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D I R E I T O    &    D E F E S A    D O    C O N S U M I D O R
0 1  /  J U L H O  /  2 0 1 2


A autonomia universitária e aplicação do Código de Defesa do Consumidor
Por Dr. Lucas Zabulon (*)
 

Um tema frequentemente enfrentado no cotidiano dos estudantes universitários é a relação destes com suas instituições de ensino. Esta relação pode ser observada por vários ângulos, o que denota a complexidade do assunto.

É indiscutível a importância da educação para toda e qualquer sociedade, razão pela qual este assunto transcende os interesses meramente circunscritos à esfera individual e foi adotado como valor verdadeiramente coletivo, cuja magnitude é reconhecida a nível constitucional.

A carta magna, em seu artigo 205, define a educação como um direito de todos e dever do Estado e da família, a ser promovida em colaboração com a sociedade e com o fim de desenvolver plenamente a pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho.

A balizada doutrina afirma que a educação e seus objetivos, quando analisados em conjunto, compõem nossa constituição cultural, plexo que guarda nossa individualidade histórica e reflete o que somos e pretendemos continuar a ser. [1]

Com base na importância que o tema representa para a sociedade, o Brasil adotou o pluralismo educacional, que define como igualmente legítimas todas as linhas de pensamento e/ou de transmissão do conhecimento, não sendo, portanto, uma prerrogativa exclusiva do Estado o fornecimento e custeio de acesso às instituições de ensino, em especial às de ensino superior.

Convivem em nossa sociedade, deste modo, tanto aqueles institutos de educação superior mantidos por verbas públicas quanto àqueles mantidos por recursos particulares, sendo assegurados a qualquer um deles plena autonomia didático-científica, administrativa e de gestão financeira e patrimonial.

Quando analisamos a oferta particular de ensino, observamos que os estudantes muitas vezes colocam-se como verdadeiros consumidores finais da prestação de serviço educacional oferecida pelas instituições particulares de ensino. A educação, ainda que um valor de suma importância para o Estado, apresenta-se propriamente como um “serviço”, ou até mesmo um “produto”, adquirido mediante contribuições financeiras substanciais por parte dos universitários. E precisamente o modo como deve ser configurada a relação entre universidades particulares e seus estudantes universitários vem sendo avaliada com bastante atenção por nossa jurisprudência pátria.

O Superior Tribunal de Justiça, na ocasião do julgamento do Agravo 460.768/SP, decidiu que o contrato de prestação de serviços educacionais sujeita-se às regras contidas no Código de Defesa do Consumidor e desta forma a multa cobrada em virtude de inadimplência de mensalidades não poderia ultrapassar o teto fixado na lei 9.298/96, que estabelece o valor máximo de 2% sobre o valor total da prestação.

O mesmo tribunal superior, na ocasião do julgamento do AgRg 906.980/GO reafirmou a aplicabilidade do CDC nas relações que envolvem associações de ensino superior particulares e seus estudantes. Neste julgado, o caso concreto envolvia a exigência de pagamento integral de semestralidade independente do número de disciplinas que determinado aluno iria cursar no referido período. Ao entender que tal relação encontrava-se subordinada às regras consumeristas, o tribunal visualizou violação da norma por “abusividade de cláusula contratual”, perpetrada por parte da instituição educacional. Entendeu-se que estaria havendo uma contraprestação sem relação com os serviços que seriam realmente prestados, restando violado o direito dos universitários.

Em maio deste ano, a discussão acerca da incidência das regras protetivas ao consumidor nas relações de contratos educacionais de ensino superior voltou a estar em destaque com o reconhecimento de repercussão geral desta matéria por parte do Supremo Tribunal Federal [1]. Na prática, isso significa que o Supremo entende que a matéria é relevante o suficiente do ponto de vista econômico, político, social e jurídico e que decisões acerca do tema podem ensejar impacto relevante na sociedade, de modo que aquelas ações que versarem sobre o assunto e forem submetidos serão analisados pela Corte máxima.

Certamente este tema será enfrentado pelo Supremo, que o analisará sob a perspectiva constitucional. Ainda assim, com base nas manifestações jurisprudenciais anteriores, acreditamos que as decisões futuras refletirão o entendimento já esposado por outros Tribunais no sentido do reconhecimento da incidência das normas do CDC à relação entre as instituições particulares de ensino superior e seus alunos.

Em momento algum se pode negar a ampla autonomia garantida pela constituição às universidades, sejam particulares ou públicas. Contudo, não podemos perder de vista que outras garantias também previstas pela carta da república devem ser respeitadas, dentre elas a proteção ao consumidor.

Se do ponto de vista externo a educação é observada como um valor de suma importância e cuja defesa pressupõe a autonomia das universidades, de modo a se garantir o pluralismo educacional, não se pode olvidar que do ponto de vista interno da relação estabelecida, o estudante que obtém serviços educacionais mediante contraprestação pecuniária acaba por adquirir serviços no papel de seu destinatário final, equiparando-se assim ao conceito jurídico de consumidor contido na Lei 8.078/90 e devendo ser alvo de toda a proteção legal.

Por tudo, é ilegítima a utilização por parte de instituições particulares de ensino superior da prerrogativa de autonomia conferida pela Constituição Federal com o intuito de lograr vantagens econômicas em sua relação com os estudantes, que são os verdadeiros consumidores finais dos serviços que aquelas têm a oferecer. Conferir ao estudante a posição de consumidor não implica em diminuir a importância de sua posição, nem mesmo em subtrair autonomia das instituições de ensino superior ou sequer reduzir a educação à categoria de simples “produto”.

Pelo contrário, a defesa dos direitos do estudante, bem como dos direitos do consumidor, transmuta-se em defesa de toda a sociedade, e a aplicação do CDC à relação universitária particular apenas fornecerá outro instrumento que assegurará esta necessária proteção.

[1] COELHO, Inocêncio Mártires, in Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Editora Saraiva, 2010, pg. 1549.
[2] O Recurso Extraordinário 641005 foi escolhido como paradigma pelos Ministros.

(*) O Dr. Lucas Zabulon é Advogado militante que atua nas áreas do direito tributário, direito sancionador e consumidor, bem como advocacia contenciosa e consultiva.

AUTORIZADA A REPRODUÇÃO DESDE QUE CITADA A FONTE.
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