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não é Febre
“Nada
mais comum do que julgar mal as coisas.”
(Cícero)
“Filha, leve um agasalho, pois vai esfriar”. “Querido, lembre-se de seu
guarda-chuva; parece que vai chover...”. “Não vá tomar gelado!”.
Quem de nós já ouviu uma destas frases dos pais? E, aos que agora também são
pais, quem não as pronunciou aos seus filhos?
Somos o legado social de uma cultura que venera a superproteção e tem aversão
ao risco, por menor que ele seja, por mais saudável que ele possa vir a ser. A
ordem é construir um muro ao redor de nosso mundo privado, encasular-se e
defender as zonas de conforto arduamente conquistadas. Deste estado de coisas
advêm duas conseqüências imediatas.
A primeira delas é o estímulo à mediocridade. E, ao contrário do que o senso
comum tem por hábito avaliar, ser medíocre não significa ser inferior, mas tão
somente mediano. Representa ser modesto, inexpressivo, ordinário. Fazer apenas
o mínimo necessário para seguir adiante. Assim são as pessoas medíocres: não
se destacam e não chegam a fazer a menor diferença.
Temos o aluno medíocre, desinteressado em aprender, em conhecer, em saber.
Limita-se a marcar presença nas aulas e a estudar nas vésperas das provas
decorando fórmulas matemáticas ou definições de conceitos. Recebe nota
cinco, numa escala de zero a dez, digna para fazê-lo passar de ano. Vai
engordar a massa de operários na vida profissional, seja apertando parafusos ou
preenchendo relatórios. E, assim, vai passar pela vida, sem deixar lembrança,
legado ou marca.
Temos os cônjuges medíocres, inábeis para manter acesa a chama de um
relacionamento e ainda mais incapazes para romper o que já acabou. Passam a
vida achando que colocar alimento na mesa, fazer sexo de vez em quando e dizer
protocolarmente “eu te amo”, sem mirar os olhos, são atitudes suficientes.
Alternam almoços insípidos aos domingos na casa dos sogros, trocam abraços
sem calor nas noites de Natal, tudo para manter a estabilidade familiar.
Temos os profissionais medíocres, com inteligência bastante para ler as horas
no relógio, batendo cartão ou assinando o ponto nos horários determinados.
Respondem metodicamente seus e-mails, falam parcimoniosamente ao
telefone, fazem exatamente aquilo que deles se espera. Nem mais, que possa gerar
desconfiança em seus pares, nem menos, que possa comprometer sua sólida posição
no organograma. São limitados como o cargo que exercem, como os executivos que
o contrataram, como a empresa na qual trabalham. Limitados e sem futuro. Ou, se
preferirem, com o futuro limitado ao horizonte de um palmo.
Nesta toada, há mediocridade por todos os lados. Nos pais que não desviam o
olhar da telenovela ou do jornal quando têm a atenção solicitada pelos filhos
pequenos, nos amigos que nos procuram apenas quando necessitam de algum favor,
nos padres que recomendam um punhado de orações para salvar a alma dos fiéis
quando deveriam ouvir-lhes o coração e lhes abrandarem as angústias.
A segunda conseqüência é a presunção da verdade, uma autêntica mania de
extrair conclusões, às vezes obtusas, a partir de informações parciais ou
carentes de fidedignidade, criando o que Richard Carlson chamou de
“bola-de-neve mental”.
Às vezes você está preso num engarrafamento, atrasado para um encontro, e uma
sensação terrível começa a tomar conta de seu pensamento. Você imagina que
seu compromisso fracassará em razão de seu atraso. Conclui que será julgado
indolente e irresponsável. A impaciência domina seus sentidos. Seus batimentos
aceleram, as pupilas dilatam, a música no rádio torna-se barulho, você tem
vontade de avançar com seu carro sobre os que estão à sua frente. Finalmente,
após todo o stress a que se submeteu, você chega ao destino e descobre
que ainda há pessoas igualmente atrasadas.
O hábito de cultivar as bolas-de-neve mentais é fonte não apenas de stress,
mas também de insegurança, conflito e desamor.
Nem tudo é como aparenta ser. Um termômetro que marca 37 graus não
necessariamente indica ocorrência de febre. Da mesma forma que um erro
corporativo pode não ser motivo para uma demissão, um telefonema suspeito pode
não ser suficiente para perpetrar uma separação, um ponto de vista
discordante não deve macular uma amizade.
Somos essencialmente passionais, mesmo aqueles que se dizem movidos pela razão.
Por isso, deve-se evitar reagir a determinados eventos antes de 24 horas. É
claro que há momentos em que a temperatura sobe. Afinal, as razões do coração
turvam-nos a mente e levam-nos a decisões das quais podemos nos arrepender na
manhã seguinte. Porém, entre um dia e outro, com uma noite de descanso no
meio, o que se mostrou um problema irresoluto surgirá não menor, mas com
dimensões reduzidas à sua realidade.
Tom
Coelho
Matéria da 1ª quinzena de abril / 2005
Tom Coelho, com graduação em Economia pela FEA/USP, Publicidade pela ESPM/SP e especialização em Marketing pela MMS/SP e em Qualidade de Vida no Trabalho pela FIA/USP, é empresário, consultor, escritor e palestrante, Diretor da Infinity Consulting, Diretor do Simb/Abrinq e Membro Executivo do NJE/Fiesp. Contatos através do e-mail [email protected]. Visite www.tomcoelho.com.br.
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