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D I R E I T O    &    D E F E S A    D O    C O N S U M I D O R
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Dr. Rodrigo Pucci - colunista do Portal BrasilA questão da legalidade da suspensão do fornecimento de serviços públicos em razão do inadimplemento do consumidor

Por Dr. Rodrigo Perez Pucci (*
)

O tema em questão insurge bastante polêmica no campo jurídico e social acerca da sua legalidade ou ilegalidade perante a Constituição Federal de 1988, Código de Defesa do Consumidor e Lei nº 8.987/95. As divergências doutrinárias e jurisprudências são objeto de grande relevância para a sociedade.

Sem a pretensão em dissertar sobre os vários conceitos atinentes ao serviço público, imperioso destacar, superficialmente, que entende-se como tal toda atividade perpetrada, direta ou indiretamente, pelo Estado, com intuito precípuo de atender as necessidades da coletividade e do cidadão.

A noção conceitual abordada por Celso Antônio Bandeira de Mello revela que “Serviço público é toda atividade de oferecimento de utilidade ou comodidade material destinada à satisfação da coletividade em geral, mas fruível singularmente pelos administrados, que o Estado assume como pertinente a seus deveres e presta por si mesmo ou por quem lhe faça as vezes, sob um regime de Direito Público - portanto, consagrador de prerrogativas de supremacia e de restrições especiais -, instituído em favor dos interesses definidos como públicos no sistema normativo". [1]

O artigo 22 do CDC estabelece que “Os órgãos públicos, por si ou suas empresas, concessionárias, permissionárias ou sob qualquer outra forma de empreendimento, são obrigados a fornecer serviços adequados, eficientes, seguros e, quanto aos essenciais, contínuos". Nesse sentido, o parágrafo único diz que “Nos casos de descumprimento, total ou parcial, das obrigações referidas neste artigo, serão as pessoas jurídicas compelidas a cumpri-las e a reparar os danos causados, na forma prevista neste Código”.

Por estes dispositivos legais, não há qualquer dúvida da incidência do CDC aos serviços públicos. A controvérsia reside no fato de saber em quais serviços públicos são aplicados a norma consumerista. O CDC por ser um microssistema multidisciplinar e principiológico, possui como campo de atuação as questões que dizem respeito às situações de vulnerabilidade provocadas pelo mercado de consumo.

Utilizando essa afirmativa, pode-se dizer que, para haver a abrangência e aplicação do CDC ante os serviços públicos, estes terão de possuir um caráter sinalagmático com o consumidor, ou seja, é necessário que o serviço seja prestado de forma individual, divisível e haja uma relação entre pagamento e o serviço prestado.

O que está no mercado de consumo tem a regência disciplinar do CDC. Determinados serviços públicos não estão inseridos nesta esfera, isso porque não se enquadram no conceito de serviços prestados individualmente e pagos diretamente pelo consumidor.

Encontra-se na lista desses serviços os relativos à segurança, prestação jurisdicional, saúde, iluminação pública, que podem ser tipificados como serviços uti universi, ou aqueles cujo usuários não são determinados.

Importante ressaltar que não é somente pelo fato de serem considerados como universais que exclui a abrangência do CDC, de acordo com as palavras de Maria Sylvia Di Pietro “Diriam alguns que são os serviços uti singuli. Todavia, as classificações doutrinárias dos serviços públicos, em razão de sua equivocidade, não devem ser utilizadas para análise da incidência ou não do CDC. Sobre a variada classificação administrativa dos serviços públicos e sua equivocidade". [2]

Outro fator importante e coligado com o assunto do mercado de consumo, diz respeito à forma de remuneração do serviço público prestado. Os serviços que são remunerados por via de tarifas ou preço público são objeto da relação jurídica de consumo. Os serviços públicos remunerados por impostos ou outra modalidade de tributo não entram nesta relação.

Todavia, importante destacar que há dissenso em relação à aplicação do CDC nos serviços públicos remunerados mediante taxas. Isso porque o próprio STJ possui entendimento diverso quanto à natureza da remuneração dos serviços relativos ao fornecimento de água e esgoto [3]. O pagamento dos serviços mencionados, ora é considerado preço público, ora é considerado taxa.

Neste prisma, parece que o importante é saber se há uma correlação entre pagamento e serviço prestado. Nesse sentido Antônio Herman Benjamin ressalta que, “em relação à natureza da remuneração, não importa se é taxa ou tarifa (preço público), importa haver certa correlação entre o pagamento e o serviço prestado. Aliás, a noção da espécie tributária taxa, baseia-se justamente no seu caráter sinalagmático. Não é, todavia, o pagamento de taxa que caracteriza que o serviço público está sujeito ao CDC. O pagamento por meio de taxa não deve ser critério para exclusão de aplicação do CDC". [4]

Superado o ponto da aplicação do CDC, resta consignar a legalidade ou ilegalidade no tocante à suspensão de fornecimento do serviço público, principalmente o serviço de energia elétrica e água, quando ocorrer o inadimplemento do consumidor.

