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Outubro / Novembro de 2002
Nota da
redação:
Todas as matérias publicadas são de propriedade de seus respectivos autores,
aqui reproduzidas na íntegra gratuitamente e de caráter meramente
informativo.
Novembro/2002 - O Direito Civil revisitado
Sílvio
de Salvo Venosa
Toda a sociedade,
de uma forma ou de outra, é diretamente atingida pela edição de um novo Código
Civil. Em qualquer país do mundo ocidental, o Código Civil representa o maior
monumento legislativo. Sua importância quanto aos efeitos diretos na vida do
cidadão é, sem dúvida, sob certos aspectos, muito maior do que a própria
Constituição. Isso porque, como sua própria denominação indica, o Código
Civil é a lei do cidadão, do homem comum, do pai, da mãe, dos filhos, do lar,
da família, enfim. Matéria
de domínio público, publicada no jornal Correio Braziliense,
encarte Direito & Justiça, de 25.11.2002.
(Advogado, juiz aposentado do Primeiro Tribunal de
Alçada Civil)
É a norma que rege dos mais simples
e comezinhos aos mais complexos contratos que circundam nossa vida. É
ordenamento que constrói a propriedade privada e seus efeitos, sua aquisição
e sua perda, a relação entre vizinhos, a responsabilidade pelos danos causados
ou sofridos, a forma de indenização pelas perdas, a modalidade de disposição
do patrimônio após a morte, entre tantos e tantos outros assuntos que nos
tocam, ora e vez em nossa existência. O Código Civil é a lei do juiz. Não há
magistrado neste país e em todo país de direito ocidental de origem romana que
possa prescindir do conhecimento fundamental da lei civil, até mesmo para
julgamentos criminais, que exigem pressupostos básicos de direito civil que
compõem descrições de crimes e possibilitam a aplicação de penas.
Pois a sociedade brasileira terá
doravante, a partir do início de 2003, um novo Código Civil. Durante
praticamente todo o século XX, o país foi regulado pelo Código Civil de 1916.
Esse código, fruto do projeto apresentado por Clovis Bevilaqua, pontilhado com
a maestria intelectual de Ruy Barbosa, foi um monumento legislativo, respeitado
inclusive por juristas estrangeiros, que sempre elogiaram o fato de ser uma lei
autêntica e não mera cópia servil dos modelos principais da época, o código
francês, mais antigo, e o código alemão, mais recente, como ocorreu com a
maioria dos códigos latino-americanos. O fato é que todas as gerações de
juristas e operadores do direito dos últimos oitenta anos foram formadas sob a
batuta desse código. O Código Civil, na verdade, estrutura o raciocínio do
jurista, do juiz e do advogado; é, de forma mais singela, pressuposto lógico
de seu trabalho.
Pois estamos agora, definitivamente,
após mais de duas décadas de tramitação do projeto, no limiar da vigência
do novo Código Civil, o Código de 2002, a lei do novo século. A primeira
indagação do leigo ou iniciante das letras jurídicas é, sem dúvida, no
sentido de saber se com o novo diploma legal haverá uma revolução na legislação
brasileira, se tudo que a lei antiga representou em matéria de princípios
fundamentais ou de particularidades é modificado.
Como o próprio título desse ensaio
sugere, não há qualquer traumatismo no conhecimento e na aplicação da nova
lei. Primeiramente porque a estrutura do Código de 1916 é mantida e não só,
grande porcentagem dos artigos da lei é mantida com redação idêntica, por
vezes com algumas substituições de vocábulos, para melhor compreensão atual.
Em segundo lugar porque a maioria das alterações estruturais são apenas
aparentes quanto à aplicação do direito: o novo código sintetizou na lei os
grandes caudais dos julgados, de nossa jurisprudência, consolidando enfim o que
os tribunais vinham julgando homogeneamente nas últimas décadas. Em terceiro
lugar porque coube ao novo código absorver as grandes modificações e
conquistas sociais em matéria de Direito Civil, presentes na Constituição
Federal de 1988.
