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- Direito & Defesa do Consumidor -
01.08.2004

Por Antonielle Julio
OAB/MG 89.236, é advogado militante em Brasília junto aos escritórios Sena - Advogados Associados, Mult & Associados, professor de Direito Civil ah hoc do Curso Preparatório Obcursos e de Direito Civil da Universidade Paulista - UNIP.


A INTERVENÇÃO DO ESTADO NO DOMÍNIO ECONÔMICO: O PAPEL DO ESTADO ATUAL

Introdução

                            O Estado principalmente no século passado, século XX, veio tendo papel importante no relacionamento entre o domínio jurídico e o econômico.

Tal aceitação, a despeito de posições contrárias, vinha sendo aceita pacificamente, mas atualmente passou a ser questionada, principalmente sobre o papel do Estado na realização do fenômeno econômico e qual o seu futuro numa economia de mercado de caráter multiforme e em constante mutação.

Claro que uma análise desse nível deve de antemão considerar tanto o fenômeno jurídico, ou seja, a jurisdicização, quanto o fenômeno econômico, não se restringem a contornos lógicos e imutáveis, mas antes, se amoldam ao período histórico ou mesmo corte epistemológico, dentro da relação entre o direito e a economia num lapso temporal de desenvolvimento.

A experiência vivida pelo Estado, não serve para formalizar modelos de atuação, mas meramente, para acumular experiências e aprendizados, que podem implicar, em certos períodos, a conclusões que remetam o Estado a aumentar ou diminuir sua intervenção, conforme se mostre o fenômeno econômico.

Dessa forma, preambularmente, para que se trace um estudo a respeito da intervenção do Estado no Domínio Econômico, necessário que antes se faça uma análise entre a relação do direito com a economia.

                            E, claro, para que se inicie tal pretensão, necessário antes uma volta resumida pelo contexto histórico que cerca o tema.

1. A ATUAÇÃO DO ESTADO NO DOMÍNIO ECONÔMICO: CONTEXTO HISTÓRICO

                            Para melhor entender o papel atual do Estado no Domínio Econômico, para se apreender o âmago de seu lugar no mercado, vamos por uma vereda que remonta a própria história do ente chamado Estado.

A cada passo da sucessão dos momentos históricos será possível detectar uma razão jurídica, que é o fruto da ação hermenêutica que dá origem ao ordenamento jurídico criado pelo Estado em cada corte histórico.

Existe, portanto, uma sucessão de eventos em que direito e economia verdadeiramente se confrontam, numa perspectiva integracionista, dando conta das razões jurídicas da própria intervenção estatal em cada período histórico.

Impossível começar tal raciocínio senão pela formação dos chamados Estados Modernos, principalmente por que a partir desse período começaram a delinear-se as diversas formas de atuação do Estado na condução das políticas econômicas.

                            Como meros exemplos, citamos a Inglaterra de Henrique VII (1485-1509) ou mesmo a França, durante o Reinado de Luis XI (1461-1483) durante os períodos de suas unificações, com as derrocadas do Feudalismo bárbaro e da política dele originada que se concretizava em elemento de entrave.

O mercantilismo surge em meados desse período como reflexo das concepções ideológicas daquele momento. A idéia de nacionalidade começa a firmar-se e o Estado propõe-se se solidificar perante as nações estrangeiras, assumindo para si todos os ônus decorrentes das despesas públicas, do comércio internacional, pela busca de riquezas, dando nascedouro ao espírito capitalista. [1]

E esse espírito capitalista já nasce trazendo consigo toda a concepção dele mesmo enquanto um sistema econômico baseado na propriedade privada dos meios de produção, do acúmulo de poupanças e a busca de investimentos para a organização de um mercado livre ou liberal.

Ora, o sistema econômico desse período merece ser comparado com o sistema atual do ponto de vista que tanto o daquele período da história média, quanto o atual, se mostra enquanto um conjunto coerente de estruturas econômicas, institucionais e, claro, jurídicas, sociais, organizadas com a finalidade de assegurar a realização de um determinado numero de objetivos econômicos voltados, claro, para o bem-estar social.

Do prisma jurídico, temos que o capitalismo erigiu enquanto estandarte a proteção da propriedade privada dos meios de produção na busca por um fortalecimento do mercado liberal.

