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- Direito & Defesa do Consumidor -
Junho / Julho de 2002

Nota da redação: Todas as matérias publicadas são de propriedade de seus respectivos autores,
 aqui reproduzidas na íntegra gratuitamente e de caráter meramente informativo.


Julho/2002 - Jurisprudência...
Demissão por justa causa - uso irregular do correio eletrônico (e-mail):

Decisão inédita na justiça brasileira reconhece direito de demissão por justa causa de funcionário devido ao uso irregular do correio eletrônico. Em 2000, um analista de sistemas do HSBC Seguros Brasil foi demitido por justa causa, pois enviou através do sistema da empresa mensagens com conteúdos pornográficos. Nesta semana, a 3ª Turma do Tribunal Regional de Brasília reconheceu, por unanimidade, a decisão tomada pela empresa, segundo matéria do site Consultor Jurídico.

O advogado Ricardo Reis Gomes, especialista em direito de Informática, diz que a decisão do TRT abrirá jurisprudência no país sobre a possibilidade de interceptação do e-mail, pelo empregador, sem mandado judicial. "O posicionamento adotado pelo tribunal é extremamente controvertido e encontra forte oposição de doutrinadores de peso, onde uns entendem que é impossível a quebra do sigilo das correspondências, e outros, afirmam que para haver interceptação é necessário ordem judicial e existência de investigação ou processo penal".

Primeiramente, a ação do HSBC não tinha sido acolhida pela 13ª Vara de Brasília. O motivo alegado seria que as provas obtidas teriam violado o artigo 5º, inciso XII, da Constituição Federal. A empresa decidiu então recorrer e o mérito foi reconhecido, em segunda instância, pela juíza relatora da 3ª Turma do Tribunal Regional de Brasília, Márcia Mazoni.

A juíza aceitou julgar o caso, pois "todos os instrumentos são de propriedade da empresa e disponibilizados aos empregados para suas atividades". Assim, o funcionário teria cometido ato grave, que configuraria a justa causa, "tendo em vista a total quebra de confiança entre empregador e empregado, tornando impossível à relação de emprego".

Manzoni fez questão de enfatizar a responsabilidade das empresas sobre delitos e atos ímprobos cometidos por funcionários através do uso dessas novas ferramentas. O advogado Ricardo Reis explica a questão. "A CLT não possui nenhum dispositivo específico que possa ser aplicado ao mau uso do e-mail, mas dá ao empregador o poder de organizar, controlar e disciplinar o trabalho, podendo proibir certas práticas como o uso do e-mail para a disseminação de pornografia. Se o funcionário não cumpre as determinações do patrão poderá ser demitido por justa causa. Além disso, é importante lembrar que, segundo o Código Civil, o patrão responde pelos atos de seus empregados (artigo 1521, III)".

Com esta decisão, a HSBC Seguros fica liberada do pagamento das verbas rescisórias (aviso-prévio indenizado, 13º salário e férias proporcionais acrescidas de 1/3, bem como a entrega das guias de FGTS para saque, acrescido da multa de 40% e a liberação das guias do seguro-desemprego).

Outras duas grandes empresas tiveram casos semelhantes de uso indevido do e-mail. Em maio deste ano, a General Motors do Brasil demitiu 11 e advertiu outros 81 pelo mesmo motivo. Já Ford do Brasil, demitiu dois funcionários em junho também pelo envio de mensagens pornográficas.

"A melhor forma de evitar o uso indevido do e-mail é criação de uma política clara sobre a utilização dos recursos informáticos da organização demonstrando qual o comportamento esperado do funcionário, informando, de forma inequívoca, de que o mesmo está sendo monitorado e determinando as penas para os que não observarem as normas, visto que inexistem dispositivos legais que podem ser aplicados ao mau uso do e-mail", explica o advogado Ricardo Reis.

Fonte: Módulo Security Magazine, Luis Fernando Rocha - equipe editorial


Julho/2002 - Conheça seus direitos e deveres no novo Código Civil


Luís Carlos Alcoforado, advogado, professor do UniCEUB e examinador em Direito Civil do Exame de Ordem da Ordem dos Advogados do Brasil, seção do Distrito Federal

Parte Geral

"Livro I
Título II — Das Pessoas Jurídicas
Capítulo II — Das Associações (arts. 53 a 61)

Das Associações — O novo Código Civil classificou as pessoas jurídicas de direito privado em: a) associações; b) sociedades; e c) fundações (1). Com as novas disposições legais, fez-se a distinção necessária entre associação e sociedade, que, embora pertençam, juntamente com as fundações, à classe das pessoas jurídicas de direito privado, apresentam-se como instituições diferenciadas, segundo tratamento legislativo próprio (2).