A questão é complexa e envolve o princípio constitucional da dignidade da pessoa humana. O assunto foi debatido no Superior Tribunal de Justiça. Inicialmente, o entendimento desta Corte esposava no sentido da ilegalidade da suspensão dos serviços de energia elétrica e água em face do inadimplemento do consumidor. A base para tal entendimento era da aplicação absoluta do artigo 22 e 42 do CDC. Portanto, imperava-se que o serviço público deveria ser contínuo e que o consumidor não poderia ser exposto ao ridículo quando da cobrança de débitos por sua inadimplência". [5]

Ulteriormente, houve mudança do entendimento em razão de decisão prolatada em 10 de dezembro de 2003. O REsp 363.943, da 1ª seção do STJ, concluiu ser “lícito à concessionária interromper o fornecimento de energia elétrica se, após aviso prévio, o consumidor de energia elétrica permanecer inadimplente no pagamento da respectiva conta" (L. 8.987/97, art. 6º , parágrafo 3º, II).

Após essa decisão, outros julgados utilizaram entendimento igualitário. Nesta situação, verifica-se a existência de duas leis especiais; a Lei 8.078/90 (CDC) e Lei 8.987/95 (Dispõe sobre o regime de concessão e permissão da prestação de serviços públicos previsto no art. 175 da Constituição Federal). De um lado, o CDC estabelece que os serviços essenciais devem ser contínuos e que, na cobrança de débitos, o consumidor não será submetido a qualquer tipo de constrangimento. De outro, estabelece que não se caracteriza como descontinuidade do serviço a sua interrupção em situação de emergência ou após prévio aviso, quando por inadimplemento do usuário, considerando o interesse da coletividade (parágrafo 3º do art. 6º da Lei 8.987/95).

Diante dessa situação, está em jogo valores constitucionais. O que deve prevalecer: o direito das empresas concessionárias pautado na livre iniciativa ou o princípio da dignidade da pessoa humana?

O corte do fornecimento de água ou energia elétrica repercute em situações que envolvem o próprio “existencialismo” da pessoa, seja física ou jurídica. Tomando como exemplo as consequências drásticas da falta de energia ou água em hospital, ou residências com crianças, idosos, que são hipervulneráveis e merecem atenção maior.

O CDC estabelece normas de ordem pública e interesse social. Por esse entendimento, poder-se-ia afirmar que este prevalece ante a Lei 8.987/97. Todavia, não se pode esquecer do tipificado “diálogo das fontes”, termo este criado por Erik Jayme. [6]

O diálogo das fontes possibilita ao intérprete e aplicador da lei, a aplicação simultânea, coerente e coordenada das leis especiais, em uma convivência conforme os valores da CF/88. Então, no caso específico da aplicação da lei 8.078/90 (CDC) e Lei 8.987/95, não há prevalência de uma sobre a outra e sim, uma interpretação harmoniosa e coerente de acordo com a CF/88.

A supracitada Lei 8.987/95, ressalta a legalidade da suspensão quando há o aviso prévio em face do consumidor e este permanecer inadimplente. A jurisprudência dominante entende que, havendo o aviso prévio legitima à concessionária a perpetrar a suspensão. Portanto, se a concessionária provar que procedeu a notificação prévia legitima e legal se faz a suspensão. Todavia, quando o caso concreto se tratar de débitos antigos, que podem ser passíveis de cobrança pela via ordinária, a suspensão torna-se ilegal.

Utilizando-se a aplicação incontinente do artigo.4º, inciso III do CDC, o qual estampa que, deve haver a harmonização dos interesses dos participantes das relações de consumo e as condutas pautarem-se na boa-fé e equilíbrios nas relações. Admitir o inadimplemento por um período indeterminado e sem a possibilidade de suspensão do serviço é consentir com o enriquecimento sem causa de uma das partes, fomentando a inadimplência generalizada, o que compromete o equilíbrio financeiro da relação e a própria continuidade do serviço, com reflexos inclusive no princípio da modicidade.

Da mesma forma, caso a suspensão do serviço seja realizado sem os “critérios” mínimos estabelecidos pela jurisprudência e leis, ocorrerá a ilegalidade do ato.

Conclui-se que, a aplicação da legalidade ou ilegalidade da suspensão do serviço público essencial por inadimplemento do consumidor, merece mais atenção do aplicador da lei, em ponderar casuisticamente se há ou não ofensa, direta ou indireta, à dignidade da pessoa humana. Desse modo, revela-se substancialmente tanto a possibilidade de continuidade do serviço como a possibilidade do corte, sem que ocorra insegurança jurídica.


[1] MELLO, 2004,.p.620

[2] PIETRO, 2003,.p.96-107

[3] STJ, REsp 853.964, rel. Min. José Delgado,j.15.08.2006; STJ, REsp 684.020,rel.Min. Eliana Calmon,j.04.05.2006;  

[4] BENJAMIN,2007,.p.172

[5] REsp 201.111,j.20.04.1999; REsp 223.778,j.dez.1999;REsp 122.812,j.dez.2000

[6] O termo “diálogo das fontes” foi criado por Erik Jayme em seu curso de Haia de 1995 ( Jayme, Recueil des Cours, 251, p.259)

(*) O Dr. Rodrigo Perez Pucci é Advogado militante que atua nas áreas do direito tributário, direito sancionador e Consumidor, bem como advocacia contenciosa e consultiva.
Graduado em Direito pelo Centro Universitário de Brasília – UNICEUB e pós –graduando em Direito tributário e Finanças Publicas pelo Instituto de Direito Publico - IDP
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Contato: p[email protected].

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