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D I R E I T O    &    D E F E S A    D O    C O N S U M I D O R
1 6  /  N O V E M B R O  /  2 0 1 2

 


Dr. Rodrigo Pucci - colunista do Portal BrasilAnálise do nexo causal na responsabilidade civil das empresas fabricantes de cigarro

Por Dr. Rodrigo Perez Pucci (*)

Vislumbra-se que, ante estudos perpetrados na área da responsabilidade civil das empresas que fabricam o produto cigarro, a jurisprudência dominante no país fundamenta, incisivamente, a improcedência dos pedidos de indenização de consumidores que utilizam o cigarro com base no problema da ocorrência do nexo causal na relação consumidor e fabricantes.

A análise do nexo causal é imprescindível para a apuração da ocorrência da responsabilidade civil, pois não se pode falar de responsabilidade civil sem que esteja presente o nexo causal.

Apesar de não se tratar de prova impossível, a dificuldade na demonstração do nexo de causalidade entre tabagismo e determinada enfermidade, vem sendo um dos maiores embaraços encontrados pelos consumidores ou suas famílias, nos feitos ao tema em estudo, relatórios médicos particulares têm sido utilizados como meio de demonstração desses danos. No entanto, os relatórios provam a declaração, mas não o nexo causal entre o tabagismo e determinada enfermidade, conforme prescreve o art. 368 [1] do Código de Processo Civil. [2]

Insta colocar nesse plano que conforme ressalta Sergio Cavalieri Filho [3] o conceito de nexo causal não é jurídico; decorre das leis naturais. É o vínculo, a ligação ou relação de causa e efeito entre a conduta e o resultado”. Neste sentido Gisela Sampaio da Cruz [4] explica que “o conceito de relação causal, além de se revestir de um aspecto filosófico, apresenta dificuldades de ordem prática, porque na maioria das vezes o evento danoso está cercado de condições que se multiplicam, dificultando a identificação da causa do dano”.

Dessa forma, o nexo causal é elemento indispensável em matéria de responsabilidade civil. Em uma primeira análise, pode-se interpretar o exercício da questão do nexo causal como aparentemente fácil, todavia há situações que estarão presentes no caso concreto uma multiplicidade de causas concorrendo para o evento danoso.

Surgem, então, teorias que se empenham na solução do problema. A verificação do nexo de causalidade depende, antes de qualquer juízo, da teoria que se adote [5]. Dentre as que figuram no direito brasileiro, destacam-se as três mais comentadas pela doutrina, quais sejam; a teoria da equivalência dos antecedentes, também chamada de conditio sine qua non, a teoria da causalidade adequada e a teoria do dano direto e imediato.      

A teoria da equivalência dos antecedentes, foi elaborada por Von Buri, com base nas ideias de Stuart Mill. Explica-se tal teoria pelo fato de havendo várias condições concorrentes para o mesmo resultado, todas essas terão o mesmo valor, eis que todas se equivalem. Portanto, não se indaga se uma delas foi mais ou menos eficaz ou mais ou menos adequada. Em matéria de responsabilidade civil, a mencionada teoria não encontra espaço para ser aplicada, pois critica-se a mesma, pelo fato de conduzir a uma exasperação de causalidade e a uma regressão infinita do nexo causal. Nesse sentido a supracitada teoria tem ampla aplicação no Direito Penal de vários países, inclusive no nosso, com algumas mitigações. [6]

A teoria da causalidade adequada foi elaborada por Von Kries. Para ela causa é o antecedente não só necessário, mas, também, adequado à produção do resultado. Portanto, se várias condições concorrem para determinado resultado, nem todas serão causas, mas somente aquela que for a mais adequada à produção do evento - em outras palavras causa será apenas aquela que foi determinante, desconsiderando-se as demais [7].

O que se deve indagar é como estabelecer, entre várias condições, qual foi a mais adequada. Elidindo a questão, Sergio Cavalieri Filho [8] pondera “Não há uma regra teórica, nenhuma fórmula hipotética para resolver o problema, de sorte que a solução terá que ser encontrada em cada caso, atentando-se para a realidade fática, com bom-senso e ponderação.”