  A mudança de orientação vem abonar as advertências já expressadas, em face ao desconforto que causava na doutrina, para as inconveniências dessa comunhão de modelos institucionais, haja vista que as sociedades e as associações perseguem objetivos distintos (3). Por força da natureza e da tipicidade de cada uma, não há razão para que sejam tratadas, como se não dispusessem de traços institucionais diferenciadores, sob a regência das mesmas regras de idêntico e pleno alcance (4).

  O novo Código Civil (5), por conseguinte, tratou especificamente de cada uma das pessoas jurídicas de direito privado, reservando-lhes regras exclusivas (6).

  Conceito — Considera-se associação (7) a união jurídico-social de pessoas que se organizam, mediante regras legais, para a persecução de certo e determinado objetivo lícito (8), sem expressão econômica. As pessoas que se organizam na pessoa jurídica de direito privado na forma de associação, para alcançar um fim lícito e legítimo, chamam-se de associados, entre os quais não há direitos e obrigações recíprocos (9).

  Na associação, as pessoas físicas vinculam-se contratualmente e aglutinam esforços, em doação à persecução de um ideário desprotegido de fim econômico, abrigado legalmente na ordem jurídica (10). Embora o Código Civil tenha silenciado, cumpre ressaltar que somente pessoas físicas podem figurar na condição de associados, razão por que a presença de pessoa jurídica no quadro associativo, ainda que na condição de categoria excepcional ou especial (11), descaracteriza a instituição, transmudando, por conseguinte, a natureza jurídica da associação. Como pessoa jurídica de direito privado, a associação nasce, legalmente, com a inscrição do seu ato constitutivo (estatuto) no respectivo registro público (12).

  Requisitos legais do estatuto — Quer a lei que o estatuto das associações contenha: a) a denominação, os fins e a sede; b) os requisitos para a admissão, demissão e exclusão dos associados; c) os direitos e deveres dos associados; d) as fontes de recursos para sua manutenção; e) o modo de constituição e funcionamento dos órgãos deliberativos e administrativos; f) as condições para a alteração das disposições estatutárias e para a dissolução.

  Denominação — Ao constituir-se uma associação, dá-se-lhe o nome pelo qual se denominará. Não há, assim, associação sem denominação, ainda que se trate se associação secreta com fins lícitos (13). A denominação representa a identificação e, não raro, revela, expressamente, o objetivo e a finalidade da associação.

  Finalidade — Toda pessoa jurídica tem uma finalidade, objetivo a ser alcançado em caráter perene ou transitório. As pessoas que se agrupam numa associação o fazem com o propósito nuclear de atingir um objetivo, que atenda a uma satisfação do próprio grupo associado ou a um interesse de terceiros alheios à associação, esvaziado de conteúdo econômico. Obriga-se o estatuto a insculpir, clara e objetivamente, o fim a que se destina a associação constituída.

  A associação poderá ter o objetivo singular ou plural, segundo a vontade revelada pelos associados no estatuto, o qual poderá sofrer alterações se as normas internas consentirem. Portanto, é possível que, se houver previsão estatutária, se amplie o objetivo da associação, quando singular, ou se reduza, quando plural. O que não se mostra tolerável é a configuração de finalidades antagônicas ou contraditórias de uma associação, porquanto se cuida de ambigüidade segundo a qual se esvazia a própria razão de ser da instituição.

  Se o próprio estatuto se encarregou de alçar a regra da inalterabilidade do objetivo associativo à condição de cláusula pétrea (inalterável), tolda-se, pois, toda e qualquer mudança que malfira a vontade que compôs a gênese da associação. Logo, tem-se que deliberação que vise a mudar a finalidade da associação, quando o estatuto originário consigna e veda a sua alteração, é manifestamente ilegal.

  Considera-se sede (14) o local em que se instala a associação, com a concentração de seus poderes administrativos superiores e nucleares, de que se irradiam os comandos para o cumprimento dos fins associativos. Nada obsta a que a associação, por vontade de seus membros, delibere no sentido de instalar representações, inclusive no estrangeiro, com o propósito de melhor alicerçar as condições de implementação de seus misteres.

  À falta de previsão estatutária original, é lícito que os associados, reunidos em assembléia, deliberem a implantação de representações, mediante o assentimento de dois terços dos presentes (15).

