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- Setembro / 2003 -
Nota da
redação:
Todas as
matérias publicadas são de propriedade de seus respectivos autores,
aqui reproduzidas na íntegra gratuitamente e de caráter meramente
informativo.
2ª quinzena - A nulidade no registro imobiliário
Clarindo
Ferreira Araújo Filho
Bacharel em Direito
O ato registrário tem natureza administrativa além do caráter publicista dos
serviços prestados pelos operadores do Direito e encarregados do registro
imobiliário. Como função administrativa que é, tem o poder público,
diretamente, ou por intermédio dos agentes delegados, o dever de observância
à lei, e para tanto a obrigação de invalidar os atos eivados do vício de
nulidade. Tese reforçada pelo art. 214 da Lei de Registros Públicos — Lei nº
6.015/77. Coaduna-se com essa linha Clito Fornaciari Júnior, em trabalho
publicado na Revista de Direito Imobiliário, vol. 12, p. 18-27, ao consignar
que a função do registrador não é verificar a correspondência entre a
vontade real das partes e aquela retratada no título. A missão do registrador
é a de assegurar os direitos inscritos, extirpar os vícios do registro e não
os fatos mencionados na inscrição.
Os atos
eivados de vício devem ser rechaçados do mundo jurídico em obediência ao
princípio da própria legalidade. Este, previsto no art. 37 da Constituição
Federal de 1988, exige o restabelecimento da lei havendo ofensa à ordem jurídica.
Como se vê, há constante tensão entre esse princípio e a segurança jurídica,
entendida esta como a estabilidade das situações favoráveis nascidas ao
amparo dos atos dos quais se originou. Manter a segurança jurídica como caráter
intransponível de estabilidade é afrontar o próprio princípio da legalidade
de onde ela provém.
Pontes de
Miranda doutrina que o registro de imóveis ‘‘é o ofício público em que
se dá publicidade a atos de transmissão dos bens imóveis e aos direitos reais
sobre imóveis ou a negócios jurídicos que a eles interessem’’. Na esteira
do art. 236 da CF/88 e das leis regulamentadoras — Lei nº 6.015/73 e Lei nº
8.935/94 —, a prática dos atos administrativos e as regras aplicáveis aos
registros submetem-se, com temperamentos, às regras do art. 37 da CF/88, eis
porque, em razão do caráter público da atividade registral, regem-se pelo
princípio do controle administrativo.
Interessa-nos, no momento, as nulidades exclusivamente formais, pois, como resta
sabido, o direito imobiliário registral tem como sistema a forma, segundo
solenidade e princípios específicos, cuja não-observância acarreta conseqüência
de invalidade.
O
reconhecimento administrativo da nulidade não está reservado tão-somente ao
juiz. A nulidade do ato registrário implica uma retificação, cujas regras
autorizam ao oficial registrador a retificação de ofício em caso de erro
evidente. Assim, parafraseando Afrânio de Carvalho, a retificação
administrativa dirige-se sobretudo ao registro para expungir dele duas espécies
de defeitos: a) erro de fato do registro, cuja correção não traga prejuízos
(arts. 212 e 213 da LRP), e b) nulidades absolutas do próprio ato de registro
(art. 214 da LRP).
Dessa forma,
a decretação de nulidade no Direito Registral não passa de mero procedimento
retificatório do registro e, havendo possibilidade de atingir direito de
terceiros, aplica-se a regra do 2º do art. 213 da LRP. Conclui-se que o
reconhecimento da nulidade não está reservado apenas ao juiz. Ao oficial
registrador interessa as nulidade formais. Pode utilizar-se do poder de revisão
de ofício nas hipóteses de erro evidente, embora não haja óbice ao
interessado para ingressar em juízo com a ação competente para ataque aos
aspectos materiais do ato ou negócio jurídico originário de onde se nasceu o
direito.
1ª quinzena - O bem imóvel no novo código civil
Por Clarindo Ferreira Araújo
Filho
Advogado
A Constituição Federal de 1988 — nos primados dos Direitos e Garantias
Fundamentais — estabelece em seu artigo 5º, caput, a igualdade entre
brasileiros e estrangeiros, nos termos da lei, assegurando a todos a
inviolabilidade à propriedade.O direito à propriedade é previsto na Constituição
— ápice do ordenamento jurídico —, como um dos pilares dos direitos e
garantias fundamentais do indivíduo, assim como o direito à vida, à
liberdade, à igualdade e à segurança.
A propriedade
dos bens imóveis se exterioriza com o registro do título (judicial ou
extrajudicial) no Cartório de Registro de Imóveis de situação do bem (arts.
1.225 c/c 1.227, e 1.245 e parágrafos da Lei 10.406/2002 — Código Civil
Brasileiro).
A Lei de
Registros Públicos - LRP (Lei 6.015, de 31 de dezembro de 1.973), em seu artigo
221 e seguintes prescreve os títulos sujeitos a registro, através dos quais, o
imóvel — descrito e individualizado — se vincula ao dono que livremente
poderá usar, gozar e dispor da coisa (art. 1.228 do CCB).
Um dos pontos
que merece análise no Direito Imobiliário Registral, com a nova sistemática
introduzida pelo Código Civil Brasileiro, é o relativo às doações feitas
pelos ascendentes aos descendentes (art. 2.018 do CCB) e a imposição das cláusulas
restritivas a esses bens.
O Código
Civil revogado permitia ao testador a imposição das cláusulas de
inalienabilidade temporária ou vitalícia e impenhorabilidade sobre a
totalidade dos bens do espólio (art. 1.723 do CCB revogado). Vale lembrar a Súmula
49 do STF, in verbis: ‘‘A cláusula de inalienabilidade inclui a
incomunicabilidade dos bens’’.
Com imposição
legal dessas cláusulas restritivas, o doador visava resguardar os herdeiros dos
infortúnios e penúrias da vida, visto que um herdeiro mais desidioso poderia,
sem a imposição delas, dilapidar seu patrimônio. O novo Código Civil proíbe
a imposição desses gravames sobre os bens da legítima, salvo havendo justa
causa, declarada no testamento (art. 1.848, caput do CCB).
A proibição
se restringe ao testador e à legítima. Não alcança a parte disponível nem o
doador, já que este, na deixa testamentária (da metade disponível), e, por óbvio,
por ato de liberalidade, pode impor esses gravames. Corrobora essa linha de
raciocínio, o previsto no artigo 1.911 do CCB ao estabelecer que a cláusula
restritiva de inalienabilidade, imposta aos bens por atos de liberalidade,
implica a impenhorabilidade. Transcrição da Súmula 49 do STF no texto do novo
Código.
A não-restrição
à legítima se justifica, visto que se refere à quota legalmente reservada
sobre a universalidade dos bens do espólio. Nos casos em que se admite a imposição
dos gravames, no entanto, essa imposição não é empecilho à livre disposição
dos mesmos bens por testamento, ou em falta deste, a sua transmissão desembaraçada
de ônus aos herdeiros legítimos, uma vez impostos para viger por um período
ou ao tempo de vida do beneficiário. Assim, o termo final ou a morte do
beneficiário extingue o gravame imposto, com a observância de não poder
ultrapassar uma geração.
Depreende-se
da novel legislação o atendimento aos reclamos da sociedade, cujo interesse público
sobrepõe ao caráter nitidamente individual. É dentro desse aspecto
interpretativo que a codificação atual tem caráter edificante, aberto e
pulsante, em oposição à sistematização do revogado Código, cujos ditames
mostravam-se engessados, hermeticamente fechados com preciosismo e formalismo
exacerbados.
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