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- Economia -
     Maio / 2004


2ª quinzena - O engodo da não-cumulatividade
1ª quinzena -
Desafios da Alca


O engodo da não-cumulatividade

O escritor inglês C. C. Colton afirmou que "há enganos tão bem elaborados que seria estupidez não ser enganado por eles". A mitificação da superioridade da não-cumulatividade sobre os tributos em cascata é um desses trágicos enganos.

A cumulatividade sempre esteve presente no sistema tributário brasileiro, apesar das recentes providências para tornar o PIS-Cofins não-cumulativo. Mesmo com a forte campanha anticumulatividade encetada pelas principais lideranças empresariais e pelo governo, os tributos cumulativos continuam sendo preferidos aos impostos sobre valor agregado (IVAs) pela ampla maioria das empresas brasileiras.

Essa aparente contradição entre discurso e prática tem razão objetiva para existir. A campanha anticumulatividade foi encabeçada por grupos empresariais ligados à grande indústria, que, equivocadamente, acreditavam que a mudança no PIS-Cofins poderia lhe garantir certo alívio da carga tributária.

A hipótese básica dos grupos que defenderam a não-cumulatividade era que os prestadores de serviços eram subtributados e que a não-cumulatividade do PIS-Cofins serviria para equalizar a arrecadação de tributos entre todos os setores. Tal hipótese é falsa. O setor de serviços é onerado com carga tributária global de 31% sobre seu valor agregado, praticamente o mesmo que na indústria (30%), como comprovado em estudo da Fundação Getúlio Vargas.

Há alguns anos a bandeira da não-cumulatividade foi transformada em dogma, dando-se início a uma guerra santa contra tributos cumulativos como o PIS, a Cofins e a CPMF.

Contudo importantes tributos cumulativos como o Simples, o Imposto de Renda cobrado sobre lucro presumido, o ISS e até mesmo extravagâncias como o ICMS cumulativo (por exemplo, quando cobrado sobre faturamento no setor de alimentação em São Paulo), entre inúmeros outros casos, não foram atacados pelos defensores da nova verdade.

As contradições tanto no discurso quanto na prática da anticumulatividade chegam a ser hilariantes.

A elevação quase generalizada da carga tributária, provocada pelo novo PIS/Cofins, fez a unanimidade a favor da não-cumulatividade evaporar. Tarde demais, a adoção da medida propiciou ao governo tributar as importações, medida diga-se de passagem correta, mas que sofria oposição de setores importadores de matérias-primas.

Ademais, a leitura da lei 10.833/ 03 deixa claro que a não-cumulatividade do PIS-Cofins implicará maiores custos burocráticos na apuração e na arrecadação do novo tributo. O método declaratório da nova contribuição é complexo, cheio de meandros e incertezas administrativas, o que vem suscitando inúmeros seminários, cursos e encontros de esclarecimentos para garantir a conformidade das empresas com a nova legislação.

A existência de exceções, de créditos presumidos e de imunidades e isenções logo transformarão a nova contribuição não-cumulativa em foco de custos para as empresas e de novas fontes de receita para os advogados tributaristas e auditores fiscais.

Contudo o mais surrealista na lei 10 833/03 é a sua total incapacidade prática de colocar em uso o princípio fundamental da não-cumulatividade dessa nova contribuição.

Cumulatividade existe não apenas no tocante a um tributo específico, quando o próprio tributo se torna base de arrecadação dele mesmo em etapas posteriores no processo de produção. Ela também pode ocorrer entre tributos diferentes, quando o valor arrecadado de um tributo se torna base de cálculo de outros. No caso do PIS-Cofins não-cumulativo, surge um caso esdrúxulo, em que simultaneamente o PIS-Cofins devido é base de cálculo para o ICMS e o ICMS devido é base de cálculo do PIS-Cofins. A cumulatividade entre tributos torna-se assim parte integrante do novo PIS-Cofins não-cumulativo.

