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Stop
and Go
"O
prazer é único, não se repete. A alegria repete-se sempre.
Basta lembrar". (Rubem Alves)
Eu morava em uma casa que tinha uma ampla área envidraçada na sala de
estar. Não havia momento mais agradável na semana do que os sábados pela manhã,
fosse verão ou inverno, quando o sol invadia o ambiente trazendo luz e calor.
Em uma das empresas nas quais militei, uma daquelas onde se dedica grande parte
da vida, vicissitudes levaram ao encerramento das atividades depois de quase uma
década de trabalho.
Após dez anos de relacionamento, entre os altos e baixos que permeiam a união
de um casal, meu casamento sucumbiu.
Eu não desejava ficar distante daquela casa. Mas tive que desocupá-la. Eu não
me imaginava “apagando a luz” daquela empresa. Mas tive que fazê-lo. Eu não
apreciava a idéia da separação. Mas os sentimentos mudaram.
Cultivamos um hábito pernicioso, ainda que inconscientemente. Costumamos nos
apegar a objetos, pessoas e eventos. E, ao agirmos assim, sobrevalorizamos estes
aspectos. Damos a eles uma dimensão irreal, passando a viver em função – e
por causa deles. Isso nos anuvia a mente, bloqueia-nos a criatividade, ceifa-nos
a flexibilidade. Perdemos a capacidade de nos adaptar, de mudar e de crescer. E,
nesta toada, morremos lentamente...
A palavra é: desprendimento. Uma habilidade ímpar de racionalmente avaliar a
relevância de coisas, pessoas e situações, ponderando objetivamente sobre
seus prós e contras, renunciando se recomendável for. Não se trata de uma
mera desistência, fruto da ausência de persistência. Trata-se de encerrar um
ciclo, muito prazeroso outrora, mas que agora é apenas fonte de ressentimentos
e inquietudes. E abrir a porta para permitir ao futuro entrar.
Shakespeare dizia que guardar ressentimento de alguém é o mesmo que tomar
veneno esperando que o outro morra. Por falta de humildade ou por
inflexibilidade, muitas vezes julgamos mal as pessoas e avaliamos
inadequadamente uma situação. Criamos nossas próprias soluções e a elas
ficamos presos, como se fossem unas e imutáveis, instransponíveis para sugestões
e aprimoramentos propostos por outrem.
Aprendi que as pessoas, via de regra, não estão contra mim, mas a favor delas.
E na defesa de seus próprios interesses acabam por agir inadvertidamente,
ferindo e magoando com a aspereza da palavra ou com a dureza das atitudes. E
aprendi que também sou assim, porque sou para as outras pessoas o que as outras
pessoas são para mim.
Há rotinas de trabalho que necessitam ser substituídas ou abandonadas. Há
produtos dentro do mix das companhias
que precisam ser retirados de linha. Há empresas que devem ser fechadas. Há
relacionamentos que clamam serem desfeitos.
Quando você se mantém preparado para as mudanças que certamente ocorrerão em
sua vida, o desprendimento torna-se fácil e até agradável. Na vida
profissional, você pode fazê-lo buscando constante atualização técnica e
cultural participando de cursos, palestras, seminários e encontros diversos,
cultivando o hábito da leitura, monitorando o mercado de trabalho, estando
aberto a novos aprendizados, conhecendo outras realidades, outras empresas de
outros segmentos, outras pessoas de fora de seu círculo de relacionamentos
convencional.
Erros e fracassos são recorrentes. Persistir no erro não é exemplo de
perseverança, mas de sua face nefasta representada pela teimosia. Tempo
desperdiçado, recursos malbaratados, talentos vilipendiados. Há pessoas que
colocam seu futuro e sua vida nas mãos de outra pessoa ou de uma organização,
transferindo-lhes uma responsabilidade que é absolutamente unipessoal. Há
tanto por se viver...
Em outras casas morei, com áreas mais ou menos envidraçadas, mas com o sol
igualmente iluminando e aquecendo minhas manhãs de sábado.
Em outras empresas atuei, nas quais pude imprimir minha marca, colocando minha
experiência a serviço, fosse para estimulá-las a continuar sua caminhada,
fosse para sugerir-lhes findar o percurso.
Outros amores experimentei, dotados de um prazer único em suas peculiaridades,
cultivados sem prazo de validade, fonte eterna de alegria através do exercício
da lembrança.
A vida pessoal e corporativa muitas vezes sugere parar, recuar ou interromper. Não
pela estática, mas pela dinâmica de seguir adiante.
Tom
Coelho
Matéria da 4ª semana de maio / 2004
Tom Coelho, com graduação em Economia pela FEA/USP, Publicidade pela ESPM/SP e especialização em Marketing pela MMS/SP e em Qualidade de Vida no Trabalho pela FIA/USP, é empresário, consultor, escritor e palestrante, Diretor da Infinity Consulting, Diretor do Simb/Abrinq e Membro Executivo do NJE/Fiesp. Contatos através do e-mail [email protected]. Visite www.tomcoelho.com.br.
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