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- Economia -
   Março / 2004


2ª quinzena - O Brasil e os modelos europeu e americano de tributação
1ª quinzena -
Psicose tributária


2ª quinzena - O Brasil e os modelos europeu e americano de tributação

            No estudo "Condicionantes e Perspectivas da Tributação no Brasil" (www.receita.fazenda.gov.br/Historico/ EstTributarios/topicosespeciais/condicionantes.htm), a Receita Federal oferece valiosa e prudente reflexão acerca dos rumos da reforma tributária no país. Tratando dos modelos alternativos de reforma, o estudo afirma ser necessário que "ele seja concebido em conformidade com as circunstâncias culturais do país no qual for aplicado. (...) a mera importação de soluções adotadas internacionalmente não é garantia de medida bem-sucedida. Muito pelo contrário, a probabilidade de um resultado negativo é alta".

            O Brasil, infelizmente, é uma economia de fraca tradição tributária. A sonegação e a evasão não são reprimidas com a mesma intensidade observada em outros países de tradição tributária mais sólida. Aqui, a sonegação e o planejamento tributário não são considerados atitudes anti-sociais. Pelo contrário, são vistos como atos de saudável oportunismo empresarial.

            Esse comportamento se diferencia radicalmente do encontrado em países com forte tradição tributária, "onde a consciência social em relação ao pagamento de impostos é alta, onde ser sonegador é sinônimo de vergonha e exclusão social, há educação e cidadania tributária, onde o fisco tem poderes fortíssimos, mas também deveres, que são monitorados pela sociedade".

            Considerando-se o mimetismo que acomete o pensamento tributário nacional, tais considerações devem servir de alerta para que não se cometam erros. No Brasil, o discurso da reforma tributária se apóia em duas metas fundamentais: a desoneração da produção e o reforço da tributação pessoal. O pressuposto é que esse modelo torna possível aumentar a progressividade do sistema, reduzir custos, simplificar os mecanismos burocráticos e combater a evasão. O que muitas vezes não é percebido é a flagrante inconsistência entre esse modelo conceitual e os resultados que dele se espera.

            A maior parte das propostas de reforma tributária recomenda o modelo europeu, baseado em três espécies básicas: um Imposto de Renda, um IVA (Imposto sobre Valor Agregado) e um imposto sobre ativos. Em geral o primeiro é de alçada nacional, o segundo, de alçada regional, e o terceiro, de alçada local. Cabe apontar que esse modelo, que recebeu o endosso do Congresso Nacional em sua reforma fatiada aprovada em 2003. Contudo ele não desonera a produção, pois o IVA é um tributo indireto incidente sobre as etapas do processo produtivo; não garante maior progressividade, pois, novamente, é um tributo indireto; e não garante mais simplicidade e menor evasão, dada a característica essencialmente declaratória e burocrática dos tributos que compõem o sistema.

            O modelo tributário que atinge as metas desejadas nos discursos da maior parte dos tributaristas brasileiros não é o modelo europeu que eles defendem, mas sim o modelo americano, composto por um Imposto de Renda de âmbito nacional, um tributo sobre vendas ao consumidor de alçada regional e um tributo sobre ativos cobrado pelo poder local. Os norte-americanos não possuem IVA e, portanto, são os únicos que desoneram por completo a produção.

            Recente trabalho da empresa de consultoria Deloitte "Pesquisa Internacional sobre Tributação", disponível em
www.marcoscintraorg/padrao.asp?id=261, compara o que pode ser chamado de modelo brasileiro (com tributos não-declaratórios e cumulativos) com sistemas tributários de 34 países, inclusive americanos e europeus.

            Os dados mostram que a tributação no Brasil passou por um processo de evolução e de aculturação ambiental típica de países com fraca tradição tributária, que começa a ser aplicado em vários outros países com condições semelhantes.
Relata o estudo que "(...) as contribuições sobre receita bruta, tais como o PIS e a Cofins (...), já possuem seus similares em 35% dos países pesquisados" e que "a CPMF já não é mais peculiaridade de alguns países da América Latina. Ela é encontrada em 15% dos países da amostra". Vale acrescentar que a Austrália, país não incluído na amostra da Deloitte, já vem aplicando tributação sobre movimentação financeira há algumas décadas.

