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- Julho / 2003 -
Nota da
redação:
Todas as matérias publicadas são de propriedade de seus respectivos autores,
aqui reproduzidas na íntegra gratuitamente e de caráter meramente
informativo.
2ª quinzena - Teoria palocciana sobre direito adquirido
-
Por Osvaldo Flavio Degrazia -
Professor-Adjunto de Direito Constitucional,
Subprocurador-Geral da República (aposentado),
advogado e fundador do Instituto dos Advogados do Distrito Federal.
Quem estuda o direito aprende que sua evolução, ao longo da história da
humanidade, foi feita com muita luta. Antes da lei Poetelia, ano 326 a.
C., a dívida pecuniária não só atingia o devedor mas toda sua família. Com
o juramento da Carta Magna, em 1215, surgiu o habeas corpus e o mandado
de segurança. Antes dessas garantias, a sociedade humana padecia sob o
despotismo do Estado dominado pelos poderosos. A evolução continuou e foi
Montesquieu quem viu, na separação dos poderes, a garantia da boa aplicação
da Justiça.
Se antes o
monarca enfeixava o poder de legislar, o poder de julgar e o poder de executar,
a tripartição do poder entre outras pessoas, que não o rei, significou a
ruptura da velha ordem política. Grandes foram os avanços no campo da justiça
e das leis. Se antes o tribunal supremo era o rei e depois os tribunais de justiça
passaram a falar em nome do rei, pouco a pouco advieram autônomos e logo
conquistaram a independência.
Mais
recentemente, o Ministério Público, antes criado para ser os olhos e o ouvidos
do rei, transmudou-se em custos legis, olhos, ouvidos e mãos da
sociedade, pois se converteu em fiscal dos poderes e ente responsável pela
defesa dos chamados direitos difusos da sociedade. Na busca da segurança
individual, a Nação-Estado instituiu regras constitucionais especiais,
conhecidas como direitos e garantias fundamentais, que a Constituição
brasileira, promulgada em 1988, depositou no seu artigo 5º.
Uma das
garantias ali repetidas tem como finalidade impedir que leis de inspiração
totalitária ou oportunista, inspiradas por interesses contrariados ou
elaboradas ao sabor de paixões, atinjam situações jurídicas que nasceram e
se consolidaram sob o império de leis anteriores. Ficou então estatuído, como
garantia individual permanente, a exemplo do que prescreviam constituições
anteriores, que lei alguma pode retroagir para atingir três casos ou espécie
de situações jurídicas. São elas: a coisa julgada, o ato jurídico perfeito
e o direito adquirido.
Acontece que,
de tempos em tempos, aparecem movimentos passionais e arautos, às vezes
ignorantes, outros de má-fé, resolvidos a investir contra determinadas
garantias constitucionais, acusando-as de responsáveis pelo desequilíbrio
social e pelo déficit dos cofres públicos. É bom ser lembrado que nos regimes
de exceção a primeira providência tomada é a suspensão ou supressão de
garantias.
Atualmente,
sob o pálio do presidente Lula, alguns de seus companheiros e agora seus
porta-vozes oficiais, que antes se revestiam de defensores dessas garantias, em
um passo de mágica, transmudaram-se em seus críticos. Para eles o direito
adquirido, como se alguém pudesse mensurá-lo e pesá-lo, passou a ser
considerado como uma coisa a que se pode atribuir relativo valor ou valor algum.
Para eles, a garantia constitucional, tão duramente conquistada, deixa de ser pétrea
e fica condicionada a uma valoração circunstancial.
Fácil, pelo
arbítrio, pela deficiência de conhecimento, atribuir a um direito adquirido a
conotação pejorativa de constituir um ‘‘privilégio’’. Partindo-se
deste paralogismo, o de que o direito adquirido é privilégio, pode-se defender
qualquer coisa e afirmar que a lei outorgante de uma conquista, seja dos
servidores públicos, fosse de qualquer cidadão, grupo, classe, raça,
constitui privilégio.
Abre-se,
dessa forma, perigosa exceção que possibilitará o surgimento de outras exceções
capazes de infirmar outras garantias constitucionais, entre elas o direito de
propriedade, da livre manifestação do pensamento ou do livre exercício
profissional. Estão aí os sem-terra, os sem-teto e outros subgrupos falsamente
a justificar a necessidade de que tais garantias sejam relativizadas ou deixem
de existir até que todos os segmentos sociais atinjam um patamar único.
Embora esteja
em voga a discussão sobre direito adquirido, importante é revelar sua
conceituação legal. Define-o art. 6º da Lei de Introdução do Código Civil
como: ‘‘Consideram-se adquiridos assim os direitos que seu titular, ou alguém
por ele, possa exercer, como aqueles cujo começo do exercício tenha termo
prefixo ou condição preestabelecida inalterável, a arbítrio de outrem’’.