Igualmente reveladora das contradições existentes no PIS-Cofins não-cumulativo é a atitude do governo ante as reivindicações dos setores que se sentiram prejudicados. Se, de fato, a não-cumulatividade fosse benéfica ao conjunto da sociedade, seria lícito supor que, superada a questão da coordenação da mudança, todos sairiam ganhando, direta ou indiretamente. Nesse sentido, o conjunto dos setores produtivos deveria sentir melhorias em seus custos de produção e em suas respectivas cargas tributárias. Não é o que se passa, no entanto.

Ainda durante o processo de negociação do novo PIS-Cofins vários setores reivindicaram - e foram atendidos - permanecer no sistema cumulativo, em vez de migrar para o sistema que supostamente seria mais benéfico para eles.

O que essas exceções nos mostram com meridiana clareza é que a lógica empresarial da minimização dos custos indica a superioridade da cumulatividade sobre a não-cumulatividade e que as alegadas vantagens em termos de eficiência e produtividade dos sistemas de tributação sobre valor agregado não são endossadas por amplos segmentos do setor produtivo nacional.

A preferência empresarial para permanecer no PIS-Cofins cumulativo é tão evidente a ponto de estimular a adoção de projetos de planejamento tributário sofisticados com a finalidade de evitar a não-cumulatividade. Em reportagem no jornal "Valor" de 17 de fevereiro, a repórter Marta Watanabe descreve a manobra de alguns grandes grupos empresariais que aderiram ao Refis para a quitação de débitos tributários de reduzida significação com o intuito de se qualificar para pagar IR e CSLL pelo sistema de lucro presumido e, por tabela, adquirir o privilégio de permanecer no PIS-Cofins cumulativo.

Vencida a guerra santa contra a cumulatividade, as empresas brasileiras e também os consumidores percebem, atônitos, que foram vítimas de monumental engodo.


Desafios da Alca
PROBLEMA MAIS SÉRIO QUE O BRASIL ENFRENTA COM RELAÇÃO AOS EUA É O DOS SUBSÍDIOS AGRÍCOLAS

            São compreensíveis as dúvidas, os receios, assim como as oportunidades, associados a qualquer processo de mudança. A integração de países na construção de uma área de livre comércio abrange uma série de indagações e argumentos envolvendo os mais diversos aspectos de ordem econômica e social. A concretização da Área de Livre Comércio das Américas (Alca) dará origem a um dos maiores blocos econômicos do planeta. Os 34 países do continente americano somam uma população de quase 800 mil habitantes e um PIB de US$ 11,5 trilhões. Um tema fundamental envolvendo a Alca, e que desperta a atenção geral, refere-se à questão da competitividade da economia brasileira diante da norte-americana. Argumenta-se, de modo equivocado, que a maior produtividade global da economia americana inviabilizaria o setor industrial brasileiro.

            Na verdade, o que rege as trocas internacionais são as vantagens comparativas e não as vantagens absolutas. Nesse sentido, a Alca permitirá maior acesso aos mercados industriais tradicionais dos EUA como o de aço, calçados, têxteis, vestuário, couro, material de transportes e segmentos de alimentos processados, como o de suco de laranja. Esses setores da economia brasileira estariam concorrendo com países de desenvolvimento intermediário como o México, Venezuela, Colômbia e Argentina, e não com a economia norte-americana, que há muito tempo tornou-se importadora desses produtos.

            A indústria norte-americana concentra-se hoje nos segmentos de alta tecnologia, como informática, telecomunicações, química fina, fibras óticas, aeronáutica de grande porte e outros setores de alta relação capital/trabalho. Estas indústrias não concorrem com a indústria nacional.

            Isso explica, inclusive, a baixa relação emprego industrial/população economicamente ativa, que nos EUA passou de 28% na década de 50 para os atuais menos de 13%. Ou seja, a população economicamente ativa dedicada a atividades industriais nos EUA é de apenas 13% e concentra-se em áreas de alta tecnologia. Portanto, o temor de alguns críticos à adesão do Brasil à Alca, em função da competitividade industrial norte-americana, não se sustenta.