No sentido econômico, esse sistema se manifesta como o sustentáculo da própria economia de empresa ou de mercado.

Mas, o período do mercantilismo acabou suplantado por novas idéias que se sobrepunham ao seu arcaico pensamento de aglutinação desenfreada sem um comércio saudável aliado a um forte pensamento xenofóbico, o que sem dúvida incentiva as rivalidades entre internacionais.

Essas novas idéias vieram a galope, lideradas principalmente por Adam Smith, sob o manto do chamado liberalismo econômico puro, que se assentava sobre os princípios do liberalismo filosófico e político trazidos principalmente pelos ideais dos jusnaturalistas do século XVII, em que se exaltava a supervalorização do trabalho individual, e a revolta contra os privilégios da nobreza.

O liberalismo dessa época caracterizou-se pela defesa do princípio segundo o qual o desenvolvimento econômico far-se-ia em consonância com as leis naturais do mercado, o que levaria fatalmente a uma situação de equilíbrio entre os integrantes do mercado, com frutos positivos para a sociedade que se enriqueceria, sem que o Estado interferisse funcionalmente no mercado.

O melhor entendimento desta propositura se encontra na voz do próprio Adam Smith [2]:

Portanto, sem qualquer intervenção da lei, os interesses privados e as paixões dos homens levam-nos, naturalmente, a dividirem e a distribuírem o capital de qualquer sociedade entre os diferentes empregos com ele realizados, tanto quanto possível, na proporção mais vantajosa para o interesse de toda a sociedade.”

As várias regulamentações do sistema mercantil vêm, necessariamente, perturbar mais ou menos esta distribuição natural e muito vantajosa do capital”.

Eis aí a noção mais cristalina do manto do liberalismo.

Smith coloca que o trabalho de cada individuo contribui para seu enriquecimento íntimo o que, segundo a idéia de Adam, interferiria diretamente no bem-estar social. Assim o governante, ou porque não dizer, o Estado, não deveriam interferir, de forma alguma, nesse processo natural de desenvolvimento do mercado:

Cada individuo esforça-se continuamente por encontrar o emprego mais vantajoso para qualquer que seja o capital que detém. Na verdade, aquilo que tem em vista é o seu próprio benefício e não o da sociedade. Mas o Juízo da sua própria vantagem leva-o, naturalmente, ou melhor, necessariamente, a preferir o emprego mais vantajoso para a sociedade”.

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Portanto, como cada individuo tenta, tanto quanto possível, aplicar o seu capital no apoio à industria interna e, por conseqüência, dirigir essa industria de modo a que a sua produção tenha o máximo valor, cada um trabalha necessariamente, para que o crédito anual da sociedade seja o maior possível. Na realidade, ele não pretende, normalmente, promover o bem público, nem sabe até que ponto o está a fazer. Ao preferir apoiar a industria interna em vez da externa, só está a pensar na sua segurança; e, ao dirigir essa industria de modo que a sua produção adquira o Maximo valor, só está a pensar no seu próprio ganho, e neste, como em muitos outros casos, está a ser guiado por uma mão invisível a atingir um fim que não fazia parte de suas intenções”. [3]
 

Esse período foi sendo sedimentado principalmente com o movimento constitucionalista do século XIX, cuja característica principal foi estar impregnado do liberalismo. Exemplo forte disto foram as constituições brasileiras de 1824 e de 1891 que se basearam no princípio básico do liberalismo econômico e que serve de distintivo para o capitalismo: o princípio da propriedade individual dos bens de produção.

Contudo entendemos que neste período o Estado não se encontra totalmente alienado, mas antes assume uma função fundamental, qual seja a de garantidor da liberdade de mercado.

Essa concepção atomista do liberalismo, de liberdade, garantia e proteção do indivíduo no âmbito do mercado, acabou quedando-se inerte pela ação da história.

No final do século XIX, com o final do ciclo da revolução industrial, as unidades mercantis, se unem em grupos, e forçam para formar um Estado industrial.

Com o surgimento desses grupos, começam os questionamentos sobre a fragilidade do modelo liberal.

No período entre guerras uma acirrada crise, já iniciada desde antes da 1ª, se torna crônica, e com o fenômeno jurídico em franco confronto com o fenômeno econômico, o Estado se vê obrigado a agir.

