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- Dezembro de 2003 -
CPMF e o custeio da Previdência Social
- Marcos Cintra
Cavalcanti de Albuquerque -
Doutor pela Universidade Harvard, professor titular e
vice-presidente da Fundação Getúlio Vargas
Em 20 de março último,
o Ministério da Previdência Social promoveu um seminário no qual se discutiu
o leque de alternativas de financiamento do regime geral da Previdência Social.
Dada a excessiva tributação sobre os rendimentos do trabalho, discutiu-se a
necessidade de eliminar a contribuição ao INSS. Na oportunidade, defendi um
novo modelo de financiamento do regime geral da Previdência Social baseado na
adoção de uma contribuição sobre movimentação financeira capaz de reduzir,
ou até eliminar, a contribuição incidente sobre a folha de salários das
empresas.
Em geral, os modelos
previdenciários tiveram início como sistemas de capitalização, e, nesse
caso, o mecanismo de financiamento apropriado é a incidência sobre a folha de
salários, paga pelos beneficiários assalariados, e pelos empregadores.
Contudo, por razões que não cabe discutir no momento, a sociedade brasileira
optou por garantir os benefícios da Previdência, até o teto legal, como
direito de todos os cidadãos, justificando-se, assim, a evolução do custeio
para o sistema de repartição. Assim, o financiamento da Previdência comporta
ser feito não apenas com contribuições dos beneficiários mas também com
impostos gerais, incidentes sobre toda a sociedade. A Constituição de 1988
incorporou essa conceituação ao definir, conforme o caput do artigo
195, que o custeio do sistema previdenciário compete a "toda a sociedade,
de forma direta e indireta".
A proposta de desonerar
a folha de pagamento das empresas mediante a eliminação das contribuições
patronais ao INSS foi levantada na Comissão Especial da Reforma Tributária, na
Câmara dos Deputados, na legislatura passada. Propôs-se a introdução de uma
contribuição social incidente sobre as transações financeiras, capaz de
gerar volume de recursos equivalente ao arrecadado pelo INSS sobre a folha de
pagamento das empresas (R$ 35 bilhões). Uma mera substituição de fontes, é
bom observar, que em nada alteraria a destinação dos recursos recebidos e nem
as receitas e as despesas referentes ao salário-educação e ao denominado
Sistema S. A vantagem seria reduzir a cunha tributária sobre os salários,
estimular a formalização dos contratos trabalhistas, incentivar a abertura de
novos postos de trabalho, reduzir custos tributários, combater a sonegação e
reduzir o "custo Brasil".
Recente estudo da EESP/FGV
(Escola de Economia de São Paulo), patrocinado pela Fesesp (Federação de
Serviços do Estado de São Paulo), "Efeitos Macroeconômicos da Substituição
da Contribuição Patronal ao INSS por uma CMF", analisa em termos
agregados e setoriais o impacto na produção, no nível de emprego, nos preços
e na carga tributária da substituição da contribuição das empresas ao INSS
por um tributo sobre a movimentação financeira.
O trabalho, que utiliza
dados do Sistema de Contas Nacionais do IBGE, estima o efeito de alíquotas
adicionais à atual sistemática da CPMF. Para substituir o recolhimento
efetuado pelas empresas ao INSS, o estudo estima uma alíquota adicional necessária
de 0,802%.
Nesse cenário, os
agregados macroeconômicos apontam o seguinte: o PIB (Produto Interno Bruto)
cresceria 1,089%, o nível de emprego se elevaria em 1,423% e a demanda global
teria incremento de 0,591%. Já os indicadores de inflação apontam uma queda
considerável. O IGP (Índice Geral de Preços) cairia 0,977%, o IPA (Índice de
Preços no Atacado), 1,153%, e o IPC (Índice de Preços ao Consumidor), 0,803%.
No tocante ao impacto
setorial, a substituição da contribuição ao INSS incidente sobre folha pelo
adicional de 0,802% na CPMF teria impacto positivo sobre o valor agregado
setorial superior a 1%, com destaque para os setores de serviços privados não-mercantis
(+2,18%) e de fabricação de calçados (+1,92%).