Por fim, a teoria do dano direto e imediato foi prevista no artigo 1.060 do Código Civil de 1916, sendo tal artigo reproduzido pelo artigo 403 [9] do atual Código. Para esta teoria, havendo várias condições que concorrem para o evento danoso, nem todas vão ensejar o dever de indenizar, mas apenas aquela elevada à categoria de causa necessária do dano. Logo, a referida teoria distingue entre o conjunto de antecedentes causais, a causa das demais condições. Necessário frisar que a causa direta e imediata nem sempre é a mais próxima do dano, mas, sim, aquela que necessariamente o ensejou, pois não é a distância temporal entre a inexecução e o dano que rompe o nexo causal [10].

Das teorias mencionadas cumpre alertar que nenhuma oferece solução definitiva ou acabada com todos os problemas envolvendo nexo causal, tendo em vista que o entendimento a respeito da matéria pode se dar pelas regras de experiência comum do magistrado, abrindo espaço para sua criatividade, pautado nos princípios da probabilidade, razoabilidade, bom-senso, entre outros, podendo emitir seu juízo de valor com fulcro ao art. 335 [11] do Código de Processo Civil.

Nesse compasso vale mencionar que atualmente a teoria da causalidade adequada é a mais utilizada no Direito Brasileiro no ramo da Responsabilidade Civil, corroborando com a exposição explica Sergio Cavalieri Filho [12] que “os nossos melhores autores, a começar por Aguiar Dias, sustentam que, enquanto a teoria da equivalência das condições predomina na esfera penal, a da causalidade adequada prevalece na órbita civil.

Normalmente as pessoas que utilizam o cigarro podem desenvolver mais de uma enfermidade sendo que em algumas vezes o mesmo fumante poderá já ter, antes do início do consumo do cigarro, enfermidades, não relacionadas ao cigarro, que junto com as relacionadas ao cigarro, ajudam a piorar o quadro de saúde do indivíduo. Nessa situação, a causa anterior (enfermidade adquirida antes do consumo do cigarro) não elimina a relação causal, corroborando com a questão, ressalta Sergio Cavalieri [13]. “Doutrina e jurisprudência entendem, coerentes com a teoria da causalidade adequada, que as concausas preexistentes não eliminam a relação causal.” O mesmo entendimento é adotado por Gisela Sampaio da Cruz [14] que explica “ao mesmo, não se deve considerar interrompida a causalidade todas as vezes que a 1ª série causal, em curso na direção do dano, encontra um 2º fato que o provoca.”

No caso de fumantes, é muito comum a ocorrência de concausas que pode ser definida como outra causa que se juntando à principal, concorre para o resultado, sendo que ela não interrompe o processo causal, apenas o reforça [15].

 Ilustrando a presente situação, há três fatores de risco previsíveis para a doença coronariana: tabagismo, hipertensão arterial e colesterol alterado. O tabagismo, associado à alteração do colesterol ou à hipertensão, multiplica esse risco por quatro. Diante disso, é perceptível que há a debatida concausa. Se no futuro, a pessoa que fumava vier a falecer de uma doença coronariana, e seus familiares ajuizarem uma ação de indenização em face da fabricante do cigarro que o de cujus consumiu, sob a alegação de que o cigarro foi a causa da morte, não deverá prosperar a alegação da fabricante de cigarro, de que o de cujus faleceu em virtude de outras enfermidades que possuía, tentando dessa forma romper o processo causal, pois como fora dito a concausa não interrompe o processo causal, apenas o reforça.

Verifica-se que na grande maioria das ações judiciais promovidas  pelos fumantes ou sua família, não tiveram produção de prova pericial, em decorrência da negativa dos juízes. A circunstância consubstancia em prejuízo em face dos autores das ações, pois a prova da existência do nexo causal, incumbe a estes. Nesse sentido a produção de prova pericial torna-se importantíssima haja vista que pode por fim a uma questão controvertida envolvendo a responsabilidade civil das fabricantes de cigarro.

