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C O M P O R T A M E N T O -
01
/ novembro / 2005
“Pela
obra se conhece o autor.”
(Jean
de La Fontaine)
O
ENGRAXATE
Por Tom Coelho, colunista-titular do Portal Brasil (*)
Em tempos de valorização dos consumidores, um engraxate coloca-se de
joelhos,
diante daquele que lhe pede seus préstimos, com humildade e subserviência,
altivez e competência.
Caminhando pelo saguão do
aeroporto miro meus pés e descubro sapatos que parecem tristes e cansados
de tão opacos e descuidados. Dirijo-me
até a engraxataria encontrando um ambiente pequeno e bem organizado. São
quatro os profissionais ali posicionados diante de suas cadeiras
revezando-se à espera dos clientes.
Assento-me e passo a observar um senhor bastante robusto, cabelos parcos e
grisalhos, contando seguramente mais de cinqüenta anos, a exercer seu ofício.
Coloca-me calçadeiras para proteger as meias, toma nas mãos uma flanela,
limpando cuidadosamente a superfície dos sapatos. Parece preparar-se para
iniciar a confecção de uma grande obra de arte.
Meus pés repousam sobre a caixa, em verdade, seu cavalete. Tal qual um
artista, ele admira os contornos da moldura definidos pelo solado. Em vez de
óleo de linhaça, água. Em lugar de tinta, graxa. Um recipiente adaptado
assume o papel de palheta. E um pincel e uma escova completam seu
instrumental. A tela, já pode ser pintada.
Enquanto ele desenha sobre meus calçados, um mundo de reflexões invade
minha cabeça. Sempre tive um estereótipo de engraxate. Um garoto ainda
muito jovem, percorrendo as ruas em busca de alguns trocados para reforçar
a renda familiar. Uma atividade transitória, não uma profissão.
Por isso, ao olhar para aquele senhor que me atende, bem como aos seus
colegas que nos avizinham, pergunto-me por onde anda a justiça dos homens
que não permite àquelas pessoas, com suas idades já avançadas, com
tantas experiências acumuladas, rugas que lhes tomam a face, cansaço que
lhes abate os olhos, usufruírem de um trabalho menos desgastante e melhor
remunerado, bem como de mais tempo e oportunidades de lazer.
Não que aquela atividade seja indigna. Ao contrário, talvez seja trabalho
dos mais edificantes. Em tempos de valorização dos consumidores, quando tanto
se apregoa que o cliente deve estar em primeiro lugar, um engraxate coloca-se
de joelhos, diante daquele que lhe pede seus préstimos, com humildade e subserviência,
altivez e competência.
Pincel que pinta, escova que limpa, flanela que lustra. Após alguns minutos,
traços rabiscados completam o grafismo imaginado. A obra está acabada. Meu
anfitrião olha-me nos olhos e com um amplo sorriso diz:
– Agora está brilhando...!
Sua expressão é de regozijo, de plena satisfação. A missão foi cumprida.
Seu talento pôde se manifestar e ganhar as ruas para apreciação de todos.
Eu o cumprimento, apresento-lhe meus agradecimentos, pago a conta e sigo meu
caminho, ainda mais pensativo diante de tamanho exemplo de dedicação e comprometimento.
E agora, com os pés brilhando. E a mente iluminada.
Tom
Coelho
Matéria da 1ª quinzena de novembro / 2005
(*) Tom Coelho, com graduação em Economia pela FEA/USP, Publicidade pela ESPM/SP e especialização em Marketing pela MMS/SP e em Qualidade de Vida no Trabalho pela FIA/USP, é empresário, consultor, escritor e palestrante, Diretor da Infinity Consulting, Diretor do Simb/Abrinq e Membro Executivo do NJE/Fiesp. Contatos através do e-mail [email protected]. Visite www.tomcoelho.com.br.
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