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D I R E I T O    &    D E F E S A    D O    C O N S U M I D O R
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QUEM FALA DEMAIS...
Por Gladston Mamede (*)

            Don’Elma, mãe querida e amorosa, sempre repetiu para seus quatros filhos um diálogo macabro que o povo transformou em adágio: “Caveira, quem te matou? Foi a língua!” Era o seu mantra ou, quiçá, sua ladainha. Lembro-me da santa, hoje, vendo que a língua não mais é apenas o chicote do corpo; é também o dreno do bolso, respondendo pelos danos morais resultantes do mau emprego da saliva.

            No ano passado, por exemplo, uma discussão havida no Rio Grande do Sul custou R$ 7.000,00 a um morador que chamou de “viados” um casal de vizinhos homoafetivos. No Rio de Janeiro, o mesmo termo levou a R$ 8.000,00 de indenização. A língua, nesse caso, era de uma advogada que bem tentou pedir perícia para provar tratar-se, sim, de um caso de homossexualidade. O Judiciário, no entanto, recusou-se a deslocar a discussão para outros foros: importava o uso ofensivo da palavra e não a opção sexual do ofendido.

            Agora, em janeiro de 2008, o Prefeito de São Borja (RS) afirmou que os ocupantes de cargos de confiança seriam uma “turma de baderneiros, fofoqueiros e vagabundos”. Pronto. Um assessor parlamentar se pretendeu ofendido e foi ao Judiciário: ganhou o direito de ser indenizado em R$ 10 mil reais. Detalhe: o Juiz invocou o artigo 37 da Constituição da República e entendeu que o Município é responsável pelo ato do Prefeito. Pronto. O precedente criou uma enxurrada de ações similares que podem esvaziar os cofres públicos.

            Por vezes, a coisa descamba para um personalismo que é, ele próprio, motivo de caracterização de danos morais. Quer ver? Em 2005, o jornalista Jorge Kajuru foi condenado a indenizar a apresentadora Luciana Gimenez por ter dito que Xuxa (ela mesma, a Meneghel) “não era inteligente”, “mas não chegava a ser uma Luciana Gimenez”. Ich! R$ 40 mil por danos morais. Não é caso único, todavia. Agora, em fevereiro de 2008, a Câmara de Vereadores do Município de General Salgado, logo ali, em São Paulo, cassou o mandato de um vereador por ter chamado um colega de “Clodovil”. Isso mesmo! Ao juízo dos edis, trata-se de um palavrão que, dirigido a outro vereador, caracteriza falta de decoro parlamentar. O cassado se defende dizendo que empregou “Clodovil” no sentido de explosivo; mas o “ofendido” acha que o sentido foi outro.

            Não se pode esquecer que o Deputado Clodovil Hernandes enfrentou, ele próprio, problemas “parlamentares” (parlamentares mesmo? Ah! Pobre democracia) por ter chamado uma colega, a Deputada Maria do Rosário, de feia. Pior é que “feio” está mesmo querendo virar uma ofensa grave. O maestro John Neschling, regente da Orquestra Sinfônica de São Paulo, ajuizou uma ação de indenização contra o escritor e crítico Marcus Góes porque ele o chamou de “feio”.  Não teve sucesso, contudo. Seu pedido foi julgado improcedente. Para o magistrado, não caracteriza ato ilícito chamar alguém de feio, chato ou caipira. Trata-se apenas da emissão de uma opinião.

            Aliás, a relação do Judiciário com a feiúra é antiga. Lembro-me de um fato bizarro que, contaram-me, teria ocorrido aqui mesmo, entre as montanhas alterosas, quando corriam os anos 80. Não sei se é verdade, porém, e narro mais o causo do que os fatos. Não me processem, por favor! Teria uma mulher, de pouco mais de 40 anos, movido uma ação de dissolução de sociedade de fato contra um homem de pouco menos de 30 anos; alegava ter havido um romance entre ambos do qual resultara a formação de um patrimônio comum que pretendia ver partilhado. Quando o feito chegou ao então Tribunal de Alçada (de saudosa memória), um Juiz teria se manifestado contra a pretensão da autora afirmando: “Não é crível que um jovem de pouco mais de 20 anos vá se envolver com uma matrona com mais de quarenta, que nem bonita é; vide fotografia de folhas.”

            Ich! Lascou-se. Não sei se houve recurso aos tribunais superiores; mas sei que, de acordo com as súmulas 7/STJ e 279/STF, não cabe reexame de provas no âmbito dos recursos excepcionais. Vale dizer, a senhora é imutavelmente feia, por decisão transitada em julgado.

(*) Gladston Mamede, colunista-titular do Portal Brasil, é bacharel e doutor em Direito e ex-professor da renomada UFMG, Diretor do Instituto Jurídico Pandectas,
autor da coleção "Direito Empresarial Brasileiro" e do "Manual de Direito Empresarial" (Editora Atlas) - E-mail:
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