Sem dúvida, pode ser afirmado que a
grande revolução do direito privado brasileiro ocorreu verdadeiramente com a
atual Constituição. Foi nessa Carta que a filiação obteve igualdade de
direitos. Não se discriminam nem social nem juridicamente os filhos, não
importando a origem e a situação dos pais. Definitivamente, essa Constituição
representou o último degrau, após tantas leis que se seguiram ao Código Civil
nesse mesmo desiderato e que paulatinamente, no curso do último século, foram
extirpando a pecha dos filhos ilegítimos, adulterinos, incestuosos e mesmo
adotivos.
Foi essa Constituição que, da mesma
forma, reconheceu direitos amplos a casais que convivem em união estável, sem
casamento. Também nesse Diploma Maior encontramos o novo direito social da
propriedade, as formas mais singelas de aquisição da propriedade imóvel por
usucapião e tantos outros. Pois esse denominado direito civil constitucional
foi evidentemente absorvido pelo novo Código Civil, sem que representasse inovação,
em algo que estava presente na legislação desde 1988.
No entanto, nessa revisita que todos
faremos, de uma forma ou de outra, ao Direito Civil, há, de fato, várias inovações,
que exigirão uma nova perspectiva da sociedade. Não se deve esquecer que nosso
velho código, do início do século XX, foi todo ele elaborado com as idéias e
ideais do século XIX: dirigia-se a uma sociedade restrita essencialmente rural,
de cunho insistentemente patriarcal; a um país de pequena população
produtiva, que acabara de sair do sistema de mão-de-obra escrava. A lei antiga
caracteriza-se por um individualismo exacerbado.
Neste início do século XXI, a nova
lei se defronta com uma vasta população urbana, com um país industrializado,
mas ainda de grande produção rural, com a nova posição da família e
principalmente da mulher na sociedade ocidental, com o desenvolvimento das
comunicações e da informática e de tantos outros aspectos, avanços e
problemas que nos cercam. O novo código possui cunho proeminentemente social e
tem em mira o interesse coletivo.
Entre as modificações da nova lei,
sentir-se-á, por exemplo, de plano, que a maioridade da pessoa natural será
doravante atingida aos dezoito anos e não mais ao vinte e um anos. O novo código
atende tendência universal do mundo ocidental, admitindo que atualmente a
maturidade é atingida cada vez mais cedo. Mas será em temas mais sensíveis
que sentiremos as alterações. Os contratos devem ser considerados células
negociais em prol da sociedade e não somente em favor dos contratantes em cujo
campo é essencial o princípio da boa-fé; a propriedade será sempre vista em
relação ao interesse coletivo; na nova família preponderará a igualdade
absoluta dos direitos dos cônjuges, apenas para destacar alguns temas.
Pois é esse novo horizonte legal que
se descortina às novas gerações. É certo que esse novo código formará uma
nova geração de juristas, que, como conhecedores do Direito, nunca esquecerão
as lições dos mestres que os precederam no curso da história. Sem sombra de dúvida,
como em toda lei dessa grandeza, há imperfeições a serem corrigidas e arestas
a serem aparadas. Há que se esquecer doravante as críticas feitas à tramitação
do projeto e à discussão sobre a conveniência ou não de termos uma nova
codificação civil.
Temos lei. O novo Código Civil já
está presente. Estamos todos convocados a revisitar o velho e tradicional
Direito Civil, proveniente do provecto direito romano e cotejá-lo com o novo
diploma. Os princípios tradicionais continuam e continuarão sempre presentes.
Temas tradicionais e outros não tanto se revestem de novas soluções, como,
por exemplo, as conseqüências da fertilização assistida e das uniões de
pessoas do mesmo sexo. No curso dos primeiros anos de julgados e de estudos sob
o novo código, os caminhos ideais serão indicados ao legislador, que sentirá
os reflexos da nova lei e outras necessidades da sociedade brasileira.
