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D I R E I T O    &    D E F E S A    D O    C O N S U M I D O R
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Dr. Rodrigo Pucci - colunista do Portal BrasilO cigarro como produto defeituoso

Por Dr. Rodrigo Perez Pucci (*)

Produto defeituoso, à luz do parágrafo primeiro do artigo 12 do Código de Defesa do Consumidor, é aquele que não oferece a segurança que dele legitimamente se espera [1]. O fornecedor ao colocar produtos no mercado de consumo deverá, sempre, ter o dever jurídico de não afetar a proteção da vida, saúde e segurança do consumidor, por isso, entre o rol dos direitos básicos do consumidor, o legislador consignou no art. 6º do inciso I do Código de Defesa do Consumidor que são direitos básicos do consumidor, a proteção da vida, saúde e segurança, contra os riscos provocados por práticas no fornecimento de produtos e serviços considerados perigosos ou nocivos [2].

Convém ressaltar a importância das palavras consideradas perigosas ou nocivas, depreendidas do final do ilustrado inciso, tal importância reside no fato de que o produto perigoso, conforme os regramentos legais dos artigos 8º, 9º e 10 do Código de Defesa do Consumidor [3], é classificado conforme o grau de periculosidade ou nocividade, portanto estabeleceram-se três espécies de produtos perigosos fazendo-se alusão aos artigos mencionados. Nesse sentido temos, primeiramente, os produtos de risco que são considerados normais e previsíveis em decorrência de sua natureza e fruição – art. 8º; segundo, temos os produtos potencialmente nocivos ou perigosos à saúde ou segurança – art. 9º, e por fim aparecem os produtos com alto grau de nocividade ou periculosidade à saúde ou segurança – art. 10. A pergunta que se faz é em qual dessas classificações o cigarro está inserido? Para responder este questionamento é necessário saber o que realmente os aventados artigos querem transmitir ao operador do direito, para posteriormente definir as imperfeições do cigarro e situá-lo em uma das espécies.

Em uma exegese apurada do art.8º fica claro que os produtos colocados no mercado de consumo não podem acarretar em riscos à saúde ou segurança dos consumidores, no entanto a própria lei estabelece uma exceção nos casos de produtos que apresentam riscos considerados normais e previsíveis em decorrência de sua natureza e fruição [4], tanto que os fornecedores forneçam as informações necessárias e adequadas a respeito do produto; trata-se da chamada periculosidade inerente, ou aquela que é indissociável ao produto, não tendo nenhuma relação com a periculosidade adquirida, também conhecida como aquela perpetrada ao longo do consumo [5].

Em oportunidade anterior, foi elucidado que o cigarro poderá acarretar à saúde de quem o consome diversas situações de enfermidade. Com base neste ponto, não se pode considerar o cigarro como produto de risco considerado normal em decorrência da sua natureza e fruição, pois como explicar a natureza de um produto, em que em sua composição são aferidas diversas substâncias, as quais, não são devidamente informadas aos consumidores? Ademais, mesmo que a natureza do produto fosse conhecida, o termo fruição significa gozar, desfrutar, ora quem consome o cigarro não busca gozar de enfermidades que podem levar, muitas vezes, a óbito, quem fuma não tem como pretensão desfrutar de um câncer no pulmão ou uma diminuição do desejo sexual, não existe no fumante o desejo de  depreciar sua saúde ou de buscar sua morte prematura, essa não é a expectativa de quem o está adquirindo ou utilizando [6].

Constatado que o cigarro não se encaixa nos ditames do art. 8°, fica a possibilidade de incluí-lo no art. 9º ou 10. O legislador não teve a eficiência de colocar a real diferença entre os termos potencialmente nocivos ou perigosos e alto grau de nocividade ou periculosidade, todavia certo é que tais palavras possuem seus significados correspondentes, a rigor são palavras de significado vago, o que fazem as mesmas se situarem em uma zona de penumbra [7], porém no decorrer da leitura dos artigos em questão, constata-se que o cigarro não poderá ser incluído na interpretação do art. 10, isso porque o mesmo ressalta uma proibição dos fornecedores colocarem no mercado de consumo produto que sabe ou deveria saber apresenta alto grau de nocividade ou periculosidade.

