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D E F E S A D O C
O N S U M I D O R
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M A R Ç O / 2 0 0 8
A
VISITA INESPERADA
Por Gladston Mamede (*)
27 de outubro de 2004. A chuva forte – verdadeira tempestade – espancava Teófilo Otoni, varrendo ruas, lustrando telhados, revelando goteiras esquecidas. A enxurrada caudalosa corria na busca dum rio ou boca-de-lobo, enquanto a noite avançava no relógio, empurrando para cama os moradores, exaustos do dia, e para a boemia os tontos, perdidos da vida. As cobertas tornaram-se mais sedutoras, prometendo um carinho protetor que embalaria o cansaço no som monótono do suicídio das gotas de chuva estouradas no chão de cimento, asfalto, barro. Abraçavam a cada corpo, um depois do outro, e os atavam em si, num calor que pareciam dar, posto que apenas furtado.
A madrugada comia as próprias pernas e os sonhos já caminhavam por terras absurdas, quando o pesadelo começou. Alguns ainda bebiam nos bares, outros amavam-se, muitos estavam perdidos no inconsciente da pequena morte de cada noite, tornando-se prendas fáceis de tudo o que ronda sem ser visto. Pouco importa a sua fé ou crença, quando sorrateiramente as forças subterrâneas seguem o seu curso inexorável: o medo nos espreita e nos acolherá um dia.
A ladainha da chuva seguia sua oração surda. O desfalecimento repetia-se nas camas, a noite seguia sua autofagia enquanto, irresponsavelmente, o medo fora esquecido. Mas a inocência dos que se julgam seguros sempre terá fim, lá isso é certo. Naquela noite, uma antiga promessa estava sendo cumprida: os mortos empurravam os muros do cemitério municipal, querendo fugir. Uma rebelião há muito cochichada e prometida. Um motim que, finalmente, ganharia as calçadas.
Seguia a cantiga de chuva na mesma noite, nas muralhas de pano do velho enxoval. Dormiam ela e suas duas filhas, na mesma inocência tola de quem confia na chegada da alvorada. Até que um estrondo as arrancou da ilusão, empurrando-as para a verdade: o horror. Mal arregalaram-se os olhos e um soco seco se sentiu nas paredes da casa, enquanto gritavam loucas. Jesus misericordioso, salvai-nos. E as janelas e as portas envergam-se. Ai de mim!
Então, aconteceu: quebram-se os vidros, romperam-se os trincos e as trancas; a lama tomou a casa com seu mau cheiro, trazendo os ossos dos desencarnados. A chuva já não lavava mais: empurrava-lhes a morte goela abaixo. Os olhos de muitas caveiras fitavam-nas e por mais que buscassem pouso seguro, eram perseguidas implacavelmente. Móveis, eletrodomésticos, roupas e lembranças: tudo destruído entre gritos repetidos e inúteis. Do inferno de lama um caixão foi arremessado contra a mãe, colhendo-lhe a perna e abrindo um talho vermelho que escorreu aos calcanhares. O corpo, já podre, desvencilhou-se da madeira e respirou o ar molhado da noite, rolando pelo chão até deixar-se dormitar num canto. Os vizinhos tentavam acodir aos apelos, mas nada podiam fazer: a rolha de lama lacrava-as na catinga da noite, cheiro que ali residiria por muito tempo.
Junho de 2006. A 7ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça de Minas Gerais reconhece a responsabilidade civil do Município de Teófilo Otoni pelo desmoronamento do muro que divide o terreno da casa com o cemitério municipal, arbitrando em R$ 35.000,00 os danos morais, considerando o horror da cena e, ademais, que a moradora sofreu infecção bacteriana devido no ferimento causado pelo choque com um caixão que fora sepultado há apenas duas semanas.
(*) Gladston Mamede,
colunista-titular do Portal Brasil, é bacharel e doutor em Direito pela
UFMG, Diretor do Instituto Jurídico Pandectas, autor
da coleção
"Direito Empresarial Brasileiro" e do "Manual de
Direito Empresarial" (Editora Atlas) - E-mail:
[email protected].
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