Outubro/2002
- A supressão da categoria dos bens imóveis
Por
Dr. Rogério de Meneses Fialho Moreira
(Juiz Federal e professor de Direito Civil da
UFPB)
Um dos temas que certamente renderão debates ante a vigência
do novo Código Civil é a classificação dos bens imóveis e, mais
particularmente, se persiste ou não a categoria dos bens imóveis por acessão
intelectual, ou por destinação do proprietário.
De acordo com o Código Civil de 1916, os bens imóveis estão assim
classificados:
a) Imóveis por sua natureza, previstos no inciso I do art. 43:
‘‘O solo, com sua superfície, os seus acessórios naturais e adjacências
naturais, compreendendo as árvores e frutos pendentes, o espaço aéreo e o
subsolo’’.
Ensinava Teixeira de Freitas (1) que o único imóvel por natureza
é o solo, sua superfície, profundidade e altura perpendiculares. Tanto que a
lei nova preferiu somente a ele se referir, suprimindo a referência ao espaço
aéreo e ao subsolo, que já eram objeto de várias restrições.
b) Imóveis por acessão física natural: ‘‘Tudo quanto o homem
incorporar permanentemente ao solo, como a semente lançada ao solo, os edifícios
e construções, de modo que não se possa retirar sem destruição, modificação,
fratura ou dano’’ (art. 43, II).
c) Imóveis por definição legal (ficção legal): Direitos a que a
lei, para oferecer maior segurança nos negócios, atribui natureza de imóveis.
Estavam previstos nos três incisos do artigo 44 (os direitos reais sobre imóveis
e as ações que os asseguram, o direito à sucessão aberta e os títulos da dívida
pública onerados com cláusula de inalienabilidade) e permanecem no art. 80 do
novo diploma, com exceção destes últimos (títulos clausurados).
d) Imóveis por acessão intelectual (ou destinação do proprietário):
Segundo a dicção expressa do inciso III do art. 43 eram considerados bens imóveis
‘‘tudo quanto no imóvel o proprietário mantiver intencionalmente empregado
em sua exploração industrial, aformoseamento ou comodidade’’. É essencial
o elemento intelectual (a intenção do proprietário). Exemplos clássicos são
as máquinas numa fábrica, os quadros que adornam as paredes, o trampolim das
piscinas, os santos colocados em nichos próprios etc.
Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho, em recente obra (2),
acrescentam àqueles exemplos: os aparelhos de ar condicionado, escadas de emergência
e os maquinários agrícolas. Afirmam que são as chamadas ‘‘pertenças’’.
Embora mais adiante nos ocupemos da distinção, adianto que as pertenças
(previstas no novo Código nos artigos 93 e 94 e sem disposição correspondente
no Código de 1916) não correspondem exatamente ao conceito de bens imóveis
por acessão intelectual (3).
O art. 45 do Código de 1916 permitia a ‘‘mobilização’’,
vale dizer, que os bens poderiam, também por vontade do proprietário, voltar
à natureza de móveis, verbis: ‘‘Os bens de que trata o art. 43, III podem
ser, em qualquer tempo, mobilizados’’. O dispositivo foi suprimido pelo Código
de 2002.
A categoria dos imóveis por acessão intelectual, embora
aparentemente de importância apenas didática, ganhava foros de relevância,
sobretudo quando subjacente a questão tributária.
Em sua obra Direito Civil, vol. I, Sílvio Rodrigues menciona dois
casos em que o eg. Tribunal de Justiça de São Paulo, com base naquela
classificação, decidiu matéria alusiva à incidência de impostos (se devido
o imposto sobre transmissão de imóveis, mais oneroso, ou o imposto sobre
circulação de mercadorias, menos gravoso, em hipótese de venda de fábrica em
que o negócio foi entabulado separando-se o imóvel do maquinário), embora com
conclusões distintas (4).
