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- COLUNA DE ESPORTES -
"ESPECIAL"
03 / abril / 2005

AYRTON SENNA, ARROZ E FEIJÃO
Por Antônio Inácio Ribeiro, [email protected]

Meu maior idolo, tanto que dediquei meu último livro a ele, pelos 10 anos de seu falecimento. Coloco a seguir uma passagem minha com ele, que contém um erro que até hoje (fazem quatro anos que o livro saiu) ninguém comentou: diz que em 90 ele voltava da 1ª vitória, quando já tinha ganho duas vezes em Detroit. Mas a simplicidade do Beco vale a estória e que serve como homenagem a ele pois no último dia 31/3, ele completaria 45 anos. Com feijoada, bem brasileiro.

            Era o último dia de minha primeira viajem aos Estados Unidos e ainda continuava deslumbrado com tudo que tinha visto e sentido. De tão marcado, imaginava ter ido ao futuro e estar prestes a voltar. Mas quem viaja ao exterior, tem sempre emoções até o último minuto e a minha ainda não tinha terminado. Antes dele, andamos por lugares como Dallas, Fort Worth, Los Angeles, Carmel, San Francisco, Miami, Fort Lauderdalle e Orlando, alternando cidades grandes, com pequenas bonitas. Dallas com seus edifícios de vidro que encostam no céu refletindo brilho e luz para toda a cidade, além de ter a voz embargada no lugar onde mataram o primeiro presidente católico dos Estados Unidos. De Fort Worth eu nunca havia escutado falar, mas o tamanho do seu aeroporto e o espetáculo de, ao estarmos indo a noite para uma festa de rodeio, olhar para o céu e imaginar o mais estrelado do mundo e aos poucos ir percebendo que todas as estrelas se movimentavam na mesma direção, me fez pensar que eu havia bebido demais, o que não ficaria bem a um coordenador de grupo. Com o tempo fui percebendo que giravam e se dirigiam baixando para um mesmo ponto e que eram na verdade centenas de aviões, fazendo operação de descida, em um típico começo de noite das grandes cidades americanas. De Los Angeles, depois de ter conhecido o centro antigo e quase nos termos perdido em um bairro de mexicanos, fizemos o contraste conhecendo a Disneylandia original, os estúdios da Universal, Hollywood, Beverly Hills e a calçada da fama, tudo num dia só. Foi deslumbre igual ao que imagino sentiria ser convidado para assistir a cerimônia de entrega do Oscar, onde diga-se de passagem estivemos em frente e pelo lado de fora imaginarmos o que poderia ser o luxo de seu interior. Hippies, carrões, motos Harley Davidson e mansões completaram nosso êxtase.

            Da viagem para San Francisco, a estrada costeando o oceano Pacífico, que de pacífico tem muito pouco e o castelo de William Randolf Heast, o poderoso fundador de uma das maiores cadeias de jornais e TV's do mundo, que aumentou sua fama por alí ter vivido a herdeira Patrícia, que depois de sequestrada, se apaixonou pelo sequestrador e terminou presa por se tornar sequestradora também, só perdem em emoção para Carmel, a cidade de cinema que até Clint Eastwood quiz ser prefeito. Uma espécie de Petrópolis, Campos do Jordão ou Gramado no estilo, só que a beira mar. Em Carmel, além de termos nos hospedado no hotel da Doris Day, jantamos num restauarante cujo dono era amigo do Emerson Fittipaldi e nos tratou tão bem, a ponto merecer uma estória especial, que você encontrará no capítulo a seguir.

            A chegada a San Francisco daria close para um filme, tal era a imagem de seis deslumbrados brasileiros percorrendo, sem correr, a ponte Golden Gate e do outro lado tentando ver a cidade nos binóculos públicos, sem ter a moeda de 25 cents para fazê-los funcionar. Era apontar, olhar e numa fração de segundos a imagem se fechar por falta de colocação da moeda. De tanto fazer, a justificativa nos parecia até estar escrita em português, talvez pelo fato de tanto a ler-mos, ser-nos possível entender seu conteúdo, ainda que nosso ingles não fosse bom a tanto.

            Fazer o vôo de costa a costa, atravessando todo o território americano e pelas quatro horas de diferença no fuso horário, sair as seis da manhã, voar quatro horas e chegar a Miami igualmente as seis da manhã e continuar vendo o dia amanher em todo o trajeto e novamente tomar café da manhã foi outra experiência de deixar tupiniquim com pena na cabeça. Como marinheiros de primeira viagem, voando pelos céus americanos, programamos mal a viagem já que íamos para Orlando, conhecer  a outra Disney e assim tivemos que gastar mais uma passagem, que poderia ter sido economizada se tivéssemos tomado um vôo direto a Orlando, além de nos obrigar a alugar uma van para fazer o trajeto de volta. Ou foi ao contrário? A confusão foi tanta e os dez anos passados não me permitem lembrar com exatidão. Sem contar que o hotel em Orlando era muito longe de todas as atrações que pretendíamos visitar. Recordo do quilômetro que caminhavos para chegar a uma pizzaria, tentando fugir da comida americana. Depois de meia hora caminhar e meia hora esperar, provar a pizza completamente doce, nos fez pedir um taxi e ir dormir mais cedo de tanta raiva.