A fabricação de cigarro é atividade considerada lícita em nosso ordenamento jurídico, prevista, inclusive, constitucionalmente como direito da livre iniciativa, tanto é que existe lei federal restringindo a publicidade comercial do tabaco [8] - por tal fato o cigarro não é incluído no entendimento do artigo em questão. Por fim, só resta incluir o cigarro na interpretação do artigo 10, sendo este considerado um produto perigoso e potencialmente nocivo à saúde e a segurança do consumidor, tendo o fornecedor o dever de informar, de maneira ostensiva e adequada, a sua periculosidade e nocividade, fato que não vem ocorrendo, conforme será consignado em oportunidade posterior.

Consumada a realização da classificação do cigarro, ante as espécies de produtos considerados perigosos ou nocivos, necessário se faz discorrer sobre sua caracterização como produto defeituoso. A doutrina estabeleceu uma divisão em relação à classificação de produto defeituoso, inserto no parágrafo primeiro do artigo 12. Insta constatar, que conforme ressalta Lúcio Delfino [9] "a doutrina delimitou duas grandes categorias referentes aos defeitos. São eles os chamados defeitos juridicamente relevantes e defeitos juridicamente irrelevantes". Seguindo esse entendimento os primeiros seriam aqueles defeitos decorrentes de projeto, fabricação, construção, montagem, fórmulas, manipulação, apresentação ou acondicionamento de seus produtos, bem como por informações ou inadequados sobre sua utilização e riscos, estes são juridicamente relevantes, ensejando no dever de indenizar, os segundos são juridicamente irrelevantes, sendo englobados todos aqueles que não estão no rol mencionado do caput do art. 12, então não ensejam no dever de indenizar. O cigarro está no rol dos produtos defeituosos do alusivo delineado legal.

Como foi mencionado, além da classificação acima exposta, a doutrina estabeleceu uma divisão dos produtos defeituosos, estes são divididos em defeitos de fabricação, defeitos de criação ou concepção e defeitos de informação. Os defeitos de fabricação estão ligados a fabricação, montagem, manipulação ou acondicionamento de produtos, os de criação relacionam-se com os projetos e fórmulas, por fim o defeito de informação oriunda da apresentação, informação insuficiente ou inadequada ou publicidade do produto.

O produto cigarro possuí defeitos de criação e informação. Quanto ao defeito de criação, a composição química do cigarro é caracterizada pela presença da nicotina, substância responsável pela dependência do fumante. O consumo de cigarro compreende um comportamento involuntário do fumante, pois a vontade do mesmo encontra-se em segundo plano, eis que está prejudicada pela indução ao vício que a nicotina provoca [10]. O defeito de criação repercute em todos os produtos fabricados com base no projeto que deu origem ao defeito.

O defeito de fabricação ou produção, situa-se na fase produtiva do produto, não havendo problemas no projeto ou nas fórmulas. Ressalta Marcelo Kokke Gomes [11] que “os defeitos de produção não atingem todos os bens concebidos pelo mesmo projeto, pelo contrário, originam-se de problemas específicos no processo produtivo”. Pelo fato de não atingir a todos, os defeitos de fabricação não se aplicam ao cigarro, pois este causa danos em série na coletividade.

Os fornecedores deveriam sempre informar ao consumidor sobre o uso adequado, sobre os riscos inerentes, como também sobre outras características relevantes do produto colocado no mercado de consumo. Diante dessa realidade, a informação adequada e clara sobre os diferentes produtos e serviços, com especificação correta de quantidade, característica, composição, qualidade e preço, bem como sobre os riscos que apresentam é direito básico do consumidor [12].

O consumidor que utiliza o cigarro não é informado de maneira adequada, clara e ostensiva a respeito da nocividade do produto. Outrossim não é informado da especificação correta, quanto à quantidade, características, composição, qualidade e muito menos dos riscos, em sua totalidade, já que o cigarro poderá ocasionar além das doenças que já tem certo tipo correlatividade, de outras que podem se sujeitar, corroborando com o entendimento exposto a ideia de Lúcio Delfinio [13] que menciona que “Os maços de cigarro vendidos no Brasil somente contêm informações sobre o níveis de nicotina, alcatrão e monóxido de carbono, sem, no entanto alertar, eficientemente dos reais riscos que essas substâncias poderão acarretar à saúde dos consumidores”.