Age com o surgimento de uma nova temática jurídica, um novo Direito e a imperiosidade da intervenção do Estado no Domínio Econômico. [4]

E esse período se estende até nossos dias atuais, salvo por aperfeiçoamentos e melhoramentos, pelos quais veio passando por causa das incríveis necessidades do mercado.

2. O PAPEL DO ESTADO ATUAL NA INTERVENÇÃO NO DOMÍNIO ECONÔMICO FRENTE AO FENÔMENO DA CONCENTRAÇÃO CAPITALISTA 

A idéia do welfare state (o Estado do bem-estar social) não morreu.

Foi uma resposta adequada, não convincente, mas adequada, para colocar o mercado em consonância com as novas aspirações.

O Estado se viu em crise, pois os setores sociais foram sendo sucateados em nome de um liberalismo, uma mão invisível, que jamais existiu.

O Estado garantidor cai por terra fazendo surgir um Estado interventor principalmente, nos setores da economia, de forma a implantar uma ordem jurídica que lhe desse totais poderes para conduzir a ordem econômica, de acordo com a mutação que adviesse dentro de um curto espaço de tempo.

Ledo engano, se acreditarmos que o fenômeno da concentração foi mero apanágio para uma falsa proteção de mercado.

Não foi isso. Antes, o que houve foi a formação de grandes grupos, verdadeiras oligarquias mundiais, controladoras do mercado, que tinham e têm aos seus pés, os Estados mais fragilizados, como é o caso do Brasil, que age, ou intervém na sua economia, não em busca do ideal “smithiano” do desenvolvimento conjunto, mas sim, em prol dos grandes interesses predominantes e controladores.

A grande mágica foi a desestruturação do Estado no setor social, para enfraquecê-lo e desviar sua atenção enquanto novos poderes emergiam da escuridão.

Agora a idéia é minimizar ao máximo a ação estatal, desviando-a para os setores sociais, mas sem uma autonomia real, de modo a manter as rédeas sempre nas mãos dos detentores do capital mundial, que via de regra, vivem de embebedarem os Estados mais frágeis, com a rolagem da dívida pública.

Como quer Farjat, temos certo que o fenômeno da concentração econômica, foi preponderante para o surgimento do Direito Econômico, mas é mais certo ainda, que esse Direito, hoje vive para garantir a liberdade de mercado não em nome da soberania, mas em nome de quem tem e deve continuar investindo.

Para termos uma idéia, no ano de 1988, foi instituído o programa de desestatização da economia, visando à privatização e regulamentação.

Ora, tal política, considerada por alguns, como estratégica para dar novo papel ao Estado na sua intervenção do Domínio Econômico, não passa de engodo.

Setores estratégicos da economia brasileira, como o das comunicações foram os primeiros a serem tirados das mãos do Estado.

Não há como discordar que ao Estado foi dado o poder de continuar a fiscalizar e regulamentar a atividade econômica.

Mas como manter uma política forte, se até o capital que sustenta o país não lhe pertence???

Como manter uma economia livre e ao mesmo tempo implantar políticas protecionistas e aduaneiras, sem contar fiscais, se estamos diante das pressões do mercado externo que, via de regra, detém o poder de investimento??

Sérias questões que mereceriam uma análise mais acurada noutro estudo. Deixemo-las para outra ocasião.

Da forma como a concentração econômica caminha, temos, que diversas diretrizes traçadas quando do período de transição do liberalismo para o intervencionismo caíram por terra.

As diretrizes do Tratado de Versalhes (28.06.1919), tão bem manifestadas nos movimentos constitucionalistas do México (1917), em seus art. 28 e 123, bem como na constituição de Weimar (11.08.1919) nos parecem distantes.

Por que o fenômeno neoliberal, como querem alguns, mas que não passa de mera fase do período de concentração, é nocivo demais para que tais ideais se sobressaiam.

Assinalamos que o Estado não interveio para coibir a liberdade econômica das empresas ou grupos, mas para garanti-la, salvando a liberdade de iniciativa.

Era este o ideal. A própria constituição mexicana em seu art. 27, já conferia à Nação o direito de “impor à propriedade privada as regras que dite o interesse público” e no art. 28, estabelece a proteção contra os monopólios e o combate à concentração:

Nos Estados Unidos Mexicanos não haverá monopólios nem exclusivos de qualquer espécie...”.