  Fontes e recursos — Ao se constituir uma associação, impõe-se, desde logo, que o estatuto decline as fontes de recursos necessários à persecução de suas causas e à sua manutenção. Sem fontes de custeio previamente arroladas, fracassa a criação de uma associação, ainda que de pequena expressão e sem grande pretensão. Nem mesmo o caráter filantropo será capaz de contornar o obstáculo quanto à necessidade de o estatuto dispor sobre a fonte de custeio da associação.

  De regra, os recursos com que se irriga a associação brotam de contribuições dos próprios associados, conforme disposto no estatuto. Os recursos que ingressam na associação devem vir de fontes lícitas, de amplo conhecimento público, razão por que se vedam contribuições secretas ou obscuras, sem o devido lastro e sem previsão estatutária.

————————————————
(1) Art. 44 do novo Código Civil.

(2) O código de 1916, Parte Geral, Livro I, Título I, capítulo II, seção III, dispõe acerca das associações ou sociedades civis, atribuindo-lhes, pois, o mesmo tratamento normativo.

(3) Como já se disse, manteve o novo código, entretanto, as associações no rol das pessoas jurídicas de direito privado (art. 44), ao lado das fundações e das sociedades.

(4) O parágrafo único do art. 44 do Código Civil diz que as disposições concernentes às associações aplicam-se, subsidiariamente, às sociedades que são objeto do Livro II da Parte Especial.

(5) No Código Civil de 1916, trataram-se, sob as mesmas regras (arts. 20 a 23), as sociedades e as associações, como se tivessem as mesmas características e propriedades, o que representava um flagrante desacerto técnico, que reclamava correção, que vinha sendo construída pela pena inovadora da doutrina. Com o novo Código Civil, porém, as duas instituições foram organizadas com a presença inconfundível da diferença que as distingue.

(6) As associações foram tratadas nos arts. 53 a 61; as fundações, nos arts. 62 a 69; e as sociedades, 981 a 1.141.

(7) São exemplos de associações: a) as associações religiosas; b) as associações estudantis; c) as associações de assistência social; d) as associações artísticas, culturais ou científicas; e) as associações desportivas; f) as associações profissionais, entre outras.

(8) A ordem jurídica, por óbvio, interdita a criação de associação cujo objeto seja ilícito, razão por que são banidas: a) as associações com fins econômicos ou que malfiram a ordem pública; b) as societas criminis ou societas sceleris, associação ou união de duas ou mais pessoas com o fim de cometer crimes (art. 288, Código Penal); e c) associação política paramilitar (art. 5º, XVII, Constituição Federal).

(9) Art. 53, parágrafo único.

(10) A liberdade de associação é plena, desde que seja para fins lícitos, vedada, contudo, a de caráter paramilitar, de acordo com o inciso XVII do art. 5º da Constituição Federal. Adite-se, também, que, na excepcionalidade da decretação de estado de defesa, seja restringido o direito de reunião, ainda que exercida no seio das associações (art. 136, 1º, inciso I, alínea ‘‘a’’ da Constituição Federal).

(11) Quando o art. 55 do novo Código Civil fala que o estatuto poderá instituir categorias de associados com vantagens especiais, decerto não quer o dispositivo legal insinuar a existência de uma classe de associados composta por pessoa jurídica.

(12) Recorde-se que o art. 45 do novo Código Civil dispõe sobre o começo da existência das pessoas jurídicas de direito privado, envolvendo, pois, as associações, as sociedades e as fundações.

(13) As associações secretas (p. ex., a Maçonaria), destinadas à propagação de ideais religiosos, filosóficos, científicos ou ideológicos lícitos, alojam-se dentro da categoria reservada às pessoas jurídicas de direito privado, desde que preencham, naturalmente, as formalidades legais para constituição regular.

(14) O novo Código Civil (art. 75) consigna que o domicílio das pessoas jurídicas é o lugar onde funcionarem as respectivas diretorias e administrações, ou onde elegerem domicílio especial no seu estatuto ou atos constitutivos. A sede se confunde, no geral, com o domicílio civil da pessoa jurídica de direito privado, de acordo com o que se estabelecer no estatuto, contrato social ou ato constitutivo equivalente. Em caso de omissão, a sede será o local em que se instalarem as respectivas diretorias e administrações. Vale acrescentar que, se a pessoa jurídica dispuser de diversos estabelecimentos em lugares diferentes, cada um deles será considerado domicílio para os atos nele praticados (art.75, 1º).

(15) Compete, privativamente, à assembléia geral a alteração do estatuto, para o que se exige ‘‘o voto concorde de dois terços dos presentes à assembléia especialmente convocada para esse fim, não podendo ela deliberar, em primeira convocação, sem a maioria absoluta dos associados, ou com menos de um terço nas convocações seguintes’’ (art. 59, parágrafo único, do novo Código Civil)".