Durante muito tempo as fabricantes vangloriaram seu produto, angariando diversas pessoas a consumir o mesmo. Ora, não se questiona o fato da conduta licita das fabricantes de cigarro produzir e comercializar seu produto, pois a permissão é outorgada pela Constituição Federal. Questiona-se, sim, os fatos das fabricantes omitirem informações importantes a cerca da composição, males causados à saúde, realizarem publicidades enganosas aos seus consumidores e colocarem no mercado de consumo um produto defeituoso.


[1] Art. 12, parágrafo primeiro do Código de Defesa do Consumidor

[2] Art. 6º, I do Código de Defesa do Consumidor.

[3] Art. 8º Os produtos e serviços colocados no mercado de consumo não acarretarão riscos à saúde ou segurança dos consumidores, exceto os considerados normais e previsíveis em decorrência de sua natureza e fruição, obrigando-se os fornecedores, em qualquer hipótese, a dar as informações necessárias e adequadas a seu respeito.

     Art. 9º O fornecedor de produtos e serviços potencialmente nocivos ou perigosos à saúde ou segurança deverá informar, de maneira ostensiva e adequada, a respeito da sua nocividade ou periculosidade, sem prejuízo da adoção de outras medidas cabíveis em cada caso concreto.

     Art 10 O fornecedor não poderá colocar no mercado de consumo produto ou serviço que sabe ou deveria saber apresentar alto grau de nocividade ou periculosidade à saúde ou segurança.

[4] Algumas empresas fabricantes de cigarro, em contestação ante demandas propostas por consumidores, elencam o cigarro como produto que apresenta periculosidade inerente, ou seja normais e previsíveis em decorrência de sua natureza e fruição, consubstanciando no não dever de indenizar.

[5] DELFINO, Lúcio. Responsabilidade Civil e Tabagismo no Código de Defesa do Consumidor. Belo Horizonte:  Dey Rey, 2002,p.97.

[6] DELFINO, Lúcio. Responsabilidade Civil e Tabagismo no Código de Defesa do Consumidor. Belo Horizonte:  Dey Rey, 2002,p.99

[7] O legislador não poderia ser mais vago usando essas terminologias, conforme ressalta o I. Rizzato Nunnes, mencionando em sua obra o entendimento de Genaro Carrió que explica que o problema da indeterminação dos conceitos utilizados pelas normas não é privilégio do CDC, e mesmo neste não é questão que apareça só nos artigos ora em análise. Poder-se-ia falar na “vagueza” dos conceitos em vários momentos. Contudo, nos outros pontos da lei consumerista há alternativas lingüísticas que, arranjadas em argumentos, resolvem os problemas. Nos arts. 9º e 10 a situação é mais grave. Por isso tivemos de lançar mão desse recurso de análise dos problemas lingüísticos para melhor produzir a interpretação dos textos.

[8] A lei 9.294, de 15 de julho de 1996, foi elaborada em função do comando constitucional do parágrafo 4º do art. 220, dispõe sobre restrições de publicidade de produtos fumígenos, bebidas alcoólicas de medicamentos e de defensivos agrícolas.

[9] DELFINO, Lúcio. Responsabilidade Civil e Tabagismo no Código de Defesa do Consumidor. Belo Horizonte:  Dey Rey, 2002,p.105.

[10] DELFINO, Lúcio. Responsabilidade Civil e Tabagismo no Código de Defesa do Consumidor. Belo Horizonte:  Dey Rey, 2002, p. 110

[11] GOMES, Marcelo Kokke. Responsabilidade civil: Dano e Defesa do Consumidor. Belo Horizonte: Dey Rey, 2001, p. 183

[12] Art. 6º, inciso III do Código de Defesa do Consumidor

[13] DELFINO, Lúcio. Responsabilidade Civil e Tabagismo no Código de Defesa do Consumidor. Belo Horizonte:  Dey Rey, 2002, p. 115

(*) O Dr. Rodrigo Perez Pucci é Advogado militante que atua nas áreas do direito tributário, direito sancionador e Consumidor, bem como advocacia contenciosa e consultiva.
Graduado em Direito pelo Centro Universitário de Brasília – UNICEUB e pós –graduando em Direito tributário e Finanças Publicas pelo Instituto de Direito Publico - IDP
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Contato: p[email protected].

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