Quanto aos custos de
produção, a queda chegaria a mais de 2% em setores como o de extração de
petróleo e gás, comunicações, instituições financeiras, administração pública,
publicidade, locação de imóveis, entre outros.
A expansão da oferta
de emprego seria mais favoravelmente afetada em setores como o de serviços
privados não-mercantis (+10,87%), o calçadista (+3,47%), farmacêutica e
perfumaria (+2,07%) e artigos de vestuário (+1,96%).
O estudo da FGV mostra
ainda que quase todos os setores teriam redução na carga tributária. Os
destaques ficam para os seguintes segmentos: serviços privados não-mercantis
(-52%), serviços prestados às empresas (-26%), artigos de vestuário (-26%),
artigos de plásticos (-25%), madeira e mobiliário (-25%), calçadista (-21%),
comércio (-21%), transportes (-21%) e comunicações (-21%).
Cumpre lembrar que nos
primeiros trabalhos sobre o Imposto Único tentou-se avaliar o impacto dessa
nova contribuição social na formação dos preços na economia. Foram
utilizadas as matrizes de relações interindustriais do IBGE e suas atualizações,
tendo-se chegado à conclusão de que os impostos sobre movimentação
financeira (IMF) impactam com menor intensidade os preços na economia do que
impostos sobre valor agregado (IVA), já que os primeiros exigem alíquotas
nominais sensivelmente mais baixas para uma dada meta de arrecadação.
A simulação nesta página
compara o impacto nos preços setoriais de um IMF sendo usado como fonte de
financiamento do INSS, relativamente ao atual modelo tributário, mediante a
substituição da alíquota básica de 20% da contribuição patronal sobre a
folha de salários por um IMF com alíquota total de 0,585%.
Vê-se que o desvio nos preços relativos causado pelo IMF foi de 0,61%, ao passo que, no caso do modelo convencional, atingiu 1,8%. Comprova-se assim a inveracidade da afirmação de que necessariamente os tributos cumulativos geram maiores distorções nos preços relativos e que, por isso, seriam mais ineficientes do ponto de vista alocativo.
Outra constatação importante é a redução significativa da carga tributária setorial resultante da alteração nas fontes de financiamento do INSS. Enquanto no caso convencional o peso das contribuições sociais no preço setorial variava de 11,28% a 16,01%, no caso do IMF a variação caiu significativamente para 1,08% a 2,48%. Percebe-se que houve redução de cerca de 80% da carga tributária setorial vinculada ao custeio do INSS.
Confirma-se assim a possibilidade de que a alteração proposta abrirá espaço para a redução de preços e, conseqüentemente, para a ampliação dos salários reais e das margens de contribuição das empresas. Ademais, tornam-se possíveis aumentos nominais de salários, sem impactos negativos no grau de eficiência da economia.
PUBLICAÇÃO
AUTORIZADA EXPRESSAMENTE PELO DR. MARCOS CINTRA
A PROPRIEDADE INTELECTUAL DO TEXTO É DE SEU AUTOR
1ª quinzena - Derrama no setor de serviços
- Marcos Cintra
-
Doutor pela Universidade Harvard, professor titular e
vice-presidente da Fundação Getúlio Vargas
É claro o processo de derrama tributária imposta aos
prestadores de serviços no Brasil. É possível concluir que tem predominado a
tese lançada por setores da indústria de que o setor de serviços carrega um
ônus tributário menor que o segmento industrial. Ao que tudo indica, essa visão
vem prevalecendo nas medidas pontuais que o governo tem adotado. A alteração
na sistemática do PIS, a nova base de cálculo da Contribuição sobre o Lucro
Líquido (CSLL), a exclusão de várias atividades do Simples e a recente alteração
na cobrança da Cofins mostram que vem ocorrendo uma brutal transferência da
carga de impostos para os prestadores de serviços.
Um
recente trabalho produzido pela Fundação Getúlio Vargas desmente a idéia de
que o segmento de serviços carrega uma carga de impostos inferior ao da indústria.