Matéria de domínio público, publicada no jornal Correio Braziliense, encarte Direito & Justiça, de 01.07.2002.


Junho/2002 - A Constituição e a garantia do direito adquirido

Doutor Antônio Souza Prudente - Juiz do Tribunal Regional Federal da 1ª Região, mestre em Direito Público, doutorando em Direito pela Universidade Federal de Pernambuco e professor decano da Universidade Católica de Brasília.

          "Em inúmeras ações rescisórias constitucionais, em tramitação nos tribunais regionais federais do Brasil, argumenta-se que o julgado rescindendo violou a norma do art. 5º, inciso XXXVI, da Constituição Federal, pois a parte adversa — trabalhador fundista — não tinha direito adquirido aos valores correspondentes aos índices deferidos naquele julgado, atinentes aos planos Bresser, Collor I e Collor II, objeto do RE 226.855-7/RS.
  
          Desde que a Suprema Corte, no julgamento do mencionado RE nº 226.855-7/RS, negou a existência de direito adquirido do empregado a perceber os expurgos inflacionários, perseguidos nos autos, sob a nebulosa afirmação de que ‘‘não há direito adquirido a regime jurídico’’, entendo que, no caso, o julgado rescindendo, ao reconhecer o almejado direito adquirido, estaria a afirmar e não a violar o dispositivo garantidor do art. 5º, XXXVI, da Constituição da República.
  
          A norma de proteção do direito adquirido, que resulta do inciso XXXVI do art. 5º da Constituição Federal, não pode ser utilizada às avessas pela entidade administradora do FGTS, para prejudicar o empregado, que teve esse direito reconhecido por decisão judicial, com trânsito em julgado. A garantia do inciso XXXVI do artigo 5º da Carta Magna é do empregado, no caso, não podendo ser contra ele utilizada, por isso que o seu destinatário direto é o legislador ordinário, no âmbito abstrato da proteção normativa de direitos e, reflexamente, o administrador e o juiz, na esfera da proteção concreta e efetiva dos direitos fundamentais.
  
          Em Comentários à Constituição de 1967, com a emenda nº 1, de 1969, apontava Pontes de Miranda o destinatário dessa norma de proteção do direito adquirido, na fala de que, no direito brasileiro, ‘‘legislador ordinário e juiz são submetidos ao mesmo princípio, que é o do art. 153, 3º, e foi, na Constituição de 1891, o do art. 11, 3º, na Constituição de 1934, o art. 113, 3º, e na de 1946, o art. 141, 3º’’ (Editora Forense, 1987, Tomo V - RJ, p. 86).
  
          E, noutra passagem, defendendo o sistema de proteção da norma constitucional proibitiva da irretroatividade, adverte o intérprete sobre o óbice da interpretação retroativa de uma tal norma vocacionada a proteger a irretroatividade, em benefício da parte materialmente destinatária, nestas letras: ‘‘Diante dos textos legais do Estado que proíbe a retroatividade das leis, o intérprete, mesmo estrangeiro (aplicação de tais textos pelo juiz de outro Estado), não pode admitir o efeito retroativo, e ainda que se ache em regra jurídica explícita. Se o Estado permite ao legislador derrogar o princípio sobre não-retroatividade das leis (caso da França, Code Civil, art. 2, e da Constituição brasileira de 1937, de inspiração fascista) o intérprete, que não encontra, nos textos legais a serem aplicados, derrogação ao princípio, tem de reputá-los não-retroativos. Não pode o aplicador recorrer a outras regras jurídicas de interpretação ou de fontes: só a lei pode derrogar a proibição da lei. Se o Estado veda a derrogação pelo legislador (caso do Brasil, sob a Constituição de 1891, art. 11, 3º, a Constituição de 1934, art. 113, 3º, a Constituição de 1946, art. 141, 3º e sob a de 1967, art. 153, 3º), a lei que pretende derrogar a regra jurídica de não-retroatividade atenta contra a constituição. (...) A constituição de 1967, como a de 1946 e a de 1934, abandonou a referência à não-retroatividade e cogitou de direitos adquiridos, de atos jurídicos perfeitos e de coisa julgada. O sistema é, pois, o seguinte: se existe direito adquirido, a lei nova não o ofende. Se não existe, mas há ato jurídico perfeito, também até ele não vai a lei nova; se não há direito adquirido, nem ato jurídico perfeito, mas o juiz já se pronunciou a respeito, bem ou mal, e passou em julgado a decisão, não se reabre a discussão. Foi isso o que se herdou de 1934, no art. 153, 3º, de 1967, como no art. 141, 3º, de 1946, e é isso o que havemos de aplicar’’ (In op. cit. - pp. 87/88 e 91).
  
