria para minorar a difícil situação do ensino oficial no DF, permitindo que permaneçam no magistério público pessoas capazes e esforçadas?’’

            Sendo assim, diante das dificuldades de subsistência do professor, verifica-se que resta satisfeita a imposição constitucional de ‘‘cargo técnico’’ o simples fato de a atividade do servidor se caracterizar como ato oficial da Administração Pública.

            Dirijamo-nos, pois, ao citado art. 5º, da LICC, que direciona o trabalho do julgador à busca do bem comum, para, aplicando ao Direito uma abordagem sociológica, aproximarmos os termos da CF à realidade e às necessidades sociais. Seguindo esta linha de interpretação constitucional, o Judiciário estará, mais uma vez, contribuindo para resgatar a dignidade e amenizar o massacre imposto aos professores da rede oficial de ensino que optam por esta alternativa remuneratória.

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