            O problema mais sério que o Brasil enfrenta com relação aos EUA diz respeito aos subsídios à agricultura norte-americana. Em 2000 o governo americano pagou aos agricultores daquele país US$ 32,3 bilhões, dos quais US$ 22 bilhões foram diretamente aos produtores. Esse volume gigantesco de subsídio destinado à agricultura tem conseqüências graves no mercado internacional, prejudicando países como o Brasil. Os subsídios provocam sérias distorções no mercado agrícola internacional. O caso da soja no Brasil é ilustrativo. O país, segundo maior produtor de soja no mundo, e cujo produto assume papel importante na pauta de exportação, é obrigado a colocar esse produto no mercado internacional a US$ 1,26 por bushel, quando normalmente esse produto deveria ser comercializado a US$ 5 por bushel. Essa é uma questão que o Brasil precisa enfrentar com rigor. A agricultura brasileira é uma das maiores e mais modernas do mundo, e precisa ter acesso ao mercado norte-americano. Produtos competitivos como o açúcar, café, cacau, suco de laranja, entre outros, podem ganhar amplas fatias no mercado dos EUA com o fim dos subsídios.

            De um modo geral, a Alca apresenta grandes desafios. São enormes as diferenças econômicas, sociais e políticas dos países componentes do bloco.

            Há que se implementar políticas que garantam o mínimo de homogeneidade às economias. Ajudas governamentais entrelaçadas são fundamentais para diminuir o grau de heterogeneidade econômica entre os países que vão compor o bloco.

            Outra preocupação é o impacto interno nas economias dos países do bloco.

            Simulações recentes mostram que no Brasil o impacto das três negociações em curso, Alca, Mercosul e União Européia, pode gerar mudanças em potencial que favoreceriam as Regiões Sul e Sudeste, aumentando a desigualdade regional brasileira.

            Outra questão relaciona o fato de muitos países se encontrarem ainda em fase de estabilização de suas economias e muitos enfrentam sérias ameaças desestabilizadoras internas e externas. As acentuadas diferenças em termos monetários, fiscais e cambiais na região podem dificultar sobremaneira a reunião de condições macroeconômicas adequadas para evitar crises de balanço de pagamentos em algumas economias, fato que pode comprometer o andamento do processo da Alca.

            A Alca para o Brasil poderá ser favorável em termos concorrenciais.

            Obviamente, este é um empreendimento difícil e de grandes riscos. Menos pela oposição de vários setores internos de vários países, como é o caso do movimento sindical norte-americano, dos lobbies do Congresso americano ou de alguns segmentos industriais brasileiros, e muito mais pelas dificuldades próprias à obtenção de um mínimo de coordenação macroeconômica exigida em projetos de integração desse porte.

            O Brasil tem de assumir os riscos associados à Alca. Para isto, deve fazer sua lição de casa. Calibrar as taxas de juros aos níveis internacionais, eliminar os gargalos no setor de transporte e qualificar mão-de-obra são medidas fundamentais para o setor produtivo brasileiro poder competir e aumentar sua participação de apenas 1% no comércio mundial.

            O Brasil, terceira maior economia e segunda maior população das Américas, não pode omitir-se nesse processo sob pena de acumular mais perdas do que ganhos. Ajustes são necessários para colocar o País em condições de disputar mercados de modo competitivo com outras nações, principalmente Estados Unidos e Canadá.

            Os riscos associados à abertura econômica são grandes, assim como as oportunidades que esse processo oferece. Parece, contudo, que a formação desse grande bloco econômico é praticamente irreversível.

- Texto de Marcos Cintra Cavalcanti de Albuquerque -
Doutor pela Universidade Harvard, professor-titular e vice-presidente da Fundação Getúlio Vargas

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