          A interpretação positiva das normas protetoras de direitos fundamentais, na visão de Gomes Canotilho, reafirma os ensinamentos de Pontes de Miranda aqui expostos, na consideração do princípio de proteção dos direitos fundamentais contra sentenças judiciais, estabelecendo-se a proibição de os tribunais violarem, através do conteúdo da sentença, os direitos fundamentais.
  
          Na lição do renomado jurista português, ‘‘a proteção assegurada pela eficácia dos direitos fundamentais perante os poderes públicos inclui a proteção através dos tribunais e contra os tribunais. Os atos jurisdicionais dos tribunais não poderão ser considerados como atos definitivos de caso julgado, se deles resultar, de forma autônoma, a violação dos direitos fundamentais. Todavia, o controlo da constitucionalidade só incide sobre a violação do direito constitucional específico (Specifisches Verfassungs recht) e não sobre a má aplicação do direito legal (einfaches Gesetzesrecht)’’. (In Direito Constitucional, Livraria Almedina, Coimbra, 1989, p. 465).
  
          À luz desses doutos ensinamentos, não se há de admitir, na espécie, a invocação de contrariedade à norma de proteção do direito adquirido, consagrada no inciso XXXVI, do art. 5º da Constituição da República, para direcioná-la em processo de retroação prejudicial ao empregado fundista, que teve essa mesma norma aplicada em seu favor no julgado rescindendo.

          A tese do direito adquirido, no amparo do dispositivo constitucional em referência, pertence, somente, ao empregado, seu natural beneficiário, que se ampara, ali, pela garantia da não-retroatividade. Não tem legitimidade constitucional a empresa administradora do FGTS para brandir o argumento de violação, na espécie, da norma do inciso XXXVI, do art. 5º da Constituição Federal, posto que fora geneticamente formada, tal norma, pelo legislador constituinte, para cumprir sempre sua vocação social, inarredável, de proteção dos direitos fundamentais, ali, consagrados e, nunca a posicionar-se na inteligência do intérprete, para negar a existência desses direitos, mormente quando já reconhecidos e declarados por decisão judicial passada em julgado, como no caso.
  
          Raciocinando, então, a contrario sensu, da tese sustentada pela empresa administradora do FGTS, no sentido de que, se o julgado rescindendo houvesse negado, expressamente, essa correção pelo IPC, nos três índices questionados, nos planos Bresser, Collor I e Collor II, e o empregado fundista tivesse apresentado recurso extraordinário ao Supremo Tribunal Federal contra esse julgado e, contrariamente, do que ali se decidiu no RE 226.855-7/RS, a Suprema Corte houvesse afirmado seu direito adquirido aos índices de correção em referência, é evidente que esse empregado estaria legitimado a ingressar com ação rescisória constitucional, com base na violação da norma do inciso XXXVI do artigo 5º da Constituição da República, para rescindir, com sucesso, o julgado violador de seu direito fundamental. Mas não fora essa a hipótese, aqui ventilada. No caso, tendo o Supremo Tribunal negado a existência de direito adquirido do empregado a esses índices de correção, que o julgado rescindendo consagrou, como tal, não cabe, por óbvio, ação rescisória do empregado, nem se afigura juridicamente possível a pretensa rescisória constitucional do Estado, pela possível má aplicação do direito legal invocado, no julgado rescindendo, pois a norma de proteção do direito adquirido (CF, art. 5º, XXXVI) não pode ser invocada para prejudicar seu beneficiário natural, o empregado, nesse caso.

          O Estado, decerto, não possui direito adquirido violado, na espécie, para invocar, em seu favor, o dispositivo constitucional em referência, e, por isso, está desautorizado, constitucionalmente, a invocá-lo às avessas, para prejudicar o empregado. Já a própria garantia constitucional da irretroatividade das normas, que resulta do preceito consagrado no inciso XXXVI, do art. 5º, da Carta Política de 1988, desautoriza, na espécie, essas ações rescisórias, posto que, no direito brasileiro, a lei só retroage para beneficiar as pessoas e nunca para prejudicá-las, como se pretende, em casos assim, através de uma interpretação teratológica do comando constitucional em evidência."

Matéria de domínio público, publicada no jornal Correio Braziliense, encarte Direito & Justiça, de 17.06.2002.

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