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D E F E S A D O C
O N S U M I D O R
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J A N E I R O / 2 0 0 9
O Supremo Tribunal
Federal e o Ato Institucional nº 5
Por ministro Gilmar Mendes
(*)
No dia 16 de janeiro de 1969, há exatos 40 anos, ocorreu uma das maiores agressões ao Judiciário brasileiro: a aposentadoria compulsória dos ministros Victor Nunes Leal, então vice-presidente, Hermes Lima e Evandro Lins e Silva. Em solidariedade aos cassados, renunciaram em seguida o então presidente, ministro Gonçalves de Oliveira, que tomara posse havia pouco mais de um mês, e o decano da Corte, ministro Lafayette de Andrade.
É indispensável relembrar esses fatos que pavimentaram a acidentada trajetória da democracia brasileira, a fim de que esse conhecimento impeça definitivamente o retorno de qualquer daqueles infortúnios, de sorte que nem o mais incipiente deles ressurja sequer como ameaça.
Não me canso de repetir que, felizmente, a democracia em nosso país passou a ser um valor em si mesmo.
Os atos institucionais foram o meio encontrado de quebrar as garantias, as seguranças institucionais e a própria ordem constitucional para viabilizar o regime de exceção.
A investida contra o Judiciário não foi pequena. Ficou célebre o caso das chaves, protagonizado pela brava resistência do então presidente, ministro Ribeiro da Costa.
Após a primeira intervenção do regime de exceção no STF foi o aumento de 11 para 16 os membros da Corte, fazendo-o mediante o Ato Institucional nº 2, que concretizou o estado de sítio, extinguiu os partidos políticos e ampliou a competência da Justiça Militar.
Tamanho acinte não foi bastante para obter a conivência do Supremo com os desmandos do regime. A Corte continuou atuante em garantir as liberdades individuais, inclusive dos perseguidos por ações políticas, presos de forma arbitrária, a maioria em total desabrigo dos mais básicos direitos humanos.
Nomeados, os novos ministros desfizeram-se, como devido, de qualquer matiz partidário. Investidos da função de julgar, cumpriram-na com fiel atenção aos princípios de Direito.
Veio então o Ato Institucional nº 5, que significou maior endurecimento do regime de exceção em vigor no Brasil desde 1964. Suspendeu-se a garantia de habeas corpus, nos casos de crimes políticos, contra a segurança nacional, a ordem econômica e social e a economia popular. Excluíram-se ainda de qualquer apreciação judicial todos os atos praticados de acordo com o AI-5.
Desse modo, o AI-5 conferia poderes excepcionais ao Executivo, limitando tanto a atuação do Legislativo quanto do Judiciário, além de praticamente eliminar as liberdades individuais ainda existentes no Brasil.
Com base nesses atos que subverteram as instituições e as garantias fundamentais, atacou-se a independência do Judiciário, limitando-se sua atuação e intimidando seus membros.
Ao discursar após o episódio, o ministro Luiz Gallotti ressaltou que os três magistrados foram aposentados pelo governo da revolução porque foram considerados incompatíveis com ela. A tradução era linear: tornaram-se alvos pelo desassombro com que, enfrentando a truculência despótica, defenderam a liberdade como bem maior da existência humana.
Foram perdas irreparáveis. Ainda, aproveitou-se a oportunidade para retomar a composição original da Corte. A dor pela injustiça dos atos arbitrários que apanharam em pleno apogeu nomes que honraram esta Casa e a magistratura brasileira esteia a convicção de que o período ditatorial suportado pelos brasileiros serviu-lhes como antídoto contra o anátema odioso de regimes totalitários, alicerçados mais na ignorância, no despreparo do que em qualquer viés ideológico do povo.
De tudo, fica-nos reforçada a certeza de que a independência do Judiciário não é privilégio dos magistrados, mas garantia dos jurisdicionados.
Repito que, no Estado constitucional, a independência judicial é mais relevante do que o próprio catálogo de direitos fundamentais, pois estados ditatoriais há com os mais amplos desses catálogos.
Daí a importância de valorizarmos este elemento, pedra central da Constituição de 1988 e, portanto, de toda a democracia brasileira.
(*) Gilmar Mendes é presidente do Supremo Tribunal Federal e do Conselho Nacional de Justiça, professor de Direito Constitucional nos cursos de graduação e pós-graduação da Faculdade de Direito da Universidade de Brasília-UnB, mestre em Direito pela Universidade de Brasília (1988), mestre e doutor em Direito pela Universidade de Münster, na República Federal da Alemanha - RFA (1989 e 90).
Observação.: O artigo foi publicado originalmente pelo jornal O Globo, nesta sexta-feira, 16 de janeiro.
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