            Os principais resultados demonstram que a característica principal do modelo brasileiro é a conjugação de forte tributação sobre renda, produção e consumo, com tributos complementares sobre faturamento bruto e sobre movimentação financeira. Em realidade, o Brasil aplica o modelo europeu acrescido de tributos cumulativos, cujas características fundamentais se ajustam a economias com fraca tradição tributária, altos coeficientes de informalidade e baixos níveis de renda.

            O que se depreende da análise comparativa é que não há como esperar alta participação da tributação pessoal na carga tributária se a economia tem renda per capita baixa e mal distribuída; não há como evitar tributação indireta em ambiente com forte predisposição à evasão e ao descumprimento da burocracia fiscal exigida pelos impostos declaratórios sobre valor agregado; e não há como evitar que países com fraca tradição tributária lancem mão dos tributos não-declaratórios sobre faturamento e movimentação financeira, como é o caso de várias economias da amostra da Deloitte.

            É lamentável que o Brasil retroceda em seu processo de evolução e especialização tributárias tentando defender um discurso formal de desoneração da produção que não combina com a prática do modelo europeu que pretende copiar. Ao mesmo tempo, o país repudia a bem-sucedida experiência com tributos inovadores, como a CPMF. O resultado inevitável será a frustração com o discurso e o insucesso com a prática específica que não se coaduna com as tradições culturais e econômicas do país.


1ª quinzena - Psicose tributária

Há uma visão convencional e, no caso brasileiro, equivocada do pensamento empresarial sobre o sistema tributário. Trata-se da psicose anticumulatividade que acometeu boa parte da sociedade brasileira. Acabar com os tributos em cascata virou palavra de ordem e, como tal, esse conceito perdeu significado concreto.

São duas as principais críticas à cumulatividade que, teoricamente, se tenta corrigir com as recentes mudanças no PIS e na Cofins: o estímulo à excessiva verticalização da produção e a impossibilidade de desoneração das exportações e de oneração das importações.

Em artigo publicado em 14/03/2002 na Gazeta Mercantil, Luiz Zottmann e eu mostramos ter sido pouco provável que a cumulatividade do PIS, Cofins e da CPMF tenham gerado distorções na alocação de recursos, ou que tenha levado as empresas a um processo de verticalização da produção. As evidências empíricas brasileiras desmentem esta possibilidade, principalmente analisando-se a indústria siderúrgica, supostamente a mais fortemente afetada pela cumulatividade do sistema tributário nacional.

Quanto à questão do comércio externo, a não-cumulatividade é apresentada pelo governo como condição sine qua non para desonerar as exportações. Isto não é procedente. As leis 9.363/96 e 10.276/01 já desoneram as exportações do PIS e da Cofins. Ademais, o mito que o tributo sobre valor agregado desonera a produção deve ser questionado. A cumulatividade é um fato no sistema tributário brasileiro até mesmo quando se trata de impostos como o ICMS em alguns setores de serviços e de agronegócios, que não contabilizam créditos em suas operações. Além disso, se é para acabar com a cumulatividade, por que não proceder dessa forma com o Simples e o Imposto de Renda presumido, tributos que são tão cumulativos quanto o PIS/Cofins?

Já há vítimas dessa campanha inquisitorial contra os tributos cumulativos. A transformação do PIS em tributo não-cumulativo implicou aumento real de 14,82% em sua arrecadação de janeiro a outubro de 2003, relativamente ao mesmo período do ano anterior. A nova sistemática vem contribuindo para a elevação da carga tributária global e o segmento escolhido para carregar este ônus foi o prestador de serviços, justamente o que mais emprega na economia e que já carrega um fardo tributário muito pesado.

Os prejuízos causados pela alteração no PIS não foram suficientes para mobilizar a sociedade no sentido de desmontar esta bomba de efeito retardado implícita na guerra santa que algumas lideranças empresariais nacionais decidiram travar contra a “cumulatividade”, ou “cascata” das contribuições sociais.

Tecnicamente está provado que é preferível um tributo cumulativo com alíquota baixa em relação a outro sobre valor agregado com alíquota elevada. O estímulo à sonegação diminui e o impacto sobre os preços relativos da economia é muito menor com um tributo cumulativo sobre as movimentações financeiras, do tipo CPMF, comparativamente aos impostos sobre valor agregado.

- Texto de Marcos Cintra Cavalcanti de Albuquerque -
Doutor pela Universidade Harvard, professor-titular e vice-presidente da Fundação Getúlio Vargas

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