O estudo mostra que o setor contribui com 32% da arrecadação tributária
bruta. O comércio, que também é prestador de serviços, responde por 12%. A
indústria tem uma participação de 30% dos tributos arrecadados.
Em
relação ao Produto Interno Bruto (PIB) de cada setor o trabalho da FGV mostra
que os impostos oneram o segmento de serviços em 32%, o comércio em 37% e a
indústria em 31%.
Como
se vê, a tese de que o setor de serviços é menos onerado que a indústria não
se sustenta. É provável que a carga tributária no segmento tenha crescido por
conta do PIS não-cumulativo e da mudança na CSLL, que passaram a vigorar em
2003. Vale lembrar que em 2004 o novo ISS será mais um elemento a pressionar os
custos tributários dos prestadores de serviços.
A
Cofins não-cumulativa foi a mais recente medida contra os prestadores de serviços.
Segundo o Instituto Brasileiro de Planejamento Tributário (IBPT), a alíquota
de 7,6% fará com que o impacto médio nos preços finais do setor salte dos
atuais 6,3% para 8,4%.
A
criação da Cofins não-cumulativa, contida na MP 135/03, foi, certamente, uma
das medidas tributárias que mais geraram discordância na sociedade nos últimos
tempos. Há quase unanimidade contrária a
ela. Até mesmo aqueles que teoricamente são beneficiados pela mudança estão
sendo levados pela onda de insatisfação. Há muita preocupação com a ameaça
de aumento da carga tributária global implícita na medida.
Em
realidade, o incidente Cofins é sintomático de um novo clima que vem
presidindo os debates da reforma tributária. O que deveria ser uma cruzada de
toda a sociedade, para a criação de um sistema de arrecadação de impostos
capaz de sustentar a retomada do crescimento econômico brasileiro, acabou sendo
transformado num salve-se-quem-puder.
O
discurso pelo fim da cumulatividade do PIS-Cofins tem predominado como se
residisse nesse ponto a origem dos problemas tributários nacionais. Há um
paradoxo no posicionamento anticumulatividade, uma vez que seus críticos não
cansam de elogiar sistemáticas de arrecadação igualmente cumulativas, como o
Simples, o IR sobre lucro presumido, os impostos sobre valor agregado (IPI ou
ICMS) cobrados de forma monofásica ou até sobre a facilidade do pagamento do
ICMS sobre faturamento estimado.
Surpreende ainda as propostas que defendem a criação de um grande IVA
nacional, que englobe, adicionalmente, a base tributária do ISS, ou seja, a
prestação de serviços. Isto fará com que a emissão de uma nota fiscal
carregue uma incidência tributária de mais de 40%, o que aumenta o prêmio ao
sonegador. Dirão os defensores da ortodoxia tributária
que haverá créditos e que a não-cumulatividade atenuará o impacto das altas
alíquotas na formação dos preços.
Mas
de que créditos tributários se valerão os prestadores de serviços cuja maior
parcela de custos de produção se concentra no pagamento de salários, que não
geram créditos tributários? Como explicar essa brutal discriminação contra o
setor terciário, justamente o que mais cresce no mundo moderno, o que mais gera
empregos e o que mais paga salários?
Um
estudo da Trevisan e Associados mostra que o setor de
serviços, inclusive o comércio, representa 41% do PIB brasileiro, enquanto
que a indústria participa com 21,5%. A oferta de empregos formais é,
respectivamente, de 49% e 18%.
O
peso do segmento de serviços na economia mostra o quanto será danoso a elevação
de seus custos tributários como vem ocorrendo. O comprometimento do governo,
dos parlamentares e do setor produtivo com o crescimento econômico e a geração
de empregos demanda um sistema de impostos mais simples, que distribua o ônus
tributário de modo mais equânime e com custos menores. Penalizar o segmento de
serviços com mais impostos é falta de bom senso num país que precisa crescer
e gerar empregos. Matéria
disponibilizada no jornal "O Estado de Minas", em 24.11.2003
A PROPRIEDADE INTELECTUAL DO TEXTO É
DE SEU AUTOR
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