            De toda a viagem o que melhor lembro foram os mais de cinco quilos que perdi, sem à época estar fazendo qualquer tipo de regime. Não consguia comer quase nada, por não suportar o hábito local de colocar tempero doce em tudo e pelos doces, talvez por razões dietéticas, não serem doces como os daqui e também porque tínhamos no grupo alguns que já conheciam os EUA e um ou dois que lá inclusive já tinham morado, que em cada cidade nos diziam onde tínhamos que almoçar ou jantar. Além das naturais dificuldades com o idioma na hora da escolha, quando consequia a muito custo identificar algo para comer, o garçon me perguntava em inglês rápido, qual o tipo de molho ou se queria bem passado ou ao ponto e lá ia por terra o meu pobre inglês. Lembro de uma tentativa que fiz ao pedir o mesmo que um dos que falavam bem inglês havia pedido, emendando logo após o pedido dele um "one more for me", ao que o garçon sem entender, perguntou ao bom de inglês o que eu estava pedindo. Lembro de ter escutado algo como "me too", que só alguns anos depois vim a entender o significado.

            Em Orlando fiquei indignado por ter que várias vezes esperar quarenta a cinquenta minutos na fila para poder entrar na atração seguinte, que muitas vezes não lavava dez minutos para se ver ou terminar. Mesmo assim valia a pena, tanto que corríamos para ver se não pegavamos fila na atração sequinte. Só nas não muito boas não havia. Para passar melhor o tempo, nas de longas filas havia um locutor que de vez em quando contava aquelas piadinhas sem graça que só americano consegue rir e eu tinha que dar risada, sem ter entendido quase nada, até para os colegas de grupo não perceberem que meu inglês era pior do que eles imaginavam ser. Por sorte a viagem estava terminando e logo poderia voltar a ter paladar. Miami era a última cidade e como não me sobrava muito dinheiro tratei de comprar somente coisas úteis. Uma das que lembro era uma filmadora que tinha inacreditável tamanho, correspondendo a metade das que se via no Brasil àquela época e exatas três vezes maior das que se usam hoje. A estou guardando para em alguns anos poder vendê-la nestes lugares de antiguidades. Acho que a comprei na Victor's, não só pelo preço, mas pelo fato de ser loja para brasileiros, onde todos falavam português e principalmente porque me haviam dito que lá havia um restaurante que todos os dias servia feijoada. Não suportava mais a fome e mesmo não acreditando fui conferir. Na loja perguntei onde era o restaurante e um dos banconistas rindo e entendendo meu drama, que na verdade era da maioria, a ponto de um bom marqueteiro ter idealizado a feijoada como chamariz da loja, indicou-me a direção. Não era um restaurante, na verdade haviam quatro ou cinco mesas e uma abertura por onde uma negra simpática, com mais jeito de brasileira, passava uma bandeija pronta com a feijoada a americana.

            Respeitadas as limitações e dada o incontido desejo de comida brasileira, dei nota 10 para o prato e uma nota de 10 dólares, achando até barato o que no Brasil não passaria de um PF. Mas a sobremesa ainda seria melhor. Em um dado momento, sentou-se na mesa em frente a nossa, sozinho e com ar um tanto tímido, um tipo que à época ainda não era tão conhecido no Brasil, até porque estava voltando da segunda vitória em sua carreira de mais de quarenta e que talvez ainda nem imaginasse que viria a ser tri-campeão mundial. O próprio, Ayrton Senna. Um dos colegas perguntou se era ele mesmo e os outros dois ao vernos comentar se viraram para vê-lo, sem o menor disfarce, fazendo com que Ayrton, com seu jeito gente, que depois o notabilizaria pelo mundo, percebendo o espanto e surpresa dos dois incrédulos que acabavam de virar o rosto com sincronia, com um meio sorriso e discreto aceno nos comprimentou. Na verdade nem sabíamos que no dia anterior ele havia vencido o Grande Prêmio dos Estados Unidos, naquele ano disputado no circuito de Phoenix, no deserto do Arizona.

            Com a mesma discrição que chegou, se retirou, sem que houvéssemos percebido, até porque decidimos repetir a feijoada, mais pela fome do que por sua excepcional qualidade, o que logicamente não aconteceu com nosso astlético campeão. O dia passou e inexperientes fomos para o aeroporto com duas horas de antecedência, como recomendavam as intruções da passagem. Desnecessário dizer que fomos os primeiros a chegar e não encontramos o balcão da Varig para check in. Lógico, os funcionários de lá tambem eram brasileiros e ainda não haviam chegado para colocar a plaqueta indicativa. Fomos para a sala de embarque assim que o alto falante chamou pela primeira vez. Logicamente, de novo, os primeiros a chegar. Nosso consolo foi ver meia hora depois, o futuro ídolo dos domingos, tranquila e humildemente sentado em cima de sua mala de mão, que mais parecia um saco de dormir. Como ficávamos o tempo todo olhando para ele e algumas vezes o apontando, em um dado momento ele nos repetiu o aceno e esboçando um sorriso fez um sinal de positivo, que muitas vezes depois nos levou a emoções pelo mundo, na voz de Galvão Bueno e uma bandeira do Brasil a tremular. Não resisti, peguei um papel e caneta e num autêntico estilo fã, fui pedir-lhe um autógrafo, ao que ele, solícito e atencioso prontamente atende, alertando-me: "Vê lá o que você vai fazer com a minha assinatura". Inocente contei-lhe que era para um irmão fanático por corridas de automóveis, ao que ele de novo me gozou: "Engraçado, ninguém pede um autógrafo para sí, sempre é para um filho ou outra pessoa". 

            Naquele momento não poderia imaginar que estava falando com um dos maiores ídolos que este país já conheceu. Só tive emoção maior naquele fatídico primeiro de maio! Quando já estava me imaginando alguém importante, alí conversando com Ayrton Senna, chamaram para embarque e ele se foi para a primeira classe e nós para a econômica...


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Um abraço e até a semana que vem,     
Fernando Toscano                    


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