Constata-se,
pois, estar a força do direito adquirido, justamente, no poder, por parte de
quem o detém, de exercê-lo em qualquer momento, sem que outrem possa,
arbitrariamente, impedi-lo. Dada sua importância como direito fundamental, a
Constituição tornou-o intocável. Por essa razão, é de ser tida como
preocupante a afirmativa do ministro Palocci, da Fazenda, feita ao jornal Zero
Hora, de Porto Alegre, em 24 de janeiro. Disse o ministro: ‘‘O atual sistema
de aposentadoria e pensão do setor público gera compromissos cada vez maiores
para o orçamento, para os quais não há recursos. Nessa dimensão, o próprio
direito constitucional à aposentadoria está vulnerável. Não há
sustentabilidade no sistema previdenciário. Para todos os níveis da Federação,
essa é uma questão essencial’’.
Dessa forma
suspicaz, o ministro da Fazenda cria a teoria palocciana segundo a qual o
direito adquirido pode ser questionado se o Estado entender, em sibilina avaliação,
não ter condição de mantê-lo. A teoria palocciana, descuidada de que, antes
dela, insignes juristas, ao longo de séculos, estudaram a natureza material e
formal do instituto do direito adquirido, possui três vieses. Primeiro, ao
redefinir o conceito de isonomia, murcha a bola do desenvolvimento, pois prega a
supressão de benefícios sociais e materiais que já se acham integrados ao
patrimônio individual de quem os adquiriu para, pseudamente, distribuí-los a
quem, fática e juridicamente, detém condições distintas. Nesse particular, o
ministro segue, à risca, o obsoleto manual que prescreve receita, já caduca,
de nivelar por baixo. Segundo, enfraquece não só as chamadas carreiras
funcionais públicas que exercem o poder de Estado, como também as que suportam
o peso do desempenho daquelas. E, terceiro, instaura, por óbvio, a insegurança
em importante parcela de cidadãos.
As declarações
do ministro e de outros afoitos comentaristas trazem à lembrança uma amarga e
falha experiência vivida, recentemente, em Estados totalitários. Naqueles
Estados, onde se procurou impor a falsa premissa da igualdade social plena, não
se admitiam juízes independentes. O Ministério Público, quando existente, era
um arremedo, constituindo mero apêndice formal do Executivo. As casas
legislativas eram simples homologadoras da vontade do partido e de seus
dirigentes e as forças armadas foram relegadas à subalterna função de
custodiar a nomenclatura dominante.
Porém, é
bom acentuar que a teoria relativadora do direito adquirido vem embalada na
falsa afirmação de que se está atendendo aos reclamos do povo e promovendo a
melhoria de suas necessidades. Com esse falacioso argumento, conhecida cantilena
segundo a qual o país não suporta mais manter direitos adquiridos que só
servem para garantir ‘‘privilégios’’ de poucos, e misturando,
maldosamente, situações previdenciárias díspares, se inicia a lenta e
gradual demolição do Estado Democrático de Direito.
Em tempos
estranhos como estes, não se deve esquecer a advertência do moleiro ao rei da
Prússia, na famosa contenda que com ele manteve em defesa de seu moinho de
trigo e de suas terras. Pressionado a vendê-los, desabafou com esta frase:
‘‘Lembre-se majestade, temos juízes em Berlim‘‘. Face à firme
demonstração de confiança nos juízes, o rei não mais tentou adquirir a
propriedade, ao contrário, tornou-a símbolo do respeito à lei e à Justiça,
em terras de seu reino. Parafraseando o moleiro, ouso dizer: ainda temos juízes,
parlamentares e Ministério Público no Brasil.
1ª quinzena - O Cade e a Justiça
Por
Maria Paula Dallari Bucci
Procuradora-geral do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade)
"Já é hora de nos acostumarmos com o fato de que o recurso ao Judiciário é um atributo inerente a qualquer democracia"
O Conselho
Administrativo de Defesa Econômica (Cade) foi criado em 1962 e assumiu a forma
de autarquia, com suas feições e atribuições atuais em 1994, com a Lei nº
8.884. Constitui-se de um colegiado, com poderes decisórios, integrado por seis
conselheiros e um presidente. As decisões do Cade são o fecho de processos que
se iniciam na Secretaria de Direito Econômico (SDE), do Ministério da Justiça,
onde começa a instrução, depois completada pela Secretaria de Acompanhamento
Econômico (Seae), do Ministério da Fazenda. O conjunto desses três órgãos
forma o chamado Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência (SBDC).