"A lei castigará severamente e as autoridades combaterão eficazmente toda a concentração ou açambarcamento dos artigos de consumo necessários e que tem por objetivos a alta de preços”...

                           Mas o Estado atual perdeu esses ditames de vista.

Hoje a preocupação é com uma intervenção que garanta a manutenção de um investimento estrangeiro que, via de regra, é sempre menor que a rolagem da própria dívida pública, de modo que os alicerces de países pobres como o Brasil, são frágeis, e ao menor sinal de qualquer contrariedade podem ruir.

Neste ano de eleições, as pesquisas prévias dão conta de que a verdade está conosco.

A cada notícia de que o pré-candidato “Lula” sobe nas pesquisas, grandes conglomerados ameaçam se retirar do Estado, com medo de que a política radical a ser supostamente implantada pelo mesmo importe em contrariar os interesses daqueles, que vêm no Estado Democrático de Direito, e mais, no Direito Econômico, sua válvula de escape, para garantir maiores lucros à custa de mão de obra barata.


CONCLUSÃO:

                            Antes de qualquer coisa, é preciso ressaltar que aqui, foram expostas apenas breves idéias.

Mas, de qualquer forma, foi possível mostrar que o confronto entre o fenômeno jurídico e o econômico, vieram passando por mudanças durante vários períodos históricos que se mostraram dentro do Liberalismo sem a intervenção do Estado e após, com o intervencionismo como meio fundamental de garantir a liberdade econômica.

Somos discordantes de que a Intervenção do Estado atualmente assuma a simples função de garantir o interesse público, mantendo a liberdade econômica, apesar de sua minimização.

A verdade é que o Estado foi conduzido a agir assim passando por dois pequenos períodos:

1-         O socorro ao setor social, devido à crise pela Revolução Industrial;

2-         A desestatização para cuidar desses setores através da economia, o que implicou necessariamente a 
cair nas mãos dos interesses estrangeiros, de onde vêm os recursos.

Os ideais de garantia dos valores sociais, do trabalho e da livre iniciativa, hoje, são manipulados por aqueles a quem o Estado foi obrigado a entregar importantes setores da economia.

Não há como implantar uma acirrada política intervencionista em nome do interesse público, sem perder a guerra para o setor social cada vez mais carente pelo desmantelamento do Estado, que é na verdade, dependente do interesse estrangeiro.

O que fazer é uma boa pergunta.

                           O certo é que qualquer tomada de posição no sentido de recuperar os ideais alavancados desde a Revolução Francesa, para formação de um Estado verdadeiramente intevencionista, deverão passar antes, por um túnel de crises, derrocadas e instabilidade. E ao que parece, pelo menos no Brasil, o povo não está preparado para isto.


[1] Nos diz Max Weber: “É verdade que a utilidade de uma vocação, e sua conseqüente aprovação por Deus, é orientada primeiramente por critérios morais e depois pela escala de importância dos bens produzidos para a ‘coletividade’, colocando-se, porém, logo em seguida, um terceiro, e do ponto de vista prático, mais importante critério: a ‘lucratividade’ individual do empreendimento. Com efeito, quando Deus, em cujas disposições o puritano via todos os acontecimentos da vida, aponta, para um de seus eleitos, uma oportunidade de lucro, este deve aproveita-la com um propósito, e , conseqüentemente, o cristão autêntico, deve atender a esse chamado, aproveitando a oportunidade que se lhe apresenta” (em Works of the puritam divines, I, capt. X, 1, 9 par. 24, citado por João Bosco Lepoldino da Fonseca)

[2] A riqueza das Nações. Livro IV, Cap. VII, Gulbenkian, p.199

[3] op. Cit. Pp. 755,757-758.

[4] Como nos diz Farjat: “ Os economistas colocam geralmente entre os anos 1850 a 1880 o aparecimento de um novo tipo de capitalismo (o capitalismo de grupo, ou oligopolístico, ou simplesmente "o novo Estado Industrial’), ou do verdadeiro capitalismo (a sociedade anterior sendo uma sociedade "pré-industrial"). Os juristas colocam geralmente mais tarde o período das mutações jurídicas: o período entre as duas guerras, período marcado por uma intervenção do Estado, cuja intensidade muda as estruturas jurìdicas”. (Droit Économique, 1982, p.141)

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