Área Cultural Área Técnica

 Ciência e Tecnologia  -  Colunistas  -  Cultura e Lazer
 
Educação  -  Esportes  -  Geografia  -  Serviços ao Usuário

 Aviação Comercial  -  Chat  -  Downloads  -  Economia
 
Medicina e Saúde  -  Mulher  -  Política  -  Reportagens

Página Principal

D I R E I T O    &    D E F E S A    D O    C O N S U M I D O R
01 / NOVEMBRO / 2007

O ERRO DE SILVIO SANTOS
Por Gladston Mamede (*)
 

            Ana Lúcia foi sorteada para participar do "Show do Milhão", programa veiculado pelo SBT e apresentado por ninguém menos que Silvio Santos. As pernas lhe tremeram e o coração taquicardiou: sonhava acertar todas as perguntas e ficar rica. O programa foi ao ar no dia 15 de junho de 2000. Foi respondendo todas as perguntas e acertando, uma após a outra, até a "pergunta do milhão": "A Constituição reconhece direitos aos índios de quanto do território brasileiro?" Opções: 22%; 02%; 04% e 10%. Ela preferiu não responder, preservando a premiação já acumulada de R$ 500.000,00. Se errasse, perderia o que tinha ganhado. Silvio Santos lhe disse, então, que a resposta certa era a letra "d": 10% do território brasileiro seria, por direito, dos índios, segundo a Constituição Brasileira.

            Começou assim o fuzuê: a Constituição da República, no artigo 231, reconhece aos índios "sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições, e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, competindo à União demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos os seus bens." Ou seja, não lhes atribui um percentual fixo do território nacional; nem 22%; 02%; 04% e 10%. Eis por que Ana Lúcia moveu uma ação indenização, no Judiciário baiano, alegando que desistira de responder à última pergunta pelo fato de que, em procedimento de má-fé, fora elaborada uma "pergunta sem resposta". Seria esse o fundamento do pedido de ressarcimento das perdas e dos danos sofridos: o valor correspondente ao prêmio máximo, que não fora recebido, além de danos morais pela frustração de sonho acalentado por longo tempo. O juiz reconheceu que a pergunta não tinha resposta e julgou procedente a ação, determinando o pagamento do valor de R$ 500.000,00, com acréscimo de juros legais, contados do ato lesivo. Houve recurso ao Tribunal de Justiça da Bahia, mas a sentença foi confirmada pelos desembargadores da Boa Terra, sob a relatoria da Desembargadora Ruth Pondé Luz.

            A interposição do Recurso Especial 788.459/BA, fez com que a demanda fosse ao planalto central, ser examinada pela Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça, em Brasília. A empresa do grupo Silvio Santos argumentava que não poderia haver condenação no valor do prêmio máximo, já que Ana Lúcia tinha optado por não responder a pergunta. Pior: não se poderia jamais afirmar que ela iria acertar a resposta correta caso outra pergunta fosse feita. Na pior das hipóteses, argumentou-se no recurso, ela deveria ser indenizada pelo percentual de acerto que tinha, ou seja, uma chance em quatro, o que dá 25%. Assim, a indenização deveria ser reduzida para R$ 125.000,00.

            Coube ao Ministro Fernando Gonçalves relatar o julgamento. Os magistrados concluíram que "o questionamento, em programa de perguntas e respostas, pela televisão, sem viabilidade lógica, uma vez que a Constituição Federal não indica percentual relativo às terras reservadas aos índios, acarreta, como decidido pelas instâncias ordinárias, a impossibilidade da prestação por culpa do devedor, impondo o dever de ressarcir o participante pelo que razoavelmente haja deixado de lucrar, pela perda da oportunidade."

            Indenização pela perda de uma chance. Taí o busílis da questão. Busílis? É. Busílis é o "x" da questão, o "o" do borogodó, ou seja, o ponto central da investigação. Ana Lúcia não tinha acertado a pergunta, razão pela qual não faria jus ao prêmio. Dar-lhe os R$ 500 mil faltantes seria indenizá-la por algo a que não tinha direito. Havia apenas um dano hipotético. Por outro lado, não haveria como negar que lhe tinham tirado a chance de acertar e, assim, de ganhar. Daí falar-se em indenização pela perda de uma chance.

            Foi assim que os ministros fixaram a indenização de Ana Lúcia em R$ 125.000,00, equivalente a um quarto do valor em comento, por ser uma "probabilidade matemática" de acerto de uma questão de múltipla escolha com quatro itens, o que refletiria suas reais possibilidades de êxito. 

(*) Gladston Mamede, colunista-titular do Portal Brasil, é bacharel e doutor em Direito pela UFMG, Diretor do Instituto Jurídico Pandectas, autor da coleção
"Direito Empresarial Brasileiro" e do "Manual de Direito Empresarial" (Editora Atlas) - E-mail:
[email protected].

A PROPRIEDADE INTELECTUAL DOS TEXTOS É DE SEU AUTOR
PROIBIDA REPRODUÇÃO SEM AUTORIZAÇÃO PRÉVIA. TODOS OS DIREITOS RESERVADOS©

Leia mais sobre Direito ==> CLIQUE AQUI


FALE CONOSCO ==> CLIQUE AQUI