Logo, mesmo sendo o cigarro um produto defeituoso que mata e lesa seus consumidores, não bastam, somente, provas cientificas, testemunhal, entre outras, pois somente ocorrerá a responsabilidade civil se comprovada à existência do nexo causal entre enfermidade/morte e uso do cigarro, sendo neste ponto a maior dificuldade que os consumidores encontram como também, em certos casos, o magistrado para elucidar a questão.

A prova do nexo causal deve ser demonstrada pelo autor, pois a ele incumbe a prova do que alega. Porém, nos últimos tempos o conceito de nexo causal tornou-se mais flexível, com vistas a possibilitar uma maior proteção à vitima do dano injusto.

A fabricação do cigarro é uma atividade lícita, porém considerada potencialmente nociva à saúde e segurança de seus consumidores, esta circunstância somada com a aplicação do princípio constitucional da dignidade humana, bem como a normatização do Código de Defesa do Consumidor outorgam oportunidades para as empresas fabricantes de cigarro serem responsabilizadas civilmente pelos danos causados pelo produto cigarro.


[1] Art. 368 Código de Processo Civil. As declarações constantes do documento particular, escrito e assinado, ou somente assinado, presumem-se verdadeiras em relação ao signatário. Parágrafo único. Quando, todavia, contiver declaração de ciência, relativa a determinado fato, o documento particular prova a declaração, mas não o fato declarado, competindo ao interessado o ônus de provar o fato.

[2] DELFINO, Lúcio. Responsabilidade Civil e Tabagismo no Código de Defesa do Consumidor. Belo Horizonte:  Dey Rey, 2002, p. 147

[3] FILHO, Sergio Cavalieri. Programa de Responsabilidade Civil. São Paulo.7.ed: Atlas, 2007, p. 46

[4] CRUZ, Gisela Sampaio da. O problema do nexo causal na Responsabilidade Civil. Rio de Janeiro: Renovar, 2005, p.18

[5] CRUZ, Gisela Sampaio da. O problema do nexo causal na Responsabilidade Civil. Rio de Janeiro: Renovar, 2005, p.8

[6] FILHO, Sergio Cavalieri. Programa de Responsabilidade Civil. São Paulo.7.ed: Atlas, 2007, p. 47

[7] FILHO, Sergio Cavalieri. Programa de Responsabilidade Civil. São Paulo.7.ed: Atlas, 2007, p. 48

[8] FILHO, Sergio Cavalieri. Programa de Responsabilidade Civil. São Paulo.7.ed: Atlas, 2007, p. 48

[9] Art. 403 do Código Civil de 2002. Ainda que a inexecução resulte de dolo do devedor, as perdas e danos só incluem os prejuízos efetivos e os lucros cessantes por efeito dela direto e imediato, sem prejuízo do disposto na lei processual.

[10] CRUZ, Gisela Sampaio da. O problema do nexo causal na Responsabilidade Civil. Rio de Janeiro. ed: Renovar, 2005, p.102-103

[11] Art. 335 do Código de Processo Civil de 1973. Em falta de normas jurídicas particulares, o juiz aplicará as regras de experiência comum subministradas pela observação do que ordinariamente acontece e ainda as regras da experiência técnica, ressalvado, quanto a esta, o exame pericial.

[12] FILHO, Sergio Cavalieri. Programa de Responsabilidade Civil. São Paulo.7.ed: Atlas, 2007, p. 49

[13] FILHO, Sergio Cavalieri. Programa de Responsabilidade Civil. São Paulo.7.ed: Atlas, 2007, p. 58

[14] CRUZ, Gisela Sampaio da. O problema do nexo causal na Responsabilidade Civil. Rio de Janeiro: Renovar, 2005, p.7

[15] FILHO, Sergio Cavalieri. Programa de Responsabilidade Civil. São Paulo.7.ed: Atlas, 2007, p. 58 - 59.

(*) O Dr. Rodrigo Perez Pucci é Advogado militante que atua nas áreas do direito tributário, direito sancionador e Consumidor, bem como advocacia contenciosa e consultiva.
Graduado em Direito pelo Centro Universitário de Brasília – UNICEUB e pós –graduando em Direito tributário e Finanças Publicas pelo Instituto de Direito Publico - IDP
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Contato: p[email protected].

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