A defesa da concorrência é direito difuso ("a coletividade é a titular
dos bens jurídicos protegidos por esta lei", parágrafo único do artigo 1º
da Lei nº 8.884/94), fundado no artigo 170, inciso IV da Constituição Federal
de 1988. Em nome dele, o Estado, por suas autoridades administrativas, interfere
sobre a liberdade econômica privada de cidadãos e empresas. Faz isso seja
fiscalizando condutas anticoncorrenciais - cujo exemplo mais visível é o
cartel -, seja controlando as estruturas de mercado, visando impedir a formação
de concentrações econômicas dominantes.
A atuação não apenas do Cade, mas do SBDC, como não poderia deixar de ser,
é pautada pelo princípio da legalidade. A Lei nº 8.884/94 e as normas
regulamentares prevêem os procedimentos, multas e sanções aplicados pelo
sistema. Mas, considerando que a atuação do sistema atinge a esfera
empresarial privada, é compreensível que suas decisões sofram resistências.
Basta verificar a magnitude dos interesses em jogo. Aquisição de supermercados
e fusão das duas maiores empresas de aviação aérea do país são alguns
exemplos de análise de concentração de mercado. No caso das condutas, o
quadro é ainda mais sério, se considerarmos, por exemplo, a denúncia de formação
de cartel em apuração contra as maiores siderúrgicas em atuação no Brasil,
Gerdau e Belgo Mineira, ou os processos contra cartéis de postos de gasolina, já
condenados pelo Cade nas cidades de Florianópolis e Goiânia.
A discussão, em juízo, das decisões administrativas do Cade não é alta nem
significa que seus processos sejam errados ou imperfeitos. Já é hora de nos
acostumarmos com o fato de que o recurso ao Poder Judiciário é um atributo
inerente a qualquer democracia. Aliás, é um dos três pilares da noção de
Estado de direito, ao lado dos direitos e garantias e do princípio da
legalidade. Os Estados que convivem com essa noção basilar têm fortalecida
a cidadania nas suas fronteiras.
A auto-executoriedade das decisões administrativas não tem nada a ver com a
inafastabilidade do controle jurisdicional, que é um direito do cidadão,
assegurado pelo inciso XXXV do artigo 5º da Constituição. Nem significa que a
credibilidade da autoridade antitruste dependa da aceitação passiva de todas
as suas decisões. No que diz respeito ao sistema brasileiro, pode-se dizer que
o questionamento judicial das decisões do Cade tem se revelado um saudável
teste das instituições democráticas, pelo qual têm sido, em regra,
chanceladas as decisões administrativas.
As decisões do Cade condenando empresas pela apresentação intempestiva de
atos de concentração têm sido, em sua significativa maioria, confirmadas pelo
Poder Judiciário. Embora nenhuma sentença judicial tenha transitado em
julgado, e mesmo considerando que os critérios de intempestividade vêm sendo
revistos pela autarquia, é ilustrativo referir que, dos 11 processos em curso
versando essa matéria, o Cade obteve ganho de causa em sete e está recorrendo
nos demais. Sobre a taxa processual do Cade (Lei nº 9.781/99, alterada pela Lei
nº 10.149/00), ainda não há decisão judicial, mas apenas algumas liminares.
Quanto ao conflito de competência com o Banco Central, o único processo
judicial em que isso foi discutido, ainda pendente de recurso, deu ganho parcial
à impetrante, para suspender a multa, embora reconhecendo, na mesma linha do
Ministério Público, que "não há motivo para privilegiar o setor
financeiro, que necessita sim de um órgão autônomo e imparcial para o seu
controle e julgamento no que diz respeito ao abuso de poder econômico. Note-se
que o Banco Central não tem atribuição nem estrutura para realizar
julgamentos sobre a matéria. A propósito, nos parece muito oportuno submeter
as operações envolvendo instituições financeiras ao Cade, já que, como órgão
colegiado de julgamento, sujeita-se menos às pressões externas e não é
responsável por política econômico-financeira." (Mandado de segurança
nº 2002.14981-0, 3ª Vara Cível da Justiça Federal no Distrito Federal).
Finalmente, alguns números falam por si sobre a legitimidade da atuação do
Cade. Do total das multas aplicadas em 2001, 71,4% foram pagas
administrativamente (R$ 3.800.000,00). Em 2002, 62% das multas foram pagas sem a
mediação do Poder Judiciário (R$ 5.400.000,00). Os valores dessas multas têm
sido a principal fonte de recursos do Fundo de Direitos Difusos, respondendo por
95% do total apurado pelo Fundo em 2001 (R$ 6 milhões e R$ 600 mil).
Esses dados mostram que a atuação de qualquer órgão administrativo de defesa da concorrência enfrenta interesses econômicos poderosos e exige respeito à lei, apuro técnico, conhecimento e sobretudo equilíbrio e serenidade para a intervenção no domínio econômico na justa medida da preservação dos interesses da coletividade, o que têm sido a linha de conduta do Cade no Brasil.
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