Ainda entre nós, Caio Mário da Silva Pereira traça os contornos
da relevância da classificação, sobretudo quanto à extensão dos objetos
compreendidos nas alienações (Instituições de Direito Civil, vol. I, 5ªed.,
Forense, p. 361).
A importância prática dos bens imóveis por acessão intelectual (Les
immeubles par destination attachés à perpétuelle demeure) também é
destacada pela doutrina francesa, conforme lição de Mazeaud e Chabas,
ressaltando principalmente as conseqüências de natureza fiscal (5).
Transcreve, ainda, vários arestos da jurisprudência francesa acerca da aplicação
concreta dos artigos 524 e 525 do Code Napoléon.
Ruggiero (6) sustenta ser importantíssima aquela categoria,
prevista no art. 817 do Código Civil Italiano.
No entanto, o dispositivo que erigia os bens à categoria de imóveis
por mera ficção da lei era muito criticado, por elastecer desmesuradamente a
noção de bem de raiz.
Orlando Gomes (7) afirma que ‘‘a categoria é exageração do
processo artificial de imobilização injustificável por duas razões: 1ª,
porque interfere na noção de propriedade, que é estranha à conceituação de
bem; 2ª, porque introduz um elemento subjetivo — a intenção do dono —,
que torna extremamente maleável o conceito de imobilização, favorecendo
conversões fraudulentas. Tais são: os animais empregados no cultivo da terra,
máquinas agrícolas, instalações, ornamentos’’.
Com o advento do novo código surge a dúvida: os bens por acessão
intelectual persistem no ordenamento jurídico?
A Lei nº 10.406, de 10.01.2002, não reproduz a classificação dos
imóveis. Limita-se a preceituar: ‘‘Art. 79. São bens imóveis o solo e
tudo quanto se lhe incorporar natural ou artificialmente’’. Os imóveis por
definição legal continuam previstos, agora no artigo 80. Também não há dúvida
de que persistem os imóveis por acessão física, em face da expressão
‘‘incorporar natural’’ (vg., árvores) ou ‘‘artificialmente’’ (vg.,
edificações).
Assim, embora a nova redação não trace a classificação
exaustiva do regime anterior, há quem sustente que todas as categorias,
inclusive a relacionada à acessão intelectual, permanecem contidas na segunda
parte do novel art. 79.
Os autores que já lançaram obras doutrinárias no mercado, até
mesmo em face do tempo exíguo que tiveram para as adaptações, no mais das
vezes, passam ao largo do tema, quando não apresentam o problema sem aprofundar
a análise, na busca de uma conclusão mais efetiva.
Arnold Wald, em seu Direito Civil (Introdução e Parte Geral,
‘‘com remissões ao Novo Código Civil’’), sequer comenta que houve a
supressão legislativa do dispositivo que embasava aquela categoria de bens.
Trata da acessão intelectual como se nada tivesse mudado (pág. 166/167).
Gagliano e Pamplona, na obra a que fiz alusão, de excelente conteúdo
doutrinário, não ressalvam que o novo texto não se refere aos imóveis por
destinação do proprietário. Como já assinalei, afirmam que se trata de
pertenças.
Sílvio Rodrigues, no volume já mencionado (p. 121), limita-se a
afirmar que o novo Código tratou a matéria ‘‘de maneira ligeiramente
diversa, não repetindo a regra do art. 43, III’’. Diz que ‘‘o tema
merece ser analisado’’ e passa a discorrer com a mesma redação das edições
anteriores, sem concluir pela permanência ou não da categoria.
Sílvio de Salvo Venosa, em sua obra Direito Civil, vol. I, ed.
2002, afirma que ‘‘essa noção também deve estar compreendida na fórmula
geral do novo art. 79 e dependerá do exame do caso concreto’’ (pág 310). E
acrescenta: ‘‘Serão o caso concreto e a definição da coisa que farão
concluir pela imobilidade’’ (pág. 311). Contudo, na mesma obra, por outro
lado, diz que ‘‘suprime-se a referência aos imóveis por acessão
intelectual, categoria que não mostrava utilidade’’(p. 313).
Maria Helena Diniz, às fls. 285 da nova edição do seu Curso de
Direito Civil Brasileiro, menciona que o dispositivo do Código de 1916 era
muito criticado, por ampliar o rol dos bens imóveis, por isso andou bem o novo
Código ao restringir, no art. 79, a conceituação de imóvel apenas ao solo e
a tudo quanto se lhe incorporar natural ou artificialmente. Mas, antes, havia
afirmado que a classificação dos bens imóveis persiste no NCC, 79, ‘‘2ªparte’’
(p. 281), sem dela excluir aqueles assim considerados por destinação do
proprietário.
Penso, contudo, que a intenção do legislador foi efetivamente
suprimir os bens imóveis por acessão intelectual, inclusive em atenção aos
reclamos da própria doutrina.
Não é razoável defender que uma ficção, amplamente criticada
pela doutrina nacional, persista, ainda que não mais prevista no direito
positivo.
Acrescente-se que, coerentemente, também foi suprimido o antigo
artigo 45, que tratava da possibilidade de voltar o bem à condição de móvel.
A solução para os casos concretos, inclusive aqueles relacionados
à tributação ou sobre a extensão do objeto dos negócios jurídicos (por
exemplo, se na venda de uma fazenda estão incluídos os implementos agrícolas,
ou se na venda de um apartamento estão incluídos os aparelhos de ar
condicionado), pode perfeitamente ser obtida com a aplicação dos princípios
atinentes às pertenças, instituto antes preconizado pela doutrina e agora
expressamente reconhecido pelo novo Código Civil, que traz inclusive a sua
definição.
Determinam os artigos 93 e 94 do Código de 2002:
‘‘Art. 93. São pertenças os bens que, não constituindo partes
integrantes, se destinam, de modo duradouro, ao uso, ao serviço ou ao
aformoseamento de outro’’.
‘‘Art. 94. Os negócios jurídicos que dizem respeito ao bem
principal não abrangem as pertenças, salvo se o contrário resultar da lei, da
manifestação de vontade, ou das circunstâncias do caso’’.
As pertenças não se confundem com as acessões. Como ensina
Ruggiero, as últimas seguem necessariamente a sorte do principal, já que não
suscetível de domínio separado. Já as pertenças são suscetíveis de domínio
autônomo, não estando necessariamente ligadas ao destino jurídico da coisa
principal (8).
No regime anterior, os imóveis por destinação do proprietário
necessariamente seguiam a sorte do bem ao qual estavam justapostos. Agora a solução
não pode mais ser a mesma. Não há previsão acerca dos imóveis por acessão
intelectual.
Como aquela categoria não subsiste, é imperativa a aplicação do
artigo 94. Aqueles bens móveis que ‘‘se destinam, de modo duradouro, ao
uso, ao serviço ou ao aformoseamento’’ de um imóvel não adquirem também
a natureza de imóvel. É mera pertença e, como tal, via de regra, ao contrário
do que ocorria na sistemática anterior, não estão compreendidos nos negócios
jurídicos relacionados ao principal.
Durante a Jornada de Direito Civil, realizada pelo Superior Tribunal
de Justiça e Conselho da Justiça Federal, em Brasília, no período de 11 a 13
de setembro de 2002, defendi aquele entendimento perante a Comissão da Parte
Geral, que tive a honra de integrar, tendo sido aprovado o seguinte enunciado,
nos termos em que apresentei:
Enunciado: ‘‘Não persiste no novo sistema legislativo a
categoria dos bens imóveis por acessão intelectual, não obstante a expressão
‘tudo quanto se lhe incorporar natural ou artificialmente’ constante da
parte final do Art. 79 do Código Civil de 2002’’.
Em resumo, não é necessário valer-se de uma ficção (que não
mais se pode sequer chamar de legal), para considerar imóvel o que não tem
aquela natureza. Basta que, no caso concreto, se decida se se trata ou não de
pertença e se há lei ou manifestação de vontade, ou ainda indicação pelas
circunstâncias do caso para que se encontre a solução jurídica a reger a
questão enfrentada.
1 — Conf. Sílvio Rodrigues, Direito Civil, vol. I (parte geral), 32ªedição,
de acordo com o novo Código Civil, p. 122.
2 — Novo Curso de Direito Civil, vol. I (parte geral), Saraiva, 2002, p. 267.
3 — A distinção é traçada por Roberto de Ruggiero in Instituições de
Direito Civil, vol. 2, 1a ed., 1999, traduzida por Paolo Capitanio e anotada por
Paulo Benasse, ed. Bookseller, pág 420.
4 — ‘‘A ficção da lei, todavia, opera como se fosse verdade — tantum
operatur fictio in casu fictu quantum veritas in casu vero — e gera conseqüências
jurídicas, como se aqueles objetos, móveis por sua natureza, fossem imóveis.
Exemplo característico dessa afirmativa encontra-se no seguinte aresto do
Tribunal de São Paulo (RT, 175/340). O dono de um curtume, querendo aliená-lo
e no intuito de pagar menor tributo por ocasião da venda, dispôs separadamente
dos maquinismos e do imóvel. Sobre a venda dos primeiros pagou apenas o Imposto
de Vendas e Consignações (mais reduzido), pagando a sisa tão-só sobre o preço
do prédio. Reclamou a Fazenda Pública o pagamento da sisa também sobre o preço
dos maquinismos, alegando que, nos termos do art. 43, III, estes eram imóveis
por destinação do proprietário, sujeita, portanto, sua alienação, ao
pagamento do imposto de transmissão inter vivos. Tal razão foi acolhida pela
Corte. Outro julgado aplica a regra do art. 45 do Código anterior, embora se
trate de hipótese parecida com a primeira (RT, 116/183). Um industrial,
desejando desfazer-se de sua indústria, desmontou suas máquinas e as vendeu.
Ainda aqui a Fazenda Pública reclamou o imposto de sisa, alegando tratar-se de
imóvel por acessão intelectual. O Tribunal repeliu sua demanda, entendendo
que, desmontadas, as máquinas readquiriram a qualidade de móveis, não
estando, portanto, sujeitas àquele tributo’’ (op. Cit. 32ªed., vol I, p.
124/125).
5 — ‘‘Cependant, cette question a souvent une grande importance sur le
plan pratique. Lorsque l’immeuble est vendu sans aucune précision, les
meubles attachés au fonds étant immobilisés sont considérés comme vendus
avec l’immeuble. Ainsi, l’acquéreur du château de Pontchartrain
revendiquait de très belles tapisseries, qu’il prétendait attachées au
fonds (2e espèce rapportée). De même, les meubles devenus immeubles par
destination se trouvent hypothéqués avec l’immeuble et seront saisis en même
temps que lui. D’autre part, les droits fiscaux dus à l’occasion des ventes
immobilières sont beaucoup plus élevés que ceux qui grèvent les ventes
mobilières ; aussi l’Administration de l’Enregistrement tent-t-elle souvent
de faire attribuer aux meubles qui sont vendus en même temps qu’un immeuble
le caractère immobilier’’, in Leçons de Droit Civil, Introduction à l’étude
du droit, 10a édition, p. 301.
6 — op. cit. pág 420.
7 — Introdução ao Direito Civil, 7ªed., Forense, p. 190.
8 — Op. cit., p. 420.
Matéria de domínio público, publicada no jornal Correio Braziliense, encarte Direito & Justiça